Moda refugiados
Fotos: Frédéric Delangle e Ambroise Tézenas com Valérie, Marion, Vanessa e Sabrina, voluntários no Emmaus Solidarity

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Viagem

Por que a moda pode ser vital para os refugiados

“Acho que se você estiver mal vestido, todo mundo te vê como apenas outro refugiado.”

Ano passado, um homem jovem do Afeganistão entrou no EMMAÜS Solidarité em Paris – um centro humanitário que vem oferecendo apoio para cerca de 60 mil refugiados tentando fazer da França seu lar. Depois de viajar por meses, ele estava precisando de calçados – e tinha um pedido bem específico. Ele pediu tênis que “não fosse feios, mais como os do JAY-Z”.

Os voluntários adoraram quando ele pediu isso, porque mostrava como é fácil desvalorizar a importância social de roupas para refugiados – que, por várias razões óbvias, podem considerar outros fatores além da funcionalidade básica de uma roupa. O caimento e estilo de uma peça podem ajudá-los a se sentir iguais as pessoas que passam por eles nas ruas, ou complementar suas personalidades. Ou, talvez, só ficar bem neles.

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Daquele momento em diante, os voluntários decidiram perguntar a mais refugiados como exatamente eles escolhiam suas roupas das bacias de sapatos, casacos e calças doados. Trabalhando com os fotógrafos Frédéric Delangle e Ambroise Tézenas, essas conversas acabaram inspirando a exposição “Des S neakers C omme Jay-Z”.

As imagens e as histórias que as acompanham foram expostas primeiramente nas paredes da EMMAÜS Solidarité e depois foram para o festival de fotografia Rencontres d'Arles em Arles, uma cidade no sul da França. Para quem não visitou, aqui vai uma amostra das fotos e histórias da exposição.

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Ibrahim, 18 anos, Guiné

"As outras roupas que tenho foram doações de amigos. Eu não tenho nada. Gosto de preto, desse moletom preto. Cheguei aqui sexta-feira. Antes, estava na rua. Não tenho muito além do que estou vestindo agora."

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Ibrahim, 23 anos, Costa do Marfim

“Escolhi esse casaco preto porque preto combina com tudo. Também é um símbolo das minhas origens – sou africano, minha pele é negra e eu gosto de tudo que é preto. Como refugiado, é muito importante se vestir bem. Tem um velho ditado que diz: 'É melhor fazer as pessoas gostarem de você do que fazê-las ter pena de você'.”

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Haroun, 24 anos, Chade

“É assim que gosto de me vestir – isso reflete meu estilo pessoal. Mesmo se você me desse cinco mil euros, eu escolheria as mesmas roupas. Em Chade, eu me vestia assim também – bem, exceto pelo casaco. Eu não precisaria dele naquele clima.

Aqui na França, as pessoas se vestem de maneira similar, mas diferente, comparado com meu país. É difícil explicar, mas é diferente. E com esse casaco, me sinto na mesma posição que todo mundo. Quando você vem para o país de outras pessoas, acho que é natural se adaptar ao jeito como elas vivem. Também é importante para mim parecer bem para poder encontrar um trabalhou ou possivelmente estudar.”

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Idriss, 20 anos, Costa do Marfim

“Primeiro, escolhi roupas pretas porque adoro cores escuras, já que é mais difícil de sujar, então você fica com uma boa aparência. Minha marca favorita é Nike, e meus exemplos de moda são Fally Ipupa e o cantor marfinense Abou Nidal. Se você está bem-vestido, as pessoas vão te respeitar, o que te ajuda a ficar seguro.

Se meus amigos pudessem me ver agora, eles diriam que voltei a me vestir bem como sempre fiz, o que seria reconfortante. Sabe, tive que deixar minha vida inteira para trás; tudo foi tirado de mim – minhas roupas, certidão de nascimento, diploma, tudo.”

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Lassane, 20 anos, Gâmbia

“Adoro preto, e escolhi essa calça porque Nike é minha marca favorita. O jeito como me visto agora me deixa confiante para me misturar com todo mundo.

Em Gâmbia, quase sempre eu usava roupas Nike autênticas, importadas da Inglaterra. Na África é fácil encontrar roupas falsas, mas você sempre consegue ver a diferença entre essas e as coisas de verdade. Se você quer ser respeitado, é natural se vestir bem. Mas quando você é um refugiado, você tem que ficar feliz com o que te dão.”

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Waqar, 23 anos, Afeganistão

“Agora que estou aqui, uso jeans e camisetas porque tenho que me adaptar à cultura. Em Cabul, você pode se vestir assim se trabalhar num escritório. Algumas mulheres usam jeans lá, mas não muitas – eu diria que 99% delas usam roupas tradicionais.

Dito isso, a situação em Cabul ainda é muito melhor que no resto do país. O Afeganistão não tem redes de energia, internet ou celulares, então as pessoas não tem acesso às últimas tendências. Além disso, o Talibã não permite que você se vista como quiser. Eles podem te bater por se vestir de um certo jeito. Por exemplo, se você usa jeans, eles vão te mandar uma carta te mandando parar. E se você continuar usando, tudo pode acontecer – você pode até ser morto. E você nunca sabe quem está trabalhando