Tecnología

Marra, Lágrimas e Glória: A Saga de Felipe ‘brTT’, o Artilheiro do LoLzinho

O brasileiro Felipe Gonçalves, de 24 anos, estava exausto na última tarde de 10 de outubro. O moleque marrento que saiu das LAN houses da Vila da Penha, subúrbio da Zona Norte do Rio de Janeiro, estava em Paris, na França, depois de realizar o sonho de sua vida: representar o Brasil contra alguns dos melhores times do mundo no campeonato mundial do jogo League of Legends, o LoL. A euforia de gritos e lágrimas no palco da fase de grupos do mundial, realizado na casa de eventos Le Dock Pullmann, na divisa de Paris com Saint-Denis, agora, nos bastidores, dava lugar ao cansaço e à timidez.

No meio dos esportes eletrônicos, os e-sports, Felipe é conhecido pelo apelido “brTT”, uma corruptela de “barata”. Ele se tornou o jogador mais amado e odiado do país pelo seu jeito de gritar provocações durante os jogos, suas diversas tatuagens pelo corpo, sua marra de carioca e o gosto pelas baladas. É um alien em um meio dominado por garotos nerds, quase todos mais novos que ele, focados em apurar o poder de reação dos dedos no teclado e no mouse.

Videos by VICE

A contradição é que esse mesmo cara, há pelo menos dois anos assombrado com perguntas sobre sua aposentadoria, terminou o ano de 2015 como bicampeão brasileiro, campeão do desafio internacional que deu vaga para o mundial e o melhor de seu time na campanha em Paris. Além, é claro, de marcas recordes de popularidade nas redes, com 470 mil fãs no Facebook e 170 mil seguidores no Twitter. E nada disso foi por uma paixão especial pelo League of Legends. A motivação é outra: “brTT” é obcecado pela vitória. “O que faz eu jogar até hoje é querer ser o melhor, chegar no jogo e destruir o adversário, não importa quem ele seja”, disse, com as pernas pra cima relaxadas em uma cadeira da sala de entrevistas do Le Dock Pullmann.

Sua função no time é de atirador, o equivalente ao atacante de área no futebol, o camisa 9 artilheiro. Em um cenário de florestas e torres com inspiração na fantasia medieval, dois times com cinco jogadores se enfrentam com o objetivo de destruir primeiro a base do inimigo. Entre uma base e outra existem três caminhos abertos, um no meio e dois nos cantos, em cima e embaixo. No caminho de cima vão os lutadores, em geral os mais parrudos do jogo, que dão pouco dano no inimigo mas aguentam porrada como ninguém, como um zagueiro. No meio vão os magos ou assassinos, que têm a função do camisa 10: faz muito gol e é estratégico nas batalhas. Embaixo, vão os atiradores, como Felipe, sempre acompanhados de um suporte, o jogador que protege o atirador. A quinta posição é a do caçador, que passeia pela floresta ajudando os companheiros em qualquer caminho. Parece simples, como qualquer joguinho de computador à primeira vista. Mas é muito complexo quando jogado em alto nível. O League of Legends oferece um leque de 127 personagens, ou campeões, como a Riot, dona do jogo, escolheu chamar. Cada um deles têm tantos poderes e tão específicos que, dependendo da estratégia da equipe, podem contradizer a descrição genérica acima. É o que costuma acontecer nas grandes competições.

Segundo a Riot, o jogo tem hoje 67 milhões de jogadores ativos pelo mundo. A empresa não divulga números específicos para o Brasil, mas a popularidade crescente do LoL pode ser medida pela paixão dos fãs. A final do campeonato brasileiro do ano passado foi disputada no Rio de Janeiro, no Maracanãzinho, e teve 6 mil espectadores presentes. A desse ano foi em São Paulo, no Alianz Parque, o estádio do Palmeiras, e teve 15 mil torcedores presentes, com direito a abertura com show de rock com os temas do jogo. Os ingressos se esgotaram em minutos. As partidas foram transmitidas ao vivo em salas de cinema para 10 mil pessoas e, online, pelas streams de vídeo, para outras 240 mil.

Quando Felipe “brTT” Gonçalves começou no que os jogadores chamam carinhosamente de “lolzinho”, em dezembro de 2011, o cenário brasileiro era, na prática, um bando de moleques, cada um em sua casa, jogando e transmitindo partidas pela internet. A Riot, que hoje tem um escritório com 67 funcionários, sequer tinha chegado no país com servidores. Quem jogava LoL tinha que se conectar com o servidor americano e sofrer com o lag na hora das jogadas. Mas Felipe tinha 20 anos e uma vasta experiência competindo em outros jogos como Counter Strike (de tiro) e DotA (semelhante ao LoL, mas mais antigo). Ele tinha tudo para ser o cara.

Crédito: Felipe Larozza/ VICE

MOLEQUE MARRENTO DO VÔ

Tudo começou para Felipe nas competições de LAN house, esse ambiente insalubre com computadores potentes ligados em rede e crianças matando aula. O carioca passou a ir às LANs da Vila da Penha aos 11 anos, acompanhado do irmão Leandro Rocha, dois anos mais velho. “Eu era o mais novinho entre os marmanjos de 18 anos e nego fazia de tudo pra ganhar de mim. Mas eu enchia o saco dos caras, provocava bastante, desde moleque”, diz. De onde veio tanta marra? “Só veio. Eu acompanhava bastante o Romário. Vai que eu peguei o jeito dele…”, diz Felipe, flamenguista doente na infância e na adolescência, e hoje, coincidência ou não, artilheiro de seu time de LoL.

A tônica da relação dos irmãos Felipe e Leandro eram as brigas. Usar o único computador da casa ou o Nintendo 64 era uma batalha diária. No território neutro da LAN house, Felipe seguiu os passos do irmão mais velho, o primeiro dos dois a montar time para participar de campeonatos. O maior feito de Leandro no cenário competitivo foi participar com seu time de amigos de um torneio de Counter Strike em Belo Horizonte. Felipe voou bem mais longe, ainda na adolescência, mais ou menos na mesma época que o irmão mais velho se desinteressava pelos jogos.

