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​Macacos em Uganda, surto na Polinésia e Copa no Brasil: como o zika chegou aqui

Descoberto por acaso em 1947, o vírus teve seus estudos interrompidos nos anos seguintes porque não envolvia interesses econômicos. O que a proliferação dele nos anos 2000 pode nos ensinar?

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Em 1947, três pesquisadores viajaram à floresta Zika, em Uganda, para observar o vírus que causava febre amarela em macacos e humanos. Eles — um inglês e dois americanos — combinaram que o estudo teria uma metodologia simples: os símios contaminados iriam para laboratório e, a seguir, os cientistas analisariam os pormenores.

No meio do processo, porém, um dos animais apresentou febre anormal. Os sintomas, disseram, era bem diferente dos demais. O grupo precisou monitorar de perto. Foram precisos anos de pesquisa e verificações para que, em 1952, fosse reconhecido em artigo o novo vírus responsável pela febre do macaco Rhesus 766: o agora tão falado zika vírus.

Caso você não tenha sido abduzido nos últimos meses, você sabe do que se trata. O zika é um vírus transmitido por mosquitos do gênero Aedes — aqui no Brasil pelo Aedes aegypti — que também é responsável pela transmissão de dengue, pela chikungunya e, de acordo com cientistas, por uma geração de crianças portadoras de microcefalia e outros problemas neurológicos graves.

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Desde que foi descoberto, essa é a primeira vez que se vê consequências tão catastróficas da ação do vírus. Em 1954, na Nigéria, um pesquisador local identificou o zika em três pacientes com sintomas similares aos de febre amarela, como febre, dores de cabeça e icterícia (pele e olhos amarelados). Dos anos 60 para frente, o vírus começou a se espalhar pelo resto da África e da Ásia no sangue dos viajantes, mas os casos eram raros e aconteciam em regiões rurais, onde a presença de mosquitos e macacos era mais intensa.

Do macaco para o humano, a doença foi passada por meio do mosquito Aedes africanus, um primo distante do Aedes que vemos no Brasil. A princípio, se achava que vírus podia causar apenas febre alta e algumas alergias, mas nada além.

Foi somente em 2007 que uma epidemia maior chegou a uma ilha no Oceano Pacífico chamada Yap. Na época, o New York Times reportou que os médicos de Yap receberam ajuda da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) dos Estados Unidos para identificar o vírus. Os sintomas eram muito parecidos com os da dengue e chikungunya, mas os transmissores dessas doenças não foram encontrados nos pacientes. No fim, 49 casos de zika foram confirmados e nenhum registro de microcefalia ou qualquer outra complicação foi feito.

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Nesse grande intervalo de tempo, dos anos 50 até 2007, o vírus foi esquecido e as pesquisas ficaram estagnadas. O motivo? Bem, a velha história de sempre: não havia interesse financeiro. “A África é um lugar rico ou pobre?”, diz o Dr. Marcos Vinícius da Silva, professor de infectologia da faculdade de medicina da PUC. “Os estudos começaram de verdade quando o vírus chega nas ilhas francesas, onde se tem estrutura para conhecer e estudar essas coisas, e no Brasil.”

Os cientistas descobriram que o vírus presente nas Américas é muito parecido geneticamente com o vírus que gerou as epidemias de 2007 e de 2013 nas ilhas do Pacífico

O discurso socio-econômico é endossado pelo Dr. Isaac Bogoch, especialista em doenças tropicais infecciosas do Toronto General Hospital, que estudou o caminho do zika até o Brasil. Ele afirma que lugares com altos padrões econômicos têm menos chances de contrair doenças transmitidas por mosquitos pelo fato de terem mais condições de controlar populações do vetor e melhores infra-estruturas de saúde. “Na África, as pessoas também estavam mais preocupadas com os problemas de má nutrição, malária, tuberculose, que são doenças mais frequentes”, completa.

