Este artigo foi originalmente publicado na VICE US.
Em Árctico, um filme intenso sobre sobrevivência, o actor dinamarquês Mads Mikkelsen é Overgård, um explorador que se perde num deserto gelado e que tem um vislumbre de esperança quando um helicóptero de resgate cai perto do local onde está. Embora o piloto morra na queda, salvar a vida da única sobrevivente do acidente (Maria Thelma Smáradóttir) obriga-o a enfrentar os elementos para que se tentem salvar os dois.
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A primeira longa-metragem do YouTuber e realizador de videoclips brasileiro Joe Penna, que estreou no Festival de Cinema de Cannes do ano passado – e chega quinta-feira, 6 de Junho a Portugal via Cinema Bold, em exclusivo nos Cinemas UCI do Corte Inglés, em Lisboa e Arrábida Shopping, no Porto -, destaca-se por um compromisso com o naturalismo e pelo desafio dos elementos da Natureza. A sua cansativa produção de 19 dias na Islândia foi a rodagem mais “difícil” e “desafiante” que o actor de Hannibal, “Bitch Better Have My Money” e Rogue One: A Star Wars Story garante alguma vez ter feito.
No Festival de Cannes de 2018, a VICE sentou-se com Mikkelsen para conversar sobre como foi sobreviver ao filme, como decorreu a preparação para o mesmo (ou falta dela) e sobre a importância de aceitar papéis porque se quer realmente e não porque alguém quer por nós.
VICE: Como é que acabaste envolvido neste projecto? É um filme tão estranho!
Mads Mikkelsen: Na verdade, foi graças a Martha De Laurentiis, uma das produtoras da série Hannibal. Ela estava neste projecto e recomendou-lhe [ao realizador Joe Penna] que me tivesse em conta. Depois, ligou-me e perguntou-me: “Tens o guião?”. E estava na pilha, porque tenho muitos para ler! Só aí é que lhe peguei e adorei tudo. Sabia que era um filme sobre sobrevivência, mas apaixonei-me pela simplicidade da história: a diferença entre sobreviver e estar vivo e não estar sozinho no Mundo, não ser capaz de desistir e morrer, porque alguém está a segurar-te a mão. Achei tudo aquilo muito bonito. Todos os filmes de um género específico têm de ter uma história forte e esta história era realmente linda.
Como é que te sentiste em relação a trabalhar com um realizador que estava a fazer o seu primeiro filme?
Senti-me bem! Não foi a primeira vez que trabalhei com alguém que estava a começar, acho que, na verdade, isso aconteceu-me em metade dos filmes que fiz!
Trabalhar com realizadores em início de carreira é uma decisão consciente?
Não é uma decisão completamente consciente, mas acontece que temos algo em comum. Eu gosto quando as pessoas são radicais e não têm compromissos. É o primeiro [filme] deles, há esta energia de “Esta é minha oportunidade! Isto é o que eu vou fazer!”. Também encontras isto em realizadores mais experientes, mas geralmente encontras mais nos principiantes. São mais tipo: “Que se foda o mundo, eu sei o que quero!”. E eu adoro isso.
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Portanto, quando escolhes projectos é sempre com base na tua leitura do guião?
Sim. Nunca, nunca faria nada que não tivesse lido. E nunca farei nada sem conhecer o realizador. Tenho que amar a história e, se houver algo que não entendo, se o realizador e eu discordarmos, mas eu achar que ela ou ele tem uma chama, posso dizer: “Bem, não concordo, mas é interessante!”. Tem que haver a combinação dessas duas coisas. E depois vem a minha parte e a de quem quer que esteja no filme. Mas, essas são as duas principais coisas para mim.
Quando leste o guião de Árctico, sabias que as condições iam ser intensas, certo?
Tinha um palpite! Mas, não era nisso que me estava a focar, por isso só me apercebi do que íamos fazer quando lá chegámos…
Mas, não te preparaste minimamente?
Não, não me preparei, porque o personagem não se preparou! Ele estava a caminho de casa e caiu! Por isso, eu também! Não me preparei fisicamente, mas preparei-me, obviamente, em termos de história. Joe e eu passámos por tudo. Estávamos na mesma página e podemos até ter concordado na história de fundo do meu personagem, mas não quisemos mostrá-la.
É mais sobre a história passada dela do que sobre a dele.
