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Filme

Artista argentina Lola Arias está processando os produtores de 'The Square'

Ela entrou com ação penal contra o diretor e a produtora do filme sueco indicado ao Oscar, Ruben Östlund, por uso indevido de seu nome. "Para o mundo, virei a autora de The Square."
Esquerda: Diretor Ruben Östlund segurando a Palma de Ouro em Nova York, em outubro de 2017. Foto via Facebook. Direita: Lola Arias. Foto: Catalina Bartolome/Via Facebook

O filme sueco “The Square - A Arte da Discórdia”, com Elisabeth Moss e Dominic West no elenco, fez certo sucesso no circuito de festivais e premiações cinematográficas entre o início de 2017 e o começo deste ano: baseado num roteiro que busca ironizar e tirar sarro do mundo da arte contemporânea, o longa dirigido por Ruben Östlund ganhou a Palma de Ouro de Cannes (2017) e foi um dos cinco indicados ao Oscar (2018) de melhor filme estrangeiro (perdeu a estatueta para o chileno "Uma Mulher Fantástica"). O problema é que o filme agora deixa de ser assunto de cinema para ser alvo de um processo judicial.

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A artista, escritora e diretora argentina Lola Arias decidiu entrar com uma ação penal contra Ruben Östlund e a produtora dele, a Plattform Produktion, pelo uso indevido de seu nome e por ter sido sido atribuída como autora da obra que dá nome ao filme. Resumindo: o filme mostra um trabalho “conceitual” chamado The Square (um quadrado desenhado no chão acompanhado por um manifesto: “ The Square é um santuário de confiança e cuidado. Dentro dele, todos compartilhamos obrigações e direitos iguais), criado por uma artista chamada Lola Arias. Mas a Lola Arias real afirma que não tem nenhuma relação com a obra — e a descreve como “uma arte ruim”.

“Essa obra não tem nada a ver com o meu trabalho. É ingênua, uma arte ruim”, disse Arias à VICE. “Não tem impacto político, não é conceitual, é apenas uma má ideia. Mas o principal ponto é que eles não poderiam ter usado o meu nome sem ter pedido permissão e nem ter atribuído a mim uma obra de arte que não tem nada a ver comigo.”

Arias conta que ficou sabendo que seu nome estava sendo utilizado no filme por meio de artigos que saíram em jornais. “Eles poderiam ter pedido para usar meu nome. E aí eu decidiria se autorizaria ou não. Mas eles nao fizeram isso, acho que no fundo nem se importam. Um diretor homem da Suécia provavelmente achou que poderia usar sem problema o nome de uma artista argentina. Talvez ele ache que tenha me dado publicidade. Mas não é assim que funciona.”

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Os advogados de Arias afirmam que vão dar entrada no processo judicial em cerca de três semanas em um tribunal na Alemanha (onde Arias tem residência) ou na Suécia (sede da produtora Plattform).

A VICE entrou em contado com a Plattform. Por e-mail, um assessor de Ruben Östlund disse que o diretor não vai comentar o caso.

Lola Arias passou pelo Brasil no início de março, dentro da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, com um de seus trabalhos mais elogiados, a performance teatral “Campo Minado”, na qual seis veteranos da Guerra das Malvinas (três argentinos e três britânicos) rememoram eventos e situações vividos no conflito que durou de 2 de abril a 14 de junho de 1982 (a Grã-Bretanha saiu vitoriosa).

Nascida em 1976, Arias é dona de obras como a peça “A Família Esquálida” (2001), a performance “Chácara Paraíso” (feita na av. Paulista, em São Paulo, em 2007), a videoinstalação “Veteranos” (2014), entre várias outras. Arias costuma criar trabalhos de forma colaborativa com atores, performers e outros participantes. E, diz, imaginou fosse dessa maneira participativa que aconteceria sua contribuição com o filme “The Square”.

Em 2017, eu li em um jornal que o meu nome estava sendo usado como a autora da obra The Square, o que não havia sido o combinado. Eles nunca me falaram que iriam usar o meu nome. […] Me senti traída."

Lola Arias recebeu um e-mail em 2016 em que era questionada se gostaria de fazer uma audição para o papel de uma artista visual em um filme que iria ser produzido na Suécia. “Eu respondi que era uma artista, não um atriz”, relembra, “então responderam que queriam uma artista real. Eu havia sido recomendada ao diretor sueco por um amigo."

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Segundo a argentina, a produção do filme mandou para ela um material com a descrição do papel da artista que ela supostamente iria interpretar. “No roteiro, a minha personagem se chamava Natalia”, afirma Arias.

A argentina diz que fez a audição e que, depois de idas e vindas (ela teria de ir a Estocolmo rodar algumas cenas), o diretor teria mudado de ideia e que queria fazer uma cena por Skype, e que essa cena poderia ser utilizada no filme.

“Nós fizemos a cena, mas o resultado não foi muito bom, achei meio esquisito, não tinha recebido nem um trecho do roteiro, eu apenas respondia a questões que o diretor me fazia. Foi difícil representar nessa situação, não foi claro o que eu deveria dizer ou fazer.”

Então Arias afirma que mandou um e-mail aos produtores dizendo que não tinha “se sentido bem” e que “queria saber se seria usado no filme”. “Mas eles me retornaram o e-mail dizendo que Ruben me contataria para conversar. Isso nunca aconteceu.”

“E aí, já em 2017, eu li em um jornal que o meu nome estava sendo usado como a autora da obra The Square, o que não havia sido o combinado. Eles nunca me falaram que iriam usar o meu nome, nunca me enviaram um roteiro em que o meu nome era mencionado”, diz a artista. “Me senti traída, porque eu acreditei nele, achava que era uma colaboração artística. Fiquei chocada.”

Os advogados de Lola Arias afirmam que tentaram negociar uma solução com a produtora Plattform no início deste ano, mas que não obtiveram resultado. “Eles não quiseram resolver nada. Disseram que Lola sabia que o nome seria usado. E isso não é verdade. É uma desculpa barata”, diz o advogado alemão Jakob Braeuer.

Braeuer diz que a artista argentina “quer um pedido de desculpa, uma declaração que diga claramente que aquele trabalho não foi feito por ela”. E não descarta pedir à Justiça que o filme não seja mais exibido.

Outro advogado de Arias, o norte-americano Daniel McClean, mostra-se surpreso com a atitude tomada pelos suecos em relação ao filme. “Foi algo bizarro. Alegações de plágio e de direitos autorais são bem comuns nas indústrias da arte e da mídia — podemos usar como exemplo a controvérsia recente entre a artista Lina Iris Victor e os clipes do filme ‘Pantera Negra’. Entretanto, ações sobre falsa atribuição de autoria de uma obra são bem raras. Não está claro o que motivou o diretor e os produtores do filme. O que está claro é que causou danos à artista Lola Arias.”

A artista argentina tenta, agora, se desvencilhar como pode do filme sueco. “Muita gente passou a escrever sobre mim como se eu fosse a autora do trabalho The Square. Para o mundo, virei a autora de The Square que também já fez algumas outras obras. Colegas, curadores me perguntam quando eu fiz essa obra. Me dizem que ficaram surpresos, porque é uma obra bem ruim. Decidi que tinha de tomar uma atitude. A situação chegou a um ponto insuportável.”

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