“Esses monstrinhos vão comer o seu cérebro”, brincava seu avô Joel.

Quando não estava jogando CS, Felipe jogava Warcraft, um jogo de estratégia com pitadas de RPG e temática fantástica. O Warcraft III tinha um editor de mapas para criar universos e jogar com os amigos. O mais famoso deles acabou, mais tarde, virando um jogo independente: DotA. O DotA tem a mesma mecânica do LoL, que surgiu depois, e os mapas de ambos são muito semelhantes. Mesmo tendo viajado com times de CS para as competições, foi jogando DotA que Felipe “brTT” ficou obcecado em vencer. A primeira viagem internacional jogando DotA foi para San Jose, na Califórnia, em 2007. Depois vieram França, Suécia e Alemanha.

Hoje os jogadores famosos como “brTT” são exemplo de sucesso para as novas gerações. Traduzem como o “lolzinho” pode virar uma profissão séria. Em 2007, quando Felipe fez sua primeira viagem internacional como jogador, não havia nenhum exemplo a ser seguido, ninguém para amenizar as preocupações de pais e mães quanto ao futuro dos filhos gamers. Os e-sports eram “só um joguinho”.

Aos 17 anos, Felipe só gostava de jogar e, claro, sofreu pressão da família para escolher uma faculdade. Como gostava das aulas de biologia, fez vestibular na área e passou para uma universidade federal. “A faculdade deu uma tranquilizada em casa. Eu podia ficar jogando direto nos tempos vagos porque estava estudando e minha mãe não poderia falar nada”, diz Felipe. Ele ia para as aulas pensando no jogo e começou a faltar muito depois de um ano de curso. “Esses monstrinhos vão comer o seu cérebro”, brincava seu preocupado avô Joel Rocha.

Filho de pais separados, Felipe morava com a mãe e o irmão, mas era na casa do avô que se sentia realizado. Seu Joel era seu maior incentivador, apesar de não entender absolutamente nada do que ele fazia. Ele era médico e enchia os dois netos com os mimos que a mãe Isabel, professora de educação física, muitas vezes não podia dar. O maior presente, principal ferramenta para o futuro do neto com os jogos, foi um computador de última geração e internet rápida. Felipe ia tanto na casa do avô jogar que, depois de pouco tempo, se mudou para lá. Foi nesse computador que ele começou a fazer streams de jogos e atrair seus primeiros fãs com suas jogadas e suas frases de efeito. “Eu gritava de madrugada e ele vinha me dar esporro. Quando eu ia embora pra casa ele falava: ‘Saudade dos seus gritos aqui’”, lembra Felipe. “Sem ele, eu provavelmente não seria jogador profissional.”

O NOOB CAMPEÃO

E começou a entrar dinheiro. Sim, os jovens fãs de LoL fazem doações usando cartões de crédito – muitas vezes o dos pais – para ter uma mensagem lida ao vivo por seus ídolos. Outros assinam o canal de transmissão – normalmente no Twitch e, mais recentemente, na Azubu – para ter privilégios e participar de sorteios e promoções. Jogadores empáticos como “brTT” têm nas streams boa parte da renda, além do salário de jogadores profissionais, dos patrocínios e das premiações em dinheiro dos campeonatos.

Felipe já tinha o computador para treinar, competir e fazer transmissões. O problema, em 2011, era o jogo. “Estava num momento da minha vida em que tinha que resolver o meu futuro, e o cenário do DotA no Brasil era bem fraco de remuneração. Tinha uma premiação grande no mundial, mas um brasileiro chegar lá era impossível”, diz. Enquanto isso, o League of Legends começava a crescer no país.

Felipe começou a jogar LoL em dezembro de 2011, a convite de um amigo do DotA, Gabriel “MiT” Souza. “MiT” era jogador e capitão do time de LoL da equipe paulista Pain Gaming, e incentivou “brTT” a mudar de jogo para entrar no time. Em janeiro de 2012, com quase nenhuma experiência, mas com as mecânicas apuradas do DotA, jogo muito semelhante, “brTT” já começava a se destacar como atirador. Em fevereiro, participaria de seu primeiro campeonato presencial em São Paulo, a Intel Extreme Masters, IEM, que seria realizado dentro da Campus Party Brasil.

Crédito: Felipe Larozza/ VICE

A Pain Gaming, equipe já estabelecida em outros e-sports – em DotA inclusive –, resolveu participar do campeonato sem o inexperiente “brTT”. Mas Felipe montou um time improvisado com amigos virtuais do LoL. Chamou-o de Noob da Net (“noob”, gíria para “iniciante”, “inexperiente”) e conseguiu se classificar em quarto entre os quatro times que iriam para São Paulo. A surpresa foi que a desconhecida e improvisada Noob da Net ganhou o campeonato. O primeiro time que eles eliminaram foi justamente a Pain, que tinha se classificado em primeiro. “Fiquei com muita raiva”, lembra, rindo, Arthur “Paada” Zarzur, criador e dono da Pain Gaming. “Ele acabou com o campeonato, foi o melhor jogador, todo o público aplaudindo.” Em poucos meses, seu atirador titular, André “manajj” Rocha foi contratado por uma equipe rival e Arthur não pensou muito: Felipe “brTT” seria o substituto.

A Pain Gaming teve muitas mudanças de membros da equipe com o passar dos anos, mas quatro personagens daquele time de 2012 acabariam se reencontrando em 2015 para a conquista do campeonato brasileiro e da vaga para o mundial. Como jogadores, além de “brTT”, Gabriel “Kami” Santos e Thúlio “sirT” Carlos. Gabriel “MiT”, que era jogador e capitão em 2012, se tornaria técnico do time vencedor de 2015.

O LOLZINHO CRESCEU

O ano de 2012 foi também o começo da estruturação do League of Legends no Brasil. A aposta de Felipe tinha valido a pena. Em julho de 2012, a Riot inaugurou o primeiro servidor dedicado exclusivamente aos jogadores brasileiros. Ficava em Miami, o que ainda mantinha os problemas de latência baixa (ou “ping”), mas pela primeira vez os jogadores brasileiros passaram a jogar online apenas entre si, o que reforçou os elos de comunidade e impulsionou a formação de novos times. A reboque, alguns jogadores começaram a fazer transmissões dos campeonatos em stream. No começo, por conta própria; depois acabariam contratados por empresas como a X5TV, por muito tempo a responsável pela transmissão dos principais campeonatos de LoL.

