Esta matéria foi originalmente publicada na VICE França .
Há alguns meses, as pesquisas na França são unânimes – previam que Marine Le Pen ia passar pelo primeiro turno das eleições francesas. Essas mesmas pesquisas dizem que ela deve perder no segundo turno – mas vamos imaginar que o impensável aconteça. Vamos imaginar que às 20h do dia 7 de maio, Marine Le Pen seja declarada a vencedora – a nova presidente da França. O que isso significaria?
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Como nova residente do Palácio do Eliseu – onde os presidentes da França moram desde 1848 – ela pode virar o país de cabeça para baixo. Não apenas restaurando “educação musical apropriada nas escolas” (a proposta 112 de um manifesto de 114 com seus planos para o país) – ela pode fazer mudanças na Constituição, fazer a França deixar a União Europeia, reintroduzir a moeda francesa, fechar fronteiras e colocar restrições drásticas para imigração. Se as ideias de Le Pen forem realmente introduzidas como são, tudo pode mudar para o povo e as instituições francesas, a União Europeia e os mercados financeiros. Para descobrir como seria esse futuro, falei com Nicolas Lebourg, historiador especializado na Frente Nacional, o partido de Le Pen, sobre esse possível futuro.
Imediatamente depois das eleições
Geralmente, o presidente da França toma posse dez dias depois do segundo turno das eleições presidenciais, e no mínimo no último dia do mandato do presidente atual – sendo esse o caso, no dia 14 de maio. Antes do dia 14, Marine Le Pen não será oficialmente presidente – esse será um período transitório onde ela pode ir se acostumando com o papel e assistir os mercados financeiros despencando, antes de entrar em cena.
Se Le Pen for eleita, é quase certeza que os investidores vão correr para vender títulos franceses, temendo a perspectiva do país sair da Eurozona e talvez até da UE. Pode ser apenas medo – pode ser só um movimento dos investidores para fazer a França “pagar” por suas escolhas políticas. O economista Gaël Girard argumenta que se isso acontecer, a França só poderá fazer empréstimos com altas taxas de juros. Le Pen sabe que isso pode acontecer, então a proposta 43 de seu manifesto diz que o Banco da França pode ter autorização para comprar dívidas francesas e emprestar dinheiro ao Estado – o que é impossível hoje. Isso pode significar um pico de inflação. Investidores tirando seu dinheiro da França e colocando em outro lugar causaria uma crise de liquidez para os bancos franceses, e isso poderia estremecer a economia mundial.
Le Pen e a Frente Nacional nas eleições gerais
Logo depois da eleição presidencial na França vem as eleições gerais do legislativo, onde novos parlamentares são escolhidos para a Assembleia Nacional – o que pode confirmar a vitória do novo presidente. Se um bom número de parlamentares do partido do novo presidente for eleito, ele pode contar com maioria absoluta. Mas é um pouco mais complicado quando se trata dos parlamentares do partido de Le Pen, a Frente Nacional. Como aconteceu no passado, outros partidos podem se unir e formar alianças para derrotar a Frente Nacional e suas tendências de extrema-direita.
Se não tiver a maioria, Le Pen não poderá governar do jeito que pretende, mas está claro que a Frente Nacional tem chances de conseguir um número significativo de parlamentares se ela for eleita. O partido inteiro vai pegar a onda da vitória dela – uma vitória na eleição presidencial atraí mais eleitores, e os parlamentares eleitos de outro partido de direita, o Les Républicains, podem apoiá-la – o que aumenta sua força. Como Le Pen disse ao jornal Le Monde recentemente: “Nos últimos anos, temos recebido pessoas de diferentes origens no nosso partido. Muitas pessoas vão querer se juntar a nós depois do primeiro turno, entre os turnos e depois do segundo turno”.
A principal prioridade de Le Pen: mudar a Constituição
Durante sua campanha, Marine Le Pen martelou que seu primeiro objetivo é “devolver a voz ao povo”. Como ela pretende fazer isso está quase no topo de sua lista – o segundo ponto do manifesto é realizar referendos que podem mudar a Constituição Francesa.
Os eleitores que não votaram nela devem se preocupar com esses referendos? Apesar de nem todos os eleitores estarem muito empolgados em correr para as urnas a cada referendo, segundo Lebourg, isso daria a quem não votou nela algum poder para decidir as direções que o país vai tomar. Os franceses podem se opor a algumas propostas de Le Pen votando “não” num referendo, e validando outros. Em cada referendo, a reputação da presidente estará em jogo, além das políticas que ela quer implementar.
A segunda prioridade de Le Pen: cortar laços com a União Europeia
Marine Le Pen quer diminuir a influência da UE na França mais rápido do que você consegue dizer “mercado único”. Ela disse ao Le Monde que se vencer, fará um referendo imediatamente visando, nas palavras dela, “consagrar na Constituição a supremacia da lei francesa sobre tratados europeus”. Com um mandato, ela planeja ir a Bruxelas para negociar quatro coisas que acha vitais para a soberania francesa – voltar à moeda própria da França, não permitir influência do parlamento europeu no país, e ter poder total sobre seu próprio orçamento e território. Esse é literalmente o primeiro ponto de seu manifesto.