Sim, mas para ele é também extremamente importante, o que acaba por indicar uma pequena coisa sobre si. Mas, nós não queremos ir por essa nostalgia passada do personagem. Gostei que não tivéssemos caímos nisso… Acho que é uma armadilha. Há pessoas que adoram, mas acho que se fosse tipo, OK, ele discutiu com o pai e esta longa jornada foi sobre aprender a amar o seu pai, não. Não! Isto é sobre não estar sozinho no Mundo! E acho que assim é uma história ainda maior.
Sim, é só um homem que caiu.
Exacto! E que com um bocadinho de azar, podias ser tu. Por isso, todos nos podemos identificar.
O facto de ser um papel difícil teve influência na decisão de o aceitares?
Não… E estou a dizer isto um pouco rápido demais, porque há de facto uma tendência, quando olho para muitos dos meus filmes! Mas, isso não é o que me agarra. Como digo sempre, se eu quisesse um desafio, despia-me e ia subir o Monte Everest, certo? Acontece que os meus filmes são muitas vezes desafiantes, mas não é o que me intriga… acho eu? Talvez seja, não sei! É engraçado – no que toca a limites, é interessante ver até onde eles vão! Mas, nunca teria feito isto se fosse apenas isso. Tem que ser uma história bonita antes de tudo.
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Qual foi a cena mais difícil de gravar?
Foram todas muito difíceis de maneiras diferentes, algumas eram apenas fisicamente difíceis. Perdia peso continuamente, ficava mais magro e mais magro, não tinha energia e esquecia-me de comer e tinha que fazer esforço físico extremo que já teria dificuldade em fazer quando estava em forma! Por isso, estava esgotado [mas], as minhas emoções estavam lá. E, por esse motivo, algumas das cenas também se tornaram um pouco mais emocionantes! Quase que desmoronei algumas vezes, porque o personagem teria feito exactamente isso. Mas, ainda estávamos em controlo, eu ainda estava ciente. Foi do tipo: “OK, vamos usar isto!”. Tens que incorporar o cansaço. Tens que incorporar o tempo.
A fisicalidade não te distrai da representação? Ou ajuda-te?
É uma mistura… Quando é só difícil, o homem é livre. Não tens que representar. Está lá, certo? Ao mesmo tempo, ainda tens que te concentrar no que estamos a representar nessa sequência, mas com esse cansaço, será um pouco diferente. As condições eram o nosso maior inimigo, mas também o nosso maior amigo.
Já entraste em grandes blockbusters. Achas difícil, depois de teres feito produções muito grandes, voltares a fazer filmes pequenos?
Não, pelo contrário. Sinto falta deles. Quero ir fazê-los! E quando já tiver feito alguns desses, quero fazer um filme de kung-fu voador em Hong Kong! Acho que é uma situação de sorte, porque podes esgotar-te em ambos os mundos, mas o que eles têm em comum é que têm que ser honestos com aquilo que fazem. Há um quadro, há um objectivo para o que queremos fazer e tens que ser honesto nesse processo. Estou muito confortável em ambos os casos.
Pergunto-me sempre se, quando os actores entram em franchises como The Avengers, isso os impede de voltarem a fazer outras coisas.
É possível. Talvez se começares com isso, haja uma tendência para as outras pessoas não te verem noutra coisa qualquer… Mas, há alguns actores que o fazem e podem ter uma carreira enorme… Essa é uma pergunta típica europeia! Os americanos não estão tão preocupados, sabes? Eu acho que também se deve [ao facto] de que as outras pessoas querem colocar-nos em filmes de autor, ou filmes de representação americanos. Querem colocar-nos em caixas. Mas, muito poucos actores pertencem a essas caixas e eu estou muito, muito grato por ter podido ir e voltar. Não acho que tenha perdido a minha credibilidade aqui, ou qualquer um dos meus … seja o que for que se chamem, lá. Tudo se inspira mutuamente.
É talvez por ser assustador ver um actor a entrar num projecto de cinco filmes.
Tens que ser corajoso às vezes e escolher outras coisas, não pela tua carreira, mas por ti próprio. Ah, é bom fazer um filme de Lars von Trier, ou, eu sou um actor americano, seria bom ser adorado em França também. Quero dizer, isso também faz parte, certo? Mas, não é a maneira de fazer isto. Fazes um filme do Lars von Trier porque o adoras – essa é a boa razão. Não por ser bom para a tua carreira.
Como as pessoas que fazem um filme do Woody Allen só por ser do Woody Allen.
Exacto. Mas e se for um mau filme? Não o faças!
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