“O cenário brasileiro estava muito escondido no servidor norte-americano, os jogadores estavam dispersos”, afirma Gustavo “Melão” Ruzza, hoje analista contratado pela Riot nas transmissões oficiais. Na época, “Melão” se animou com a chegada do servidor ainda com aspirações de ser jogador profissional. Tentou se qualificar com seu time para outro marco do LoL no Brasil, o primeiro campeonato brasileiro do jogo, CBLoL 2012. Não conseguiu e, no dia seguinte, estava comentando os jogos ao lado do amigo Diego “Toboco” Pereira, que viria a se tornar o principal narrador de LoL do país. Gustavo “Melão” acabaria abandonando a profissão de psicólogo para, de uma forma inusitada, também viver do jogo.

“Isso aqui é uma família, não é brincadeira.”

O CBLoL 2012, primeira edição do campeonato nacional oficial de LoL, teve a sua final em outubro, dentro da Brasil Game Show (BGS), maior feira de games da América Latina. A Pain Gaming foi um dos quatro times classificados para as finais, mas acabaram perdendo a primeira partida. Restou a luta pelo terceiro lugar. Durante o jogo, Felipe “brTT” levantava, gritava para a plateia, chamava o time com gritos de incentivo. Depois da vitória, o jogador foi às lágrimas com a frustração, a primeira de muitas vezes que faria isso em torneios presenciais. Em entrevista após o jogo, quando perguntado se o terceiro lugar desmotivava o time a continuar, ele usou um termo que definiria a Pain Gaming nos anos seguintes: “Isso aqui é uma família, não é brincadeira.”

REXPEITA!


Mesmo com a derrota no principal campeonato do ano, Felipe “brTT” tinha cada vez mais fãs. Seu estilo de vida cativava os jovens jogadores de League of Legends. Nas transmissões em seu canal de stream de vídeos Twitch ele começava a consagrar bordões como “Quê que houve?” e, principalmente, “Rexpeita!”, que é como soa “Respeita!” com sotaque carioca. Nos comentários das streams, era um festival de “Rexpeita!” a cada boa jogada. Isso abriu os olhos do irmão de Felipe, Leandro Rocha, que tentava deixar o emprego de motorista na Prefeitura do Rio para investir em uma marca de roupas streetwear com dois amigos. A marca se chamava “Valeo”, “Valeu” com “o”, outro neologismo inspirado pelo sotaque do Rio. A ideia inicial da parceria seria fazer um boné para divulgar a marca nas streams do irmão, já que o rosto de Felipe era a única coisa que aparecia – além das estantes do escritório do avô, ao fundo. Mas por que não usar o poder do irmão a favor da marca? A escolha natural para a estampa era o bordão “Rexpeita!”. Tinha força e identidade com um público consumidor cada vez maior.

Leandro, o amigo Felipe Coutinho e o tatuador Henri Schumacker – responsável pelas estampas – fizeram orçamento e mandaram produzir uma prova do boné. Tiveram um timing perfeito, já que a Pain teria um início de ano arrasador. Logo no fim de fevereiro de 2013, a equipe consegue se classificar para uma vaga no IEM 2013 em Hanover, na Alemanha, a ser realizado na CeBIT, uma das maiores feiras de tecnologia do mundo. Felipe “brTT” estava deixando o portão de casa de malas prontas para a Alemanha no comecinho de março quando, como se fosse combinado, a prova do boné tinha chegado. Não só foi prontamente aprovado como já foi para a cabeça de Felipe. A divulgação de estreia seria em um grande torneio internacional.

O burburinho sobre o boné começou quando “brTT” ainda estava em Hanover. A performance da equipe não foi boa – ficaram em último no seu grupo, com apenas uma vitória em 5 jogos –, mas eles enfrentaram alguns dos melhores times do mundo, como a Fnatic, a Gambit Gaming e a CJ Entus Blaze, que acabou conquistando o torneio. O boné recém-nascido e filho único teve a melhor vitrine possível. Leandro e seus amigos juntaram dinheiro e encomendaram 100 bonés para vender via Facebook para os fãs do irmão. O sucesso foi tanto que esgotaram em dois dias. Felipe “brTT” entrou de sócio com Leandro e o amigo Felipe Coutinho, mas a marca continuou com o propósito inicial: Não depender da imagem do irmão jogador. “Vamos ser nós três na Rexpeita”, lembra Leandro, referindo-se ao tratado com o irmão Felipe e com o amigo Felipe Coutinho. “Mas com o mesmo conceito da Valeo, segmentado para esportes de alta performance.” Hoje, “brTT” ainda é a principal estrela da marca, mas divide o espaço com atletas de skate, bodyboard e de lutas.

Crédito: Facebook/ Acervo pessoal

Mesmo com a venda relâmpago dos bonés, Leandro ainda precisaria ver de perto o tamanho da fama do irmão. A oportunidade seria o CBLoL 2013, realizado no WTC Golden Hall em São Paulo. Leandro e o sócio Felipe Coutinho carregaram um carro com adesivos e bonés em direção a São Paulo, sem ter a menor ideia de como conseguiriam vender aquilo. “Chegamos lá e era um centro empresarial de luxo máximo”, conta Leandro. “Eu e meu amigo subimos com as bolsas no elevador, no melhor estilo ‘camelô’, e meu amigo ainda usava dreads no cabelo… Escutamos algo como ‘isso aqui já foi mais frequentado’, mas nem ligamos”, lembra. Na entrada do evento, Leandro viu uma fila enorme de crianças e jovens alvoroçados. Continuou andando e, no fim dessa fila, encontrou o irmão, tirando fotos e dando autógrafos como uma estrela. “Caralho… Tem uma fila gigante de nego tirando foto do meu irmão… Não tinha caído a ficha ainda. Quando eu fui falar com ele acabei virando fotógrafo para os fãs. Não consegui trocar ideia.”

