A golden era do rap de Belo Horizonte é agora
DV Tribo. Foto: Gabriel Cabral/VICE

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Radiografia Urbana

A golden era do rap de Belo Horizonte é agora

As batalhas de rimas ganharam força na capital mineira e impulsionaram a carreira de nomes como DV Tribo, Douglas Din, Tamara Franklin e Matéria Prima.

Este conteúdo é um oferecimento Natura Musical.

Em Belo Horizonte, a movimentação cultural acontece principalmente no centro da cidade. E é nessa região que o hip hop, assim com outras expressões, floresce. Quem mora na cidade e quer curtir um rap, já sabe onde colar: existem os picos tradicionais, tipo O Mercado e a A Fábrica, além da Serraria Souza Pinto e do Mercado Distrital do Cruzeiro, que abrigam alguns eventos. Mas há outros espaços culturais que também atraem público, como a Galeria Oca, que tem recebido shows de rap com frequência. E tem o Viaduto Santa Tereza, o palco mais conhecido e ocupado da capital mineira, onde rolam as batalhas de rimas, que atualmente espalham-se por toda a região metropolitana de Minas Gerais.

No viaduto rola o Duelo de MCs, uma das práticas mais importantes da cena local, cada vez mais jovem e um tanto diversa no que diz respeito às influências sonoras. Se você mergulhar no rap mineiro, vai encontrar mentes sagazes explorando desde as referências essenciais do estilo americano dos anos 1980-90 até o rap mais pesado, passando por coisas bem futurísticas. Ao mesmo tempo em que surgem as inovações, por lá, o estilo bate-cabeça, popular nas antigas, marcado pelas batidas agitadas e letras cheias de bordões, segue invicto. Belo Horizonte abraçou o novo sem virar as costas para o rap rasteiro. O lado sujo, o rolê nas quebradas, sobrevive principalmente nas Zonas Norte e Oeste.

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Entre os artistas de diferentes gerações mais atuantes no momento, vale destacar: DV Tribo, Max Souza, Well, Vinicin, Matéria Prima, Tamara Franklin, Kainná Tawá, Clara Lima, Djonga, Eazy C.D.A., Julgamento, Família de Rua, Bárbara Sweet, FBC, Hot Apocalypse, Vinição, Neghaun, Radical Tee, Chris e Douglas Din. Boa parte da galera costuma produzir suas faixas em estúdios como Giffoni (do DJ Giffoni) e Xeque Mate Produções, que trabalham essencialmente com artistas de rap e colaboram para definir a estética do rap mineiro.

CoyoteBeatz. Foto: Gabriel Cabral/VICE

O beatmaker e produtor CoyoteBeatz também agita a cena. Ele produz beats e grava vários artistas da cidade. Muitas coisas se concretizam por iniciativa do Coletivo Original GE (Geração Elevada), formado por MCs, produtores e estúdios que lançam bastante conteúdo e têm sido importantes para o crescimento da cena. "Acho que geral está pegando e fazendo a coisa acontecer. Não tem que pedir licença pra mais ninguém. O acesso aos meios de produção também tem facilitado pras coisas acontecerem", analisa Pedro Valentim, do coletivo Família de Rua, que organiza o Duelo de MCs e outros eventos de hip hop e skate. Mas ele pondera: "Ao mesmo tempo, percebo que essa música precisa chegar na rua e ocupar os palcos. Existe uma distância entre o barulho que os artistas atuais fazem na internet e como esse trabalho chega nos espaços físicos."

Pedro é um militante do hip hop mineiro há cerca de duas décadas. Começou grafitando no final dos anos 90 e foi tragado pelo rap um tempo mais tarde, no início dos anos 2000. "Comecei mesmo como MC, fazendo freestyle e montando grupo de rap", conta. "Depois, fui estudar comunicação e passei a integrar alguns coletivos e trabalhar produzindo atividades com o intuito de fortalecer a cena local. Integro a Família de Rua desde 2007, quanto ela nasceu." Não é exagero afirmar que o Duelo de MCs botou BH no mapa do hip hop brasileiro, sobretudo a partir de 2012, quando a Família resolveu promover o Duelo de MCs Nacional, projeto que virou o maior encontro de batalhas do país.

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Duelo de MCs Nacional 2016. Foto: Divulgação

O encontro reúne deste então um público médio de 1.500 pessoas a cada edição. E se converteu numa ótima vitrine para vários rappers que foram descobertos ali, como MCs de batalha, e em pouco tempo já desenvolviam seus trabalhos autorais. Recentemente, os membros do coletivo decidiram retomar o trabalho musical e lançaram o disco Ontem, Hoje e Sempre, em parceria com o DJ Giffoni. O álbum foi lançado pelo Natura Musical.