A partir de 2007, mais casos de zika passaram a ser notificados. Em 2008, o primeiro caso de transmissão sexual do vírus foi registrado. O biólogo Brian D. Foy estava no Senegal estudando a malária. Quando voltou para o Colorado, nos Estados Unidos, ele e sua esposa apresentaram dores de cabeça, febre e olhos irritados. Na época, o pesquisador apresentou um sangramento no pênis que foi testado em busca de sinais dos vírus de malária, dengue e febre amarela. Os testes deram negativo, os sintomas se foram e, só no ano seguinte, um colega do Dr. Foy sugeriu que pudesse ser zika. O biólogo manteve uma amostra do sangue congelado e refez os testes. Deu positivo para zika. Em 2011, ele publicou um artigo contando sua experiência na esperança de descobrir mais sobre o vírus e o modo como ele foi transmitido para sua esposa. Nenhum caso similar aconteceu e as informações acerca do vírus continuaram escassas. O estudo também foi esquecido.

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A recuperação dos relatos de casos de zika começou em 2013, quando os cientistas começaram a se preocupar pra valer. A epidemia de 2007 em Yap viajou até outras ilhas e causou um estrago na Polinésia Francesa, onde foram encontrados os primeiros casos de microcefalia em recém-nascidos associados ao vírus em 2014. Pesquisas recentes apontam que o vírus presente no Brasil e que se espalha pelo mundo é o mesmo encontrado na Polinésia em 2013. Pesquisadores do Instituto Pasteur da Guiana mapearam o genoma do vírus que, afirmam, sofreu alterações depois de tantas viagens desde sua descoberta na África. Os cientistas descobriram que o vírus presente nas Américas é muito parecido geneticamente com o vírus que gerou as epidemias de 2007 e de 2013 nas ilhas do Pacífico.

O que fez o vírus chegar até aqui, segundo especulação dos especialistas, foram os eventos esportivos que o Brasil recebeu. Como todo mundo bem se lembra, a Copa das Confederações de 2013 e principalmente a Copa do Mundo de 2014 geraram um vai e vem de gente de todos os lugares do mundo, inclusive da Polinésia. Naquela época, mal sabíamos que o verdadeiro 7×1 ainda estava por vir em 2015 na forma de uma epidemia alarmante.

“Todo mundo fica surpreso com o que está acontecendo, mas não é novidade, vimos isso acontecer muitas vezes na última década, uma infecção aparece em um lugar e depois vai para outro lugar””

A doença não viaja por meio do mosquito porque sua capacidade de voo é baixa. Além disso, as companhias aéreas tomam uma série de cuidados em voos internacionais para que doenças não se espalhem. O problema é que o Aedes já marca território nos estados brasileiros desde o século passado, então, para causar uma epidemia, bastava ele ter acesso ao vírus.

Para o historiador Rodrigo Cesar Magalhães, autor de uma tese de doutorado sobre as campanhas de combate ao Aedes aegypti nas Américas, houve um abandono nos anos 70 das políticas de combate ao mosquito, o que proporcionou um ambiente favorável para o aumento de casos de dengue e disseminação de novas doenças causadas por novos vírus, como o zika. “A partir do momento em que as campanhas de combate perderam força, vemos uma reprodução em massa do mosquito facilitada por uma série de fatores ambientais e climáticos, por fatores da complexidade da vida urbana e pela falta de saneamento básico. Tem todo um cenário que culmina nas recentes epidemias”, afirma.

Além disso, segundo os epidemiologistas, o zika vírus se mantém na corrente sanguínea por cerca de 4 dias, o que é tempo suficiente para atravessar o mundo de avião. “Nós estamos tão interconectados por viagens aéreas, as pessoas podem ir para qualquer lugar do mundo em menos de 24 horas hoje. Isso não é novidade, todo mundo fica surpreso com o que está acontecendo, mas não é novidade, vimos isso acontecer muitas vezes na última década, uma infecção aparece em um lugar e depois vai para outro lugar”, diz o Dr. Bogoch.

De fato, o médico tem razão. Vimos isso acontecer há pouco tempo com o H1N1 e o ebola, que também fizeram com que a OMS emitisse alertas de estado de emergência. Para os médicos, era previsível e apenas uma questão de tempo que o mesmo acontecesse com o zika e que o mesmo processo continue a ocorrer com outras doenças no futuro. “Definitivamente veremos outras infecções sendo transmitidas dessa forma”, garante o Dr. Bogoch.

Infelizmente, a semente do caos já está plantada. O zika já está presente em pelo menos 40 países e o Brasil conta com 907 casos de microcefalia, sem previsão de trégua. Resta-nos agora aprender com o passado e melhorar a vigilância com relação a doenças potencialmente destruidoras, pouco importando de onde elas venham.