No CBLoL 2013, as lágrimas seriam de alegria. A Pain de “brTT”, “Kami” e “sirT”, completada por Fabio “Venon” dos Santos e Martin “Espeon” Gonçalves, conquistaria seu primeiro campeonato brasileiro e teria, pela primeira vez, a chance de ir para o mundial, a maior obsessão de Felipe “brTT”. Nos bastidores, duas surpresas. A primeira, anunciada logo depois de os jogadores levantarem a taça, é que o time tinha criado, às escondidas, a primeira Gaming House da América Latina. Ou seja… Agora, o time morava e treinava na mesma casa, em São Paulo, a exemplo do que acontecia com os melhores times do mundo. Segundo Leandro, a decisão de sair da casa do avô na Vila da Penha para ir morar e jogar em São Paulo não foi tão simples para o irmão. “Ele tinha medo de não poder fazer as streams lá, que era boa parte de sua renda pessoal”, diz. Acabou indo, obcecado com o sonho de representar o Brasil no campeonato mundial. “No começo pagávamos um salário mínimo”, afirma Arthur “Paada”, o dono do time. “Mas era isso e todo o custo com comida e transporte, incluindo uma viagem para a cidade natal por ano”, diz. “O ano de 2013 fora, até então, o grande ano da carreira dele”, afirma o analista Gustavo “Melão” Ruzza. “Era, com certeza, o melhor jogador de sua posição, e um dos melhores do país.”

A segunda surpresa foi na saída do evento. Foi o lugar perfeito, pensaram Leandro e o sócio na Rexpeita, para vender os bonés. Iriam pegar carona na euforia dos fãs da Pain Gaming e do irmão e sócio “brTT”. A estratégia inicial foi distribuir adesivos da marca durante o evento. “Quando acabou o campeonato a gente começou a vender legal”, diz Leandro. “Fiquei gritando ‘boné da Rexpeita! Boné da Rexpeita!’, bem estilo ‘feira’ mesmo, e meus amigos atrás de mim iam vendendo. De repente um dos meus amigos me chama e pede o meu boné. Eles já estavam sem o deles. Vendeu tudo, e compraram até os nossos, usados”, afirma. “Hoje a empresa é minha vida. Eu tinha vinte e poucos anos e estava sem foco nenhum. Trabalhava de motorista e não tinha a menor perspectiva de crescer, era momentâneo. A Rexpeita me deu estímulo pra viver.”

CASA DE PAULIXTA


Já Felipe “brTT” Gonçalves tinha feito uma escolha ainda mais importante para sua vida em 2013. Pela primeira vez, saía de casa para viver o sonho de vencer jogando League of Legends. Tinha conquistado o seu primeiro campeonato brasileiro e iria de novo para a Alemanha, dessa vez tentar uma vaga para o campeonato mundial contra times do México, Austrália, Turquia e Lituânia. Os treinos foram intensos e a nova rotina era sofrida para alguém com sua personalidade. Tinha deixado a mãe e o avô, os amigos e a rotina da noite no Rio de Janeiro. “Foi a parte mais difícil”, afirma Felipe. “Eu saía todo fim de semana com os amigos no Rio. Na gaming house, ninguém gostava de sair, de fazer festa. Tenho facilidade para fazer amigos, mas nesse meio não tinha muita gente parecida comigo.” Sua única sorte foi conhecer, via internet, logo no começo de sua aventura em São Paulo, a menina que se tornaria sua namorada, Giuliana Capitani, a Caju. “Ela me mandou mensagem no Facebook. No começo até pensei que era ‘fake’ (perfil falso)”, lembra “brTT”. “Fiquei muito dependente dela pra sair em São Paulo.”

Crédito: Facebook/ Acervo pessoal

A campanha da Pain em Colônia, na Alemanha, seria um fracasso, e a sonhada vaga do mundial não veio em agosto de 2013. E dessa vez a chance era real, não se tratava dos melhores times do mundo. A fase de confrontos diretos foi relativamente tranquila, mas, na final, a Pain perdeu de 2 a 0 para a equipe GamingGear, da Lituânia. Mesmo com o que os analistas apontam como seu melhor ano, “brTT” não estava feliz e, no fim de 2013, para surpresa dos fãs, decidiu mudar de time. Hoje, dois anos depois do ocorrido, Arthur “Paada”, o dono da Pain, faz mea-culpa sobre o caso. “A gente era chato demais”, afirma. “A gaming house era onde ele morava, e ele queria ter momentos com a namorada, tinha toda razão. Quando ganhava, ele queria curtir, mas ninguém ali tinha esse perfil. No final, aprendi muito com a saída dele. Para jogar bem, o jogador precisa estar feliz. É importante entender o ponto de vista do jogador e prezar pelo ambiente na casa.”

A INVASÃO COREANA

O novo time do atirador “brTT” para 2014 era a Keyd Stars, também sediada em São Paulo. E os fãs logo se acalmaram quando viram seus companheiros de time. Pela primeira vez, um time brasileiro contrataria dois jogadores sul-coreanos, An “SuNo” Sun-ho e Park “Winged” Taejin. A importância disso é que a Coréia do Sul está para o League of Legends como o Brasil esteve para o futebol antes do 7 a 1. Os únicos remanescentes do time, completando a formação, foram Caio “Loop” Almeida e Matheus “Mylon” Borges. “Mylon” e “brTT” já haviam se enfrentado diversas vezes durante a carreira, mas seria a primeira vez que atuariam no mesmo time.

O começo de ano do time foi arrasador. Ganharam a BGL Arena 3 em março, a Selecter Cup em abril, a X5 Mega Arena em maio e a Liga Brasileira – Série dos campeões em junho. Durante as comemorações no palco da X5 Mega Arena, “brTT” deixou bem claras as pretensões do time de estrelas Keys Stars: “A gente não está aqui pra brincadeira. A gente quer ganhar tudo no Brasil e tudo lá fora também”, disse. “Gostaria de agradecer essa galera maravilhosa que torceu pra mim, agradecer a minha mãe… É…”, completou, antes de abaixar a cabeça em um choro compulsivo e ganhar um abraço forte da mãe, dona Isabel, que subiu no palco correndo.