Um dos mais promissores frutos gerados nos encontros promovidos pelos movimentos da cidade é o grupo DV Tribo, célula criativa que reúne alguns dos melhores artistas da atual geração: FBC, Hot Apocalypse, Clara Lima, Oreia, Djonga e CoyoteBeatz. A ideia de juntar vários talentos do rap num só projeto veio da amizade firmada nos encontros de rua e da identificação estética entre eles, o grupo declarou por e-mail. "A proposta não difere muito do trabalho solo dos integrantes", desenrolam, "talvez o principal ponto seja que existe um espaço maior para cada um se aprofundar no que já vinha construindo antes do DV."

Djonga, Oreia, Hot Apocalypse, FBC, Clara Lima e CoyoteBeatz (à frente). Foto: Gabriel Cabral/VICE

Na ativa desde 2015, o DV Tribo lançou no ano passado o clipe da faixa "Geração Elevada", com participações do paulista Síntese, do carioca Sant e do conterrâneo Vinição. Embora tenham se conhecido nos ambientes públicos, os processos criativos do DV Tribo têm sido em estúdio ou nas casas uns dos outros. O foco agora é produzir novas faixas. "Recentemente, fechamos uma parceria com o estúdio Nebula Records, do produtor musical e amigo Fred Paco, onde temos criado bastante e estamos em processo de gravação intenso", revelam. Em breve teremos álbum novo do DV Tribo na praça, mas a rapeize adianta que alguns lançamentos, já engatilhados, vão pintar antes mesmo do encerramento das gravações. "Ainda tem muito por vir. Aguardem", informou o sexteto.

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Outros nomes fortes da cena que estão em estúdio preparando seus próximos álbuns são a Tamara Franklin e o Douglas Din. A Tamara canta rap desde criança. Começou na cena gospel, aos 13 anos, como parte da dupla H2S2, ao lado da irmã Winy, e segue em carreira solo desde 2011. "Até os 20 anos levei esse trampo com o H2S2", relembra a cantora. "Tínhamos um DJ, o DJ Conja, tocamos em alguns festivais, mas aí a minha irmã mais velha, Winy, teve que parar por motivos pessoais, e o DJ mudou pro Rio Grande do Sul. Continuei a dupla com a minha irmã caçula, Talita, mas acabou em 2011, porque aconteceu uma fatalidade e ela morreu."

Desnorteada pessoalmente e artisticamente com a morte da irmã, Tamara precisou se reinventar' e retornou com um trabalho mais político e cheio de influências novas, incorporando ao rap estilos como o baião, batidas africanas, samba e reggae. "Foi um processo muito doloroso de redescoberta artística, pois tudo fica diferente, a gente nunca sai ileso", desabafa. "E eu também fui adquirindo mais idade, mais experiência… Tudo influencia no trampo. Hoje o som tem outra cara, completamente diferente. Comecei a ouvir outras paradas, porque na época era só o rap mesmo. Fui atrás de saber o que eram os sambas que meu pai ouvia quando eu era criança, por exemplo."

Em 2014, Tamara Franklin ganhou destaque no cenário mineiro com o lançamento do single "Anônima", releitura de um baião do Barbatuques. "Gosto muito do trampo deles. Lançamos o clipe e disso nasceu o CD. Num processo bem leve mesmo, de redescobrimento. O álbum saiu em 2016, e a Winy voltou a trampar comigo, dessa vez na produção", conta ela. O novo álbum, planejado para 2018, vai se chamar Você Fugio e chegará com acentuada temática feminista e antirracista. "Eu me coloco sempre no lugar de mulher, preta e periférica. Hoje estou mais atenta a essas questões", argumenta. "A faixa 'Vem vê' demarca muito essa coisa de mulher preta. E tem 'A Rosa e o Cravo', que estará no próximo disco. É uma música que fala de uma menina que sofre violência doméstica e luta pra combater aquela opressão."

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A inovação musical de Você Fugio, além do fato de que agora ela conta com uma banda, é a incorporação de ritmos como o congado e o carimbó. "Tenho estudado muito o congado, que é uma parada bem mineira, um legado da afro-diáspora. Queremos ampliar a proposta de misturar ritmos. Eu acho uma delícia." A grafia do nome do álbum, com "o" no final, remete ao modo como eram escritos os anúncios de fugitivos na época da escravatura. "É aquela parada de preta fujona mesmo. Fujona do sistema", Tamara enaltece.

Por sua vez o Douglas Din, cria e vencedor de uma dezena de batalhas às sextas no palco do Viaduto Santa Tereza, desenvolve atualmente um disco em parceria com o beatmaker Enece. A obra, já na fase de gravação, contará com algumas participações da cena rap nacional. "Enquanto ele não sai, sigo apresentando as batalhas do famigerado Duelo de MCs, pegando meu violão e cavaquinho pra alegrar o coração e fazendo minha parte no Bala da Palavra, a banda mais preta, representativa e bonita da cidade", brinca ele.

