Os robôs estão ganhando a guerra contra humanos na internet do Brasil
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Os robôs estão ganhando a guerra contra humanos na internet do Brasil

Responsáveis por 60% do tráfego online nacional, os bots influenciam usuários, atacam celebridades, pautam a imprensa e ameaçam a nossa democracia. Para onde isso nos levará?

Se na vida real ainda não precisamos temer as máquinas, na rede a coisa é diferente: os bots hoje são responsáveis pela maior parte do tráfego do spam e ameaçam a democracia do Brasil e do mundo.

Ainda não vivemos em um futuro em que ciborgues modelo T-1000 circulam pelas ruas em batalhas impiedosas contra T-800. Porém, enquanto os robôs da Boston Dynamics aprendem a dar cambalhotas, na internet os bots estão a todo vapor e já colocam nosso futuro em jogo. Um estudo recente publicado pela Abrahosting (Associação Brasileira das Empresas de Infraestrutura e Hospedagem na Internet) mostrou que a maior parte do tráfego na internet brasileira (60%) é gerado por bots. A maioria desse fluxo (55%) é maligno, ou seja, tentativas de inflar audiência, distribuição de links maliciosos, spam ou malware.

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Segundo Vicente Neto, presidente da Abrahosting , o avanço da automação é um dos responsáveis pelo grande volume de spam que infesta o sistema de e-mail. "No Brasil, a taxa de spam é da ordem de 95% das mensagens", afirma. "Os robôs também comprometem o desempenho dos sites por promover um excesso de acessos em curtos intervalos de tempo", diagnostica Neto.

O problema é global. A ANA (Associação Nacional dos Anunciantes dos EUA) estima que as fraudes causadas por bots geraram um prejuízo de US$ 6,5 bi só em 2017. Segundo um relatório da entidade, a falsa geração de tráfico é o principal meio pelo qual a publicidade on-line é manipulada.

No Brasil, embora a coisa tenha ficado mais feia agora, os robôs entraram em cena para valer nos meados de 2014. Pesquisa realizada pelos ingleses da Universidade de Oxford identificou a presença e influência de redes de robôs durante a campanha presidencial daquele ano. A estrutura continuou mobilizada e foi decisiva -pelo menos nas redes sociais- durante o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Em 2017, durante a greve geral ocorrida em abril, a FGV verificou que 20% das interações no Twitter foram responsabilidade de contas automatizadas.

No caso mais recente envolvendo bots e democracia, em novembro, agência de jornalismo investigativo dos EUA, ProPublica, sofreu um ataque automatizado que derrubou seu sistema de e-mail. Hackers criaram bots capazes de colocar os endereços de três repórteres em milhares de newsletters simultaneamente. Suas caixas de entrada foram inundadas em questão de horas. Por questão de segurança, a agência foi obrigada a derrubar seus próprios servidores.

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"O Facebook já é a segunda esfera pública depois da televisão. Não é qualquer coisa. Regular isso e calibrar a maneira como é distribuída a informação tem impacto político direto."

A maior parte dos estudos realizados sobre os bots na internet se foca nas redes sociais. Segundo Fabio Malini, professor do departamento de comunicação na Universidade Federal do Espírito Santo, e coordenador do Laboratório de estudos sobre Imagem e Cultura (LABIC), o Twitter é o habitat natural dos robôs. "Os bots têm uma característica de incidir suas ações mais no Twitter, por vários motivos". Um dos ativos mais valiosos são os Trending Topics, a lista de assuntos mais falados do momento. Malini afirma que os ataques no Twitter têm como objetivo principal manter algum tema ou hashtag em evidência, "sobretudo porque a imprensa se dedica a monitorar os assuntos do momento, o que gera matérias espontâneas sobre esses assuntos". Resumindo: grande parte das matérias de "bomba na rede" e similares é plantada por exércitos de bots.

No Facebook, a tentativa de influenciar o debate se dá menos por bots e mais com perfis que são cultivados a ponto de se parecer uma pessoa real. Mas, na verdade, têm missão definida e são administrados por empresas especializadas. São essas as ferramentas usadas em "tentativas de manipular a opinião pública, comportamentos de manada", explica Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital.

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"Os perfis criam a sensação de que tem uma corrente de opinião indo para um lado. O problema é que no Facebook é muito difícil saber qual é o tamanho da coisa", diz Ortellado. "Acho que não há nenhum estudo que estima isso. É muito diferente do Twitter, onde a gente vê que a própria produção de tuítes por minuto é tão alta que é impossível de ser feita por um humano. No caso do Facebook, é difícil saber a dimensão dessa manipulação. O serviço está sendo vendido e oferecido para um monte de empresas, então eu suponho que isso esteja em jogo atualmente."

Como acabar com os bots?

Se os bots já travam milhares de batalhas por segundo na rede mundial, as soluções para lidar com eles ainda engatinham. Algumas ideias tímidas começam a aparecer. Segundo Vicente Neto, "as empresas e os provedores empregam centrais unificadas de firewall, sistemas de varredura online contra ameaças (tanto locais quanto na nuvem), soluções de controle de acesso e de identidade digital e um grande número de tecnologias conjugadas pra enfrentar não só as ameaças robóticas mas até ataques de indivíduos, inclusive usuários internos mal intencionados"."Já se foi o tempo em que o simples uso de um antivírus associado a um anti-spam já davam sensação de segurança", diz.

Fabio Malini, referindo-se especificamente ao uso dos robôs na política, prevê um "aumento da judicialização". Segundo ele, o custo de organizar ataques vai aumentar por conta das custas dos processos, tornando menores os incentivos para que esse tipo de ferramenta seja usada. A regulação é um caminho quase inevitável, na opinião de Pablo Ortellado. "O Facebook já é a segunda esfera pública depois da televisão. Não é qualquer coisa. Regular isso e calibrar a maneira como é distribuída a informação tem impacto político direto."

A empresa de Mark Zuckerberg, diz Ortellado, tem tomado um monte de medidas com impacto político. "A gente acabou de fazer um estudo e viu que o Folha Política foi derrubado. Foi para 1% o alcance [da página, em relação ao] que era em maio. É um péssimo site, mas a gente quer que uma empresa privada determine qual site a gente pode ou não ler? Por que não o Jornalivre? Por que não o Cafezinho? Ela define, tem procedimentos internos, tem transparência? Ela está regulando a esfera pública e está tomando decisões sozinha." Pode-se dizer que a arbitrariedade apontada pelo pesquisador da USP é um dos reflexos da onipresença dos bots e de seus impactos.

Na opinião de Ortellado, as empresas de tecnologia terão de ser mais transparentes no futuro. "Eles vão ter que publicizar os princípios que regem o algoritmo, vão ter que se subordinar à fiscalização pública. Isso é inevitável e eles sabem. As empresas estão caminhando para uma autorregulação para tentar impedir uma regulação externa."

Infelizmente, não há esperança de que a "Skynet" seja derrotada num futuro próximo. Em 2018, durante o período eleitoral, "muito possivelmente, toda uma estrutura de bots, ciborgues e personas devem ser utilizadas para a distribuição de links maliciosos produzidos por sites sem qualidade cuja função é propagar publicidade política por meio dessa mega-estrutura de perfis, tanto no Facebook quanto no Twitter", afirma Malini.

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