“Eu gostaria de dedicar essa vitória ao meu avô.”


Houve tempo também para uma realização pessoal de “brTT”, apenas mais um indício de sua fama. Pela primeira vez na história do League of Legends um personagem do jogo teria uma frase inspirada por um jogador brasileiro. O Twitch, um rato sinistro com a alcunha de “O semeador da peste” diria, em jogo, uma das frases mais famosas de “brTT” ao jogar com o campeão: “Rexxx… xxxpeita o rato!”, com ênfase no sotaque carioca. A honraria ainda é inédita entre jogadores brasileiros.

A Pain, ex-time de “brTT”, viu as chances do bicampeonato escapar pelos dedos. Estavam em último no campeonato brasileiro e tinham ficado em último na X5 Mega Arena vencida pela Keyd de “brTT”. Tomaram uma medida drástica para tentar virar o jogo. À exemplo da Keyd, a Pain anunciou em maio de 2014 a contratação de dois coreanos para o time, Han “Lactea” Gi-hyeon e Kim “Olleh” e Joo-Sung.

O impacto da presença no Brasil de jogadores do país que manda no League of Legends mundial foi crucial para o amadurecimento do cenário. Enfrentar um jogador sul-coreano, que trazia ideias novas para o jogo e técnicas inovadoras em suas posições exigiu uma equiparação instantânea de seus adversários em cada posição. Mas a evolução teve um efeito colateral: a dificuldade de comunicação dentro do jogo. Jogadores brasileiros e sul-coreanos tinham que se comunicar em inglês, num jogo em que milésimos de segundo contam para tomar a decisão correta. A final do CBLoL 2014, realizada no Maracanãzinho lotado, foi entre dois times 100% brasileiros: a KaBuM, que ganhou da Keyd Stars nas semifinais, e a CNB, que ganhou da Pain Gaming.

A Pain manteve os sul-coreanos “Olleh” e “Lactea” no elenco e acabou dominando as competições do segundo semestre. Venceram o Desafio Internacional da X5 Mega Arena, em setembro, o Razer Challenger Brazil e o torneio que deu vaga para o Intel Extreme Masters San Jose, ambos realizados em novembro. Já a Keyd Stars, de “brTT”, teve que substituir os coreanos do time por duas estrelas nacionais com longa rodagem no cenário nacional: Gabriel “Revolta” Henud e Murilo “Takeshi” Alves, ambos vindos da vice-campeã nacional CNB. O motivo da troca nunca ficou oficialmente claro. No segundo semestre, sem os coreanos, a Keyd ainda teve conquistas importantes. Venceu o XTreme League of Legends em agosto, a Brazil Gaming League (BGL) em setembro, e a Arena Go4Gold em dezembro.

CHEGANDO EM CASA ATRASADO

Para Felipe “brTT”, atirador da Keyd, o desempenho nas competições ficou em segundo plano pela primeira vez desde que se tornara profissional. A primeira pista pública de seu drama pessoal foi na final da Liga Brasileira – Série dos Campeões, em junho de 2015. A Keyd, ainda com seus sul-coreanos, venceu a Pain Gaming, já com os seus sul-coreanos, em uma final apertada, por 3 a 2.

Nos agradecimentos em cima do palco, “brTT” pega o microfone e desaba em lágrimas logo nas primeiras frases, referindo-se a todos que o ajudaram a chegar ali. Primeiro agradece ao time, depois aos fãs. “E, por último…”, diz, chorando descontroladamente antes de terminar. Ouve gritos de “Rexpeita!” e muitos aplausos da plateia. Consegue completar, sempre interrompido pelas lágrimas e sendo confortado pelo colega de equipe Matheus “Mylon” Borges. “Eu gostaria de dedicar essa vitória ao meu avô. Com todos os problemas que ele tem, todas as dificuldades, eu tenho certeza que ele está lá torcendo por mim. Eu te amo, vô. Você vai melhorar.”

O avô Joel, o grande incentivador de sua carreira, sua figura paterna mais importante, estava lutando contra o câncer. Mesmo com os primeiros sintomas da doença, continuava a dar plantões como médico e, assim, complementava a renda familiar. Depois da vitória de sua Keyd na BGL, em setembro, “brTT” para de fazer streams e postar nas redes sociais com tanta frequência.

“Preciso muito pensar na minha vida, então não posso falar pra vocês o que acontece comigo agora.”

Por outro lado, seu ex-time, a Pain Gaming, ainda com os sul-coreanos “Olleh” e “Lactea”, colhe os louros de um bom segundo semestre. Depois de uma vitória sobre a Keyd de “brTT”, a Pain conquista uma vaga para disputar o IEM San Jose, na Califórnia, Estados Unidos, nos dias 6 e 7 de dezembro. Durante a viagem, porém, o dono da equipe Arthur “Paada” Zarzur recebe, por telefone, uma péssima notícia: os jogadores sul-coreanos não conseguiram visto de trabalho no Brasil e terão que sair do país. Ainda no exterior, o primeiro nome que passa pela sua cabeça é o de “brTT”, o atirador que, no auge da carreira, lhe deu o campeonato brasileiro de 2013. “Por mais que eu bata o martelo no fim, sei que não era a pessoa com mais competência para decidir. Mas o time e a comissão técnica concordaram na hora”, afirma Arthur. A equipe da Pain no Brasil entrou em contato e “brTT” concordou com a volta. Mas nada foi anunciado. A estratégia era produzir uma grande campanha no YouTube e nas redes sociais para a volta do filho pródigo à Pain.

No Brasil, Felipe “brTT” participa do que seria seu último torneio pela Keyd Stars, a Arena Go4Gold, realizada no dia 5 de dezembro em São Paulo, durante a Comic Con Experience. E vence. No dia 9 de dezembro de 2014, quatro dias depois da vitória, faz um longo anúncio em suas redes sociais para avisar que está saindo da Keyd. Agradece aos jogadores – começando pelo amigo “Mylon” – e aos gestores do time. Depois faz um agradecimento especial a Gabriel “MiT” Souza, o cara que o levou do DotA para o LoL, o velho companheiro da Pain de 2012, que estava na comissão técnica da Keyd em 2014. “Agradeço ao MiT por ser o MiT”, escreveu Felipe “brTT”. “Meu melhor amigo no joguinho. Sempre vai ser. Sei da tua competência no que tu tá fazendo e com certeza tu merece reconhecimento por tudo isso.”