Aos 26 anos de idade, com a desenvoltura adquirida no freestyle o MC se dedica cada vez mais à composição. A nova fase autoral se iniciou em 2014, com a chegada de seu primeiro álbum cheio, intitulado Causa Mor. Em 2015, veio Ensurdecedor, uma despretensiosa leitura pessoal sobre aspectos gerais da vida cotidiana belo-horizontina e seus efeitos. Recentemente, Din lançou o single "Ah Mah", dentro do projeto Free, que consiste numa série de experimentações cruzando diferentes estilos musicais. "Gueto" foi a pedrada sequencial. Na faixa, ele homenageia o lugar onde nasceu e cresceu, a Vila Santana do Cafezal.

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O single mais recente, "Preto", saiu em novembro do ano passado. "Com todo o peso da luta pelos direitos da população negra do país e do mundo, este é o meu hino de guerra", reivindica ele, ao mesmo tempo em que comemora o prolífico momento do rap mineiro: "Entre conhecer o Mano Brown e fazer um show na entrada da Rocinha não tem muita diferença. Estar no palco com o Marechal ou no meio da plateia da Batalha do Conhecimento é felicidade igual. Com Emicida aprendi a rimar, mas com a Família de Rua aprendi a viver. Muito amor a todos. Essa é a nossa cena!".

Djonga. Foto: Gabriel Cabral/VICE

Nascido e criado nas margens de Belo Horizonte, Djonga é o principal nome da cena rap mineira hoje. Ele envolveu com o rap após começar a participar frequentemente do Sarau Vira Lata, no final de 2012. Tendo como influência direta o funk, o rock e o rap, em 2014 lançou vários singles e realizou uma série de shows em BH e região. Em junho de 2015 lançou seu primeiro EP, Fechando o Corpo, trabalho que contou com um lançamento histórico nas redes, nas ruas e no Puta Espaço Cultural. Seu álbum de estreia, Heresia, com uma espirituosa capa em que o rapper aparece duplicado, homenageia o clássico Clube da Esquina (1972). Lançado em março deste ano, já pode ser considerado um dos melhores e mais comentados álbuns de rap de 2017.

Clara Lima. Foto: Gabriel Cabral/VICE

Clara Lima tem 18 anos e deu seus primeiros passos como artista nas batalhas de rimas improvisadas no início de 2014. Venceu a seletiva mineira para a Liga Feminina de MC's, e, desde então, vem se destacando por onde passa. É integrante do coletivo Mina No Mic. No último ano, lançou seus primeiros singles: "Sonho de Criança", "Infância" e "Não é a Solução", produzidos por Sérgio Giffoni.

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CoyoteBeatz. Foto: Gabriel Cabral/VICE

CoyoteBeatz iniciou sua carreira como beat maker na música eletrônica. Progressivamente, começou a trabalhar em faixas com uso de samples, citações e material de sonoplastia, aproximando-se do campo da trilha sonora. Dono de um sólido histórico de trabalhos na cena hip hop nacional e internacional, o músico registra parcerias com nomes como Emicida, Akua Naru, The Underachievers, Cachorro Magro, Rashid e Grupo Giramundo.

FBC. Foto: Gabriel Cabral/VICE

Fabrício FBC, nascido e criado na região metropolitana de BH, é um dos maiores campeões do Duelo de MCs e transita por vários coletivos da cidade, gerando frutos importantes como o projeto Mestre Sem Cerimônia, do coletivo Família de Rua. "Encardido como os prédios de BH", assim ele define o próximo trabalho solo, intitulado BH Estado da Mente. Seus trabalhos anteriores são os EPs Caos e Stand By.

Hot Apocalypse. Foto: Gabriel Cabral/VICE

Hot Apocalypse é MC e marionetista, vai do rap ao teatro de bonecos. Neto do artista plástico Alvaro Apocalypse cresceu em meio ao universo do teatro de bonecos dentro do Grupo Giramundo Teatro de Bonecos, fundado por seu avô. Em meados de 2009 conheceu o Duelo de MCs e começou a atuar na cena. Em 2013, lançou o EP Borboletas Não Morrem. Além do rap e do teatro de bonecos Hot é articulador do Sarau 'Vira Lata', movimento literário itinerante que roda há quatro anos pelas ruas da capital mineira.

Oreia. Foto: Gabriel Cabral/VICE

Gustavo "Oreia" é MC e participante ativo dos saraus e duelos de Belo Horizonte. Improvisa desde os 13 anos. Hoje, aos 24, já se apresentou em São Paulo, Distrito Federal, Bahia, e ganhou diversas batalhas do Duelo de MCs. Oreia é idealizador do Coletivo Zandra, que produz eventos culturais na cidade. Pé do Ouvido, seu primeiro EP, saiu em 2016.

Tamara Franklin no festival Sonora. Foto: Divulgação.

Os MCs do Família de Rua. Foto: Pablo Bernardo/Divulgação

Douglas Din no Duelo de MCs. Foto: Pablo Bernardo/Divulgação