Maconha na farmácia: um quebra-galho do Estado

Conteúdo possibilitado pela parceria com a Bem Bolado.

Desde a segunda quinzena de julho de 2017 já é possível comprar maconha para fins recreativos no Uruguai. A venda começou com duas variedades, que são cultivadas, empacotadas e distribuídas pelo Estado em farmácias autorizadas. No total são 16 farmácias autorizadas, 4 delas na capital, Montevidéu, e cerca de 16.500 usuários cadastrados para a compra. A maconha de farmácia, porém, é tida como um quebra galho pelos usuários e entusiastas da maconha.

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A regulamentação no Uruguai aconteceu em duas etapas: em maio de 2014, o então presidente José Mujica legalizou o consumo, cultivo e a compra e venda da maconha no país. Em um primeiro momento, foi regulamentado e liberado o cultivo para uso pessoal e em clubes associativos de cannabis. Esses clubes, que são certificados pelo IRCCA (Instituto de Regulamentação e Controle da Cannabis), possuem entre 15 e 45 pessoas e que podem cultivar até 99 plantas. Cada membro associado pode recolher até 480g por ano, quase meio quilo de maconha.

Foto: Larissa Zaidan/VICE.

Já a segunda etapa, em 2017, foi da implementação da compra e da venda em certas farmácias, um modelo único no mundo. Em nenhum outro lugar onde a maconha é legalizada o Estado se encarrega de todos os estágios do processo, desde o desenvolvimento genético, comprado de uma empresa da Espanha, o cultivo em bunkers protegidos pelo exército para evitar roubos, até a distribuição nas farmácias, onde o produto chega nas mãos do consumidor final.

A maconha estatal do Uruguai vem em duas variedades com diferentes concentrações. A Alfa I é uma variedade híbrida de predominância índica, com 2% de THC e 7% de CBD, enquanto a Beta I, com 2% de THC e 6% de CBD, é uma variedade com predominância sativa. Em meados de outubro de 2017 também foram disponibilizados os tipos Alfa II e Beta II, que são da mesma variedade das outras, mas colhidas em condições diferentes – de forma que a concentração de THC, responsável pelos efeitos psicoativos, seja mais alta. Um grama da droga na farmácia custa cerca de U$S 1,30 (por volta de R$ 4,00), um preço extremamente acessível e que competia com o antigo preço do narcotráfico. Hoje é possível comprar até 10g por semana e o controle é feito a partir das digitais dos usuários.

Mesmo com uma legislação ampla que garante um acesso fácil à droga, não foi fácil encontrar usuários que contam com a farmácia como fonte primária de maconha durante a Expocannabis Uruguay, que aconteceu nos dias 8, 9 e 10 de dezembro. A cannabis da farmácia é tida pelos usuários mais como uma medida emergencial – para quando faltam plantas melhores dos cultivos próprios.

O youtuber Henrique Reichert. Foto: Larissa Zaidan/VICE

Henrique Reichert, do site Eu, a maconha e uma câmera é brasileiro natural de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, e mora no Uruguai desde 2014. Ele se mudou para o país com o intuito de cultivar maconha e viver a legalização. Hoje ele tem um canal no Youtube com mais de 48 mil inscritos, onde ele apresenta guias de cultivo e outras coisas relacionadas à maconha. Henrique conta que optou por fazer o registro de cultivo porque “além de colher mais, ter uma cota melhor, eu posso ter as variedades que eu quero, que eu escolho de acordo com o efeito que eu quero, por exemplo, e o da farmácia é conhecida por ter 2% de THC. Mas meus amigos compram na farmácia”.

O chefe de cozinha canábico Gustavo “Colombeck”. Foto: Larissa Zaidan/VICE.

Um desses amigos é o Gustavo “Colombeck”, um chef de cozinha canábica brasileiro que há 8 meses foi para o Uruguai com uma mochila nas costas e hoje vive de cozinhar refeições com cannabis para os outros. Sob o projeto Chef Weedhouse, Gustavo prepara jantares, almoços e faz catering para eventos. O chef está no processo de regulamentação do seu status de residente permanente, mas já tem registro para comprar a planta nas farmácias do país.

“Eu vim para o Uruguai porque eu vi uma oportunidade – a de utilizar a cannabis da farmácia para fazer azeite, para preparar a comida”, ele conta. A princípio, Gustavo fez o registro porque era a única forma de conseguir maconha legalmente no país. Como era novo no Uruguai e não tinha uma casa ou um espaço para cultivo, acabou optando pela farmácia para tocar os negócios e para uso pessoal. Mas não tem sido tão simples assim: ultimamente ele não tem utilizado a maconha da farmácia para cozinhar porque não confia na qualidade do produto para a produção de alimentos. “Algumas maconhas da farmácia estão vindo mofadas ou com fungos, e eu não posso trabalhar com isso”, diz o chef que já foi parabenizado por policiais pela criatividade uma vez que estava vendendo alfajores de maconha na rua. É que as outras pessoas costumam vender brownies, uma coisa que já ficou batida.

Apesar do consumo predominante de plantas cultivadas para uso próprio, a procura nas farmácias é enorme e quase não atende a demanda. Cultivar maconha é um processo que demanda tempo e atenção – e nem todas as pessoas querem ter esse trabalho em casa. Quando há a disponibilidade, poucas as farmácias que vendem maconha chegam a ter filas, e o produto muitas vezes acaba de um dia para o outro.

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