No fim, faz um desabafo velado: “Preciso muito pensar na minha vida, então não posso falar pra vocês o que acontece comigo agora. Assim que eu souber vocês serão os primeiros a saber.”

Felipe Gonçalves estava com passagem marcada para o Rio de Janeiro no dia 13 de dezembro. A intenção era passar os últimos dias de vida do avô ao seu lado. Não deu tempo. Ele morreu na madrugada do dia 11 de dezembro de 2014, e o neto faz uma longa e emocionada carta de despedida em sua página do Facebook.

“Meu avô foi a pessoa mais batalhadora que eu já conheci em toda a minha vida. Ele me ensinou que nada vem fácil e que é preciso lutar muito para conquistar tudo o que você mais quer. (…) Meu avô foi o primeiro a confiar em mim. Mesmo não tendo muito dinheiro, foi lá e me deu o melhor computador, com a melhor internet possível, e foi assim que eu comecei a fazer stream, foi assim que se deu o começo do que sou hoje. (…) Meu sonho era poder chegar ao mundial a tempo, pra que ele me visse lá. Pra que ele visse que todo aquele dinheiro que ele gastou comigo lá no início tinha resultado naquele evento gigantesco que ele estaria vendo. Sinto que falhei com ele. Meu trabalho me afastou de casa por dois anos. (…) Eu estou indo para o Rio em exatos dois dias, e em exatos dois dias eu teria tido a chance de me despedir pessoalmente, mas… Não deu tempo. (…) Te dou a minha palavra de que eu vou lutar todos os dias da minha vida pra te retribuir tudo o que o senhor já fez por mim, na minha vida. (…) Vou fazer ter valido a pena… Eu e meu irmão ainda vamos te orgulhar muito.”

Crédito: Facebook/ Acervo pessoal

OS FILHOS PRÓDIGOS

No começo de 2015, toda a campanha da Pain para o anúncio do retorno de Felipe “brTT” Gonçalves ao time está montada. O vídeo promocional transforma os jogadores em atores. “brTT” está algemado e está sendo interrogado pelos velhos comparsas da Pain de 2012, Thúlio “sirT” Carlos e Gabriel “Kami” Santos, e por um novo companheiro de time, Whesley “Leko” Holler, também um “macaco velho” do cenário de League of Legends. As principais perguntas do vídeo-piada da Pain são sérias, proferidas pelos ex-parceiros de time. “Quando você saiu da casa”, indaga “Kami”, “um dos motivos que você deu foi que você não se sentia em casa. Você percebeu algum avanço em relação a isso ou continua a mesma coisa?”. “Quando eu era da Pain…”, “brTT” responde, “parecia que eu dormia e acordava no meu escritório. Era um pouco complicado. Hoje em dia estão acontecendo várias reformas aqui, eles separaram área de lazer da área de trabalho. A gente consegue brincar bastante, separar as coisas, e… Tá muito bom.”

A pergunta mais premonitória do “interrogatório” é a de “sirT”. “Você acha que esse novo time vai estar com sede de vitória para o mundial?” “Eu não só acho como tenho certeza.”, diz “brTT”. No fim, “sirT” declara: “Você respondeu bem às suas perguntas… Bem vindo, irmão.” E solta as algemas cenográficas de “brTT”.

O anúncio bombástico do retorno de “brTT” foi seguido de uma stream coletiva de comemoração que alcançou 50 mil espectadores, um recorde do time. No dia 16 de janeiro, alguns dias depois, a Pain anuncia o companheiro de rota de “brTT”, o suporte francês Hugo “Dioud” Padioleau. E Felipe “brTT” foi fundamental na tomada de decisão. “Ele já tinha jogado contra o ‘Dioud’”, afirma Arthur “Paada”, “Gostou do estilo e deu a opinião dele. Acabou sendo o escolhido.” O problema do visto de trabalho para jogadores de League of Legends ainda era um fantasma desde o caso dos coreanos no fim do ano passado, mas o tempo disponível para tentar mais uma vez e a opinião do companheiro de rota prevaleceram como argumentos.

E as surpresas de janeiro não terminavam. No dia 23 de janeiro de 2015, a Pain anuncia a volta de Gabriel “MiT” Souza, dessa vez como técnico da equipe – o cara citado por “brTT” na sua despedida do ex-time como seu “melhor amigo no joguinho” e responsável por trazê-lo à Pain em 2012. “Os jogadores queriam muito o MiT…”, diz Arthur “Paada”. “É o primero a acordar, o último a dormir. Eu acompanhei de perto o MiT quando era capitão da Pain.”

TORRE DE BABEL

Apesar da euforia dos fãs em rever “brTT”, “Kami”, “sirT” e “MiT” juntos novamente, a performance do time no primeiro semestre foi decepcionante. Na primeira etapa do CBLoL 2015, a Pain acabou perdendo nas semifinais de 3 a 0 para a INTZ, equipe capitaneada por Gabriel “Revolta” Henud.

“Revolta” acabou levando a INTZ ao título da primeira etapa como melhor jogador em outro 3 a 0 arrasador contra a Keyd Stars, final realizada no dia 18 de abril em Florianópolis, Santa Catarina. Para a segunda e decisiva etapa do CBLoL, Gabriel “Revolta” acabou surpreendendo os fãs e, no último dia do prazo permitido, anunciou que estava indo para a vice-campeã Keyd Stars. Com isso, tanto INTZ – sem o craque, mas com o título – quanto a Keyd Stars – sem o título, mas com o craque – acabaram virando francas favoritas para o campeonato brasileiro.


“O time sofreu muito com os problemas de comunicação, principalmente entre o ‘brTT’ e o ‘Dioud’”, afirma o analista Gustavo “Melão” Ruzza. Os jogadores da Pain estavam entre os principais de suas posições no cenário brasileiro, mas o time inteiro foi obrigado a falar inglês durante os jogos, a única língua em comum mas a língua nativa de ninguém. Além disso, era um time de estrelas. Tirando o francês “Dioud”, todos os quatro são jogadores com personalidade forte e perfil de “shot caller”, o cara que tem a responsabilidade de, em frações de segundos, dar a ordem para a melhor jogada. E esse cara precisa ser seguido pelos demais.

“Ele é o Corinthians, o Flamengo, é o Romário, o arquétipo do bad boy.”

As críticas vinham de todos os lados, e o time resolveu mudar seu carregador, o jogador da parte de cima do mapa. Saiu Whesley “Leko” Holler, com a justificativa de que estaria “desmotivado” e, no seu lugar, entrou Matheus “Mylon” Borges, ex-companheiro de Felipe “brTT” na Keyd Stars. “brTT” se pronunciou nas redes sociais sobre a escolha do novo jogador do time. Ele foi bem enfático quanto à sua ascendência na decisão. “Eu disse não pra tudo, não pra todos. O sim era pro único. Depois de jogar com Mylon no time é impossível desejar menos que Mylon”, escreveu “brTT”. Mas a decisão mais importante da Pain foi a contratação de dois psicólogos, responsáveis por controlar o ego das estrelas e promover o trabalho em equipe.

Crédito: Riot Games Brasil

A Pain iniciou a etapa decidiva do CBLoL como um time de ótimos jogadores – alguns dos melhores em sua posição – mas desprovidos da pressão do favoritismo. A fase de grupos da competição, quando todos os oito melhores times do Brasil se enfrentaram em uma melhor de dois jogos, confirmou o favoritismo de INTZ e Keyd. A INTZ terminou a fase de grupos em primeiro, ganhando seis confrontos e perdendo apenas um, para a Keyd. A Keyd, por sua vez, ganhou cinco confrontos, empatou um e perdeu um. A Pain alcançou apenas a terceira posição, com três vitórias, três empates e uma derrota, justamente para a líder INTZ. Com o terceiro lugar na fase de grupos, a Pain conseguiu vaga na fase eliminatória.

Depois disso… Nenhum resultado obedeceu a lógica dos especialistas.

LENDA ASCENDENTE

Na época do CBLoL, a empresa Riot, dona do League of Legends, decidiu fazer um documentário com superprodução sobre a vida dos profissionais jogo. Escolheu apenas seis personagens representativos pelo mundo, exemplos de como não é fácil chegar no topo nos e-sports. Dos seis, cinco são escolhas óbvias. A começar pelo “Pelé” – “Messi” para os mais jovens – do LoL, o sul-coreano Lee “Faker” Sang-hyeok. Com eles estão o dinamarquês Søren “Bjergsen” Bjerg, o chinês Jian “Uzi” Zi-Hao, o espanhol Enrique “xPeke” Cedeño e, por fim, o brasileiro Felipe “brTT” Gonçalves. Na parte que cabe ao brasileiro, em dois dos seis episódios, a Riot conta a história pessoal de Felipe e acompanha seu desempenho na fase decisiva do CBLoL 2015.

As eliminatórias do campeonato brasileiro de League of Legends de 2015 foram mágicas para qualquer fã dos e-sports. Mesmo para quem não torcia para a Pain ou tinha descrença sobre seu desempenho. O time de “brTT” foi para os estúdios da Riot em São Paulo e derrotou a Keyd Stars por 3 a 0 em uma melhor de cinco. Com isso, conquistaram a vaga para as finais, onde enfrentariam a INTZ, líder absoluta da fase de grupos. Muito além das expectativas esportivas, o cenário dava o tom da importância dessa conquista. A final seria realizada no Allianz Parque, o estádio do Palmeiras. Pela primeira vez, um campeonato de e-sports no Brasil seria decidido em um estádio de futebol.

Na tarde de 8 de agosto de 2015, um sábado, as duas equipes tomaram seus lugares e as 15 mil pessoas foram à loucura. Apesar do favoritismo absoluto da INTZ, nas arquibancadas a grande maioria estava lá para torcer pela Pain Gaming. Seria uma melhor de 5 jogos, mas a Pain precisou apenas dos três primeiros para, de forma emocionante, liquidar a fatura. A cada vitória, o time da Pain, o técnico, os psicólogos e Arthur “Paada”, dono do time, faziam uma roda, abraçados: “Zera o placar, começa do zero, atenção total.”

No fim, a euforia. O time se abraça no palco, às lágrimas, gritando. O narrador oficial da partida, Diego “Toboco” Pereira, uma espécie de Galvão Bueno do LoL, berrava, também emocionado: “Pode chorar, ‘brTT’, pode chorar, jogadores da Pain, vocês são bi-campeões brasileiros!”

Crédito: Riot Games

Nos bastidores, sempre acompanhado das câmeras da Riot para o documentário Legends Rising, Felipe é abraçado por sua mãe e sua namorada, as mulheres de sua vida. A mãe Isabel diz baixinho no ouvido dele: “Você pensou no vovô?”. Ele diz que sim, e ela completa: “Tenho certeza de que ele estava lá gritando ‘Vai, Felipão! Vai Felipão!’”

“O ‘brTT’ é um cara emotivo, tem a emoção do brasileiro, e isso é muito importante pro LoL”, afirma Gustavo Docil, apresentador da Riot nos campeonatos de League of Legends. “Quando você vê o ‘brTT’ jogando você sabe que o cara sacrificou bastante coisa para estar lá. Ele deixa bem claro o quanto o LoL é sacrificante. Quem está assistindo, que vê ele gritando trazendo o time e a torcida, é algo que dá vontade de estar junto e participar.”, afirma Docil. “E além de ser o show, você tem que ser bom. E o cara é bom.”

Arthur “Paada”, o homem responsável por reunir a equipe campeã de 2012, teve um dia nostálgico no Allianz Parque. “Outro dia mesmo a gente só brincava ali nos campeonatinhos, agora estamos ganhando um campeonato em um estádio de futebol… Foi muito boa a sensação de ver todo mundo junto de novo”, disse. “Valeu a pena tudo isso.”