Ela planeja fazer outro referendo sobre se a França deve permanecer na UE seis meses depois de tomar posse. Ela diz que se a UE der tudo que ela pedir na negociação – o que basicamente significaria o fim da União Europeia em si – ela pedirá que o povo francês vote para continuar na UE. Se não conseguir o que quer, Le Pen fará campanha para sair da UE. Mas como o povo francês votaria num referendo sobre a UE? Não há muitos dados sobre a opinião dos franceses quando o assunto é sair da União. Em março de 2016 (antes do Reino Unido votar por sair da União) 53% dos franceses queriam um referendo sobre se a França deveria sair da União Europeia, e uma pesquisa dois meses depois descobriu que 45% dos franceses queriam ficar e 33% queriam sair. Lebourg me disse que depois que os ingleses votaram por sair, “as pequisas de opinião mostraram que o Brexit fez os franceses estarem menos dispostos a sair. Das pessoas entrevistadas naquele ponto, 67% disseram que ser membro da UE é ‘uma coisa muito boa’”.
Os planos de Le Pen para a classe trabalhadora
Muitas das 144 medidas de Le Pen em seu manifesto priorizam a classe trabalhadora. Como sua intenção de colocar a idade de aposentadoria em 60 anos, reavaliar a base das pensões e reduzir impostos de gás e eletricidade em 5%. Ela acha que o dinheiro extra para cobrir essas medidas pode vir de cortar custos com imigração e a UE. A medida 43 espera “reestabelecer a ordem nas finanças públicas da França colocando um fim no desperdício de dinheiro público (particularmente ligado à imigração e a União Europeia) e combatendo fraude social e fiscal”. A economia viria, por exemplo, de retirar o direito à saúde pública de imigrantes sem documentos.
Os inimigos de Le Pen são os imigrantes e não, por exemplo, o setor financeiro. Ela não sugere em nenhum lugar que o dinheiro extra poderia vir de aumento de impostos para multinacionais. Segundo seu manifesto, todos seus planos sociais para a classe trabalhadora seriam viáveis sem aumentar impostos, simplesmente limitando a imigração e possivelmente saindo da UE – o que é bastante improvável. Claro, a Frente Nacional muda de assunto na hora de dar os números exatos da economia que viria dessas medidas. Isso não é consenso nem dentro do próprio partido – Nicolas Lebourg me disse que “em 2012, Marine Le Pen estimava que a imigração custava €40 bilhões aos franceses. Em 2014, ela disse que a economia seria de €70 bilhões, e de €100 bilhões em 2015. Na conferência de 2016 do partido, seu secretário-geral Nicolas Bay estimou o custo da imigração entre €25 e €60 bilhões”.
Le Pen versus os terroristas
Em 2012, Marine Le Pen fundou o Rassemblement bleu Marine – uma coalizão de vários partidos de direita e extrema-direita. A coalizão trabalha como um bloco político, e seu principal objetivo quando estiver no poder é reforçar a lei e a ordem o país. Assim que for presidente, Le Pen quer recrutar 15 mil novos policiais e gerdames – o ponto 13 de seu manifesto. Ela quer agir contra “gangues criminosas” e terroristas, e propõe fazer isso dos pontos 29 ao 31, com “o fechamento de todas as organizações que tenham ligação com fundamentalismo islâmico”, “fechamento de mesquitas extremistas” e “retirada da nacionalidade francesa e expulsão do país para qualquer um com nacionalidade dupla ligado a canais jihadistas”. Claro, ela teria problemas legais para colocar essas medidas em vigor.
Segundo Lebourg, a base real do programa de Le Pen – a luta contra o terrorismo – está profundamente ligada a suas ideias de multiculturalismo e imigração. Quando Le Pen fala sobre uma dessas questões, seus simpatizantes sabem que ela também está falando da outra. Segundo Lebourg: “Para a Frente Nacional, o terrorismo não é apenas uma questão de segurança, mas uma questão cultural. Isso coloca o multiculturalismo e a sociedade multiétnica que temos na França em perigo”.
E se os franceses saírem às ruas sob a presidência de Le Pen?
Os franceses poderão influenciar as políticas de Le Pen protestando? Se ela vencer o segundo turno, isso certamente levará a grandes protestos pela França. Mas Le Pen já deixou claro que acha que protestos não deveriam acontecer enquanto a França está em estado de emergência – o que deve expirar depois da eleição presidencial. Segundo Nicolas Lebourg: “é óbvio que uma proibição de protestos não seria respeitada na França em tempos assim. Ela está alucinando se acha que pode proibir protestos”.
Mas mesmo sendo improvável que manifestações sejam proibidas, o ponto 7 do manifesto de Le Pen visa “simplificar processos para vítimas de difamação ou abuso”. Então, se os franceses saírem às ruas para protestar contra a presidente Le Pen, é melhor não dizerem nada muito pesado sobre ela.
Tradução do inglês por Marina Schnoor.