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‘Maniac’ leva saúde mental e existencialismo para um futuro distópico

Remakes norte-americanos de filmes e programas de TV de outros países (especialmente Reino Unido e Escandinávia) geralmente reviram meu estômago. Desculpe a sinceridade, mas infelizmente é real: fora o The Office dos EUA, as reimaginações norte-americanas de material europeu geralmente dão ruim. Deixe-me Entrar foi uma bosta, com quase nada da beleza arrepiante do original sueco; melhor nem mencionar as tentativas deles com Skins e The Inbetweeners; morro de medo de pensar na zona que eles vão fazer com meu precioso Love Island. Falando no geral, remakes não são o forte dos EUA, apesar deles acharem que são.

Acho que essa questão é produzida meio que por um círculo vicioso: tem gente que acha que as sensibilidades norte-americanas são as sensibilidades mainstream (que millennial não cresceu assistindo Friends?), porque as produtoras de lá são as mais ricas do mundo ocidental, portanto as que fazem mais coisas. Por sua vez, essas são as coisas a que somos mais expostos mesmo no Reino Unido, o que significa que podem ditar nossas expectativas. E assim ficamos convencidos da sua universalidade. E assim por diante.

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Mas os EUA é um país muito grande, extravagante e metido a besta — eles são praticamente um grande musical, no palco mundial pelo menos — e geralmente, eles não sacam os conceitos de outros lugeras que podem exigir mais moderação, ou que surgiram em primeiro lugar por suas idiossincrasias geográficas (pense no noir escandinavo, por exemplo, nascido dos invernos parados mas implacáveis do norte da Europa).

Claro, é possível fazer transições de sucesso da Europa para os EUA — minha favorita sendo a incrível Veep, que funcionou precisamente porque a política é uma coisa tão local que se adapta sem esforço para o léxico burocrático norte-americano — mas isso geralmente acontece quando a versão US reconhece sua americanidade. E, você vai ficar feliz em saber, esse é um ponto forte de Maniac, uma adaptação solta de uma série norueguesa da Netflix, dirigida por um dos cérebros da primeira temporada de True Detective (e agora o grande homem por trás de James Bond) Cary Fukunaga.

Qual é a de Maniac?

Num sentido de Black Mirror “Mas e se fosse agora e ligeiramente mais assustador?”, Maniac começa numa Nova York onde pequenos Wall-Es de limpeza vagam pelas ruas recolhendo cocô de cachorro, e onde escolher ouvir um infomercial pode substituir pagamento por itens e serviços. A Nova York de Maniac é uma alternativa sombria da Cidade Que Nunca Dorme que geralmente vemos na tela, com propagandas em néon da Oral B na casa das pessoas. Resumindo: é uma distopia, meu anjo!

Depois do zoom, conhecemos Owen Milgrim — a ovelha negra com problemas mentais da família que vê uma versão de bigode de seu irmão babaca, e continua a receber mensagens de “o padrão é o padrão” — e Annie Landsberg, retratada no começo como uma maniac pixie dream girl infeliz e raivosa, mas a personagem evolui. Annie e Owen se encontram num arriscado teste farmacêutico para uma pílula que promete felicidade, no ponto em que o visual e o clima anteriormente sugeridos pelos toques futuristas retrô, como os robôs catadores de cocô, realmente explode, e Maniac vira tipo um bolo Bruce Bogtrotter para os olhos, com linhas arrojadas e cores vibrantes. É através do teste de droga que chegamos ao tutano da série, com Annie e Owen eventualmente revivendo seus traumas através de alucinações conjuntas que se traduzem na tela por cenários fantásticos de inversão de gênero.

Quem está na série?

Claro, a maior atração: reunidos pela primeira vez desde Superbad, marcado na cabeça de todo mundo que alugou o DVD quando ainda era menor de idade, Emma Stone e Jonah Hill estão de volta, e a química deles ainda é tão divertida de assistir quanto em 2007. Os dois atores vão contra os tipos que estabeleceram em suas carreiras de sucesso aqui: Hill é uma surpresa como o rabugento Owen Milgrim, enquanto Stone é cortante (apesar daquele cabelo descolorido não ter ficado muito bom em cima da cara tão saudável dela), mas cada um pode usar sua versatilidade nas sequências de alucinação, que passam por fantasia, ação e, bom, um resgate de lêmure.

Além disso, Jemima Kirke e Sally Field aparecem, e também tem uma ponta do Justin Theroux. Gente grande!

OK, beleza — mas é bom?

Bem bom, viu. Levei um tempo pra embarcar mesmo em Maniac, principalmente porque a história é meio difícil de acompanhar, com muitas novas linguagens e conceitos no começo — mas quando a coisa decola é um belo entretenimento que parece realmente original; ou tão original quanto um remake americano de uma série norueguesa. Nisso, vamos voltar para o que falei no começo: Maniac funciona porque pega o conceito vago do original (as muitas diferenças são explicadas aqui pelo pessoal da Vulture), e o transforma numa exploração do gênero de Hollywood mais que qualquer coisa — tem referências a Senhor dos Anéis e comédias pastelão clássicas, e serve muito bem aos atores, além de se tornar algo que só faz sentido se é americano. A série não perde a especificidade, o que é importante para seu sucesso no geral.

Posso assistir com a minha mãe ou tem cenas de sexo?

É moderadamente mãe-friendly, mas você vai querer sair da sala nas partes em que Justin Theroux se masturba em realidade virtual (ou não)? Mas ela provavelmente vai gostar, e certeza que vai dizer algo do tipo “Ahh, é um pouco… psicológico! Né?”

Quais as condições perfeitas pra assistir?

Você vai querer desesperadamente assistir tudo numa sentada só, mas aconselho pegar leve, ou você pode quebrar a cabeça e/ou encher os sacos dos amigos no bar falando de existencialismo, não sei o que é pior.

Vai render uma tempestade de merda no Twitter?

Não uma tempestade de merda, mais algumas notas bem consideradas. Maniac recebeu boas críticas no geral, e sua criatividade é muito descolada e nova, mas alguns críticos observaram que apesar das boas intenções (Fukunaga disse que pretendia “derrubar o estigma das doenças mentais”), a abordagem da série para doença mental é meio simplista. Mas outros elogiaram o jeito como a série reconhece o processo gradual de entender e lidar com problemas de saúde mental — especialmente crucial para o personagem de Owen, que tem esquizofrenia. Saúde mental é um conceito muito pessoal, então as respostas vão variar, mas consigo ver como eles podem usar doenças mentais basicamente como uma mola para o enredo.

Últimas palavras?

Meu conselho num nível prático: invista nos primeiros episódios e não assista a série antes de dormir. Num nível existencial: se prepare para questionar seu passado e a realidade fundamental.

@hiyalauren

Matéria originalmente publicada na coluna TV Party, da VICE UK.

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