Crédito: Riot Games Brasil


“EU ACEITO”

Entre a Pain e o mundial restava ainda um campeonato, o International Wildcard. Em 2013, esse foi o limite do time. Mas foi tudo diferente em 2015. A Pain engrenou e ganhou fácil todas as partidas contra equipes do Chile e da Rússia. Na final contra o time chileno, na casa do adversário, em Santiago, “brTT” batia na base do adversário com a mão direita, no mouse, e com a esquerda acenava, chamando o grito da torcida, calada a essa altura. O sonho se realizava, e o time viajaria para a Paris com uma sequência incrível de 15 partidas sem derrota.

A equipe da Pain Gaming pegou o que era considerado por analistas como o grupo mais fácil do Mundial. Os analistas acabaram surpresos. A Pain jogou contra a sul-coreana KOO Tigers (3a colocada no campeonato nacional mais forte do mundo), a taiwanesa Flash Wolves (vencedora dos dois torneios qualificatórios da LMS no ano, contra times de Hong Kong e Macau) e a grande favorita CLG, atual campeã americana, um dos torneios mais competitivos do mundo. A Pain não passou da fase de grupos, como já era esperado, mas ganhou 2 jogos e perdeu 4, a mesma performance da temida CLG, outra que ficou para trás. A subestimada KOO Tigers, única do grupo que ganhou os dois jogos contra a Pain, acabou chegando à final do mundial para enfrentar a também sul-coreana SKT, do “Pelé” do LoL “Faker”. Contra a Flash Wolves e a CLG, a Pain ganhou uma e perdeu outra, uma performance história do time brasileiro, a melhor campanha nacional em mundiais.

O último jogo do campeonato para a Pain foi contra a campeã americana CLG. Ambos os times já estavam fora da próxima fase, o que acabou trazendo emoção à partida, jogada sem tanta pressão, mas com gana. Na hora da escolha dos campeões de cada jogador, “brTT” viu o seu adversário de posição Yiliang “Doublelift” Peng fazer uma provocação sadia: mostrou o Draven, campeão mais famoso da carreira de “brTT” para, no último segundo, escolher o campeão mais famoso dele próprio, a Vayne. Em outras palavras, estava chamando para o duelo, como se estivessem em uma LAN house da Vila da Penha. “brTT” sorriu com as mãos na cabeça e, como aquele moleque que nunca “arregrava” para os marmanjos mais velhos, aceitou o duelo. O narrador Diego “Toboco” brincou com a situação: “Se falassem, no início do ano, que estaríamos vendo ‘brTT’ de Draven contra ‘Doublelift’ de Vaine no mundial, diriam que isso era zoação, isso não existe”, disse, aos risos. O comentarista Guilherme “Tixinha” Cheida completa, na transmissão ao vivo: “São os melhores campeões dos dois melhores jogadores.”

Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Entre as muitas tatuagens que Felipe ostenta no corpo estão, nos antebraços, os dois machados usados no jogo pelo personagem Draven. Mais surpreendente do que vê-lo usar o campeão foi o resultado da partida. A Pain terminaria a honrosa campanha no mundial com uma vitória sobre a campeã americana CLG. Ainda no palco, recebendo o aplauso dos poucos mas animados torcedores brasileiros, ele bate orgulhoso nos machados pintados em seu braço repetindo seu bordão “Rexpeita!”.

“O mais legal dele é que ele não perde a esperança!”, diz, animado, o estudante brasileiro David da Silva. Davi mora em Paris desde os 12 anos e foi ao Le Dock Pullman com a bandeira do Brasil para apoiar a Pain. Não estava sozinho. Outro fã de “brTT” presente em Paris foi Francisco Carmo, de 20 anos. Ele foi para a Irlanda fazer faculdade de Engenharia e pegou um avião só para ver a campanha brasileira no mundial de LoL. “Eu sou muito fã dele”, disse Francisco sobre ‘brTT’. “No Brasil eu torço para a INTZ, mas se tem um cara que eu admiro é ele. Esse lance de chamar a responsabilidade, de gritar, de chamar a torcida, não tem tanto nos e-sports. Ele coloca muito o coração dentro do jogo.” Felipe ‘brTT’ não chegou a ver os brasileiros durante a partida, mas ouviu. “Não importa onde a gente está, os brasileiros sempre vão gritar mais alto”, afirma.

“Todo mundo tem uma opinião sobre o ‘brTT’”, afirma Gustavo “Melão” Ruzza. “Ele é o Corinthians, o Flamengo, é o Romário, o arquétipo do bad boy. Ou você ama ou você odeia.” Para “Melão”, ‘brTT’ foi o melhor jogador brasileiro do mundial. “Sempre que eu ia à sala da Pain ele era o único que sempre estava lá, focado, treinando. Ele foi o conduíte emocional do time, e isso foi surpreendente. Toda boa história precisa de um personagem, e ele é esse cara naturalmente, sem forçar nada”, diz. E Felipe “brTT”, o personagem brasileiro do mundial, tinha ainda uma última boa história para contar.

A transmissão brasileira da fase de grupos do mundial terminou com uma entrevista com um emocionado “brTT”. Gustavo Docil e Gustavo “Melão” estavam a seu lado em Paris. No estúdio da Riot em São Paulo, junto dos narradores, estava Giuliana Capitani, a Caju, namorada de “brTT”. Ela tinha ido ao estúdio para dar força para o namorado, ao vivo. Nos bastidores, porém, já estava tudo armado. “Ela achava que ia mandar uma mensagem pra você, mas é você que tem uma mensagem pra ela”, diz Docil a “brTT”. O jogador, com a voz trêmula, começa a falar: “Sem dúvida nenhuma esse foi o melhor ano da minha vida. E só foi o melhor ano da minha vida porque tinha você presente nele. (…) Você é tudo pra mim, você me ensinou o que é o amor. (…) Eu quero saber se você aceita passar o resto da sua vida ao meu lado”, diz, estendendo um anel de noivado na direção da câmera.

Crédito: Riot Games Brasil

Ela, emocionada, diz: “É claro que eu aceito!”. A transmissão brasileira do mundial de League of Legends termina com uma sequência de “Eu te amo”, “Eu te amo”, “Eu te amo” ditos, em link direto, dos dois lados do oceano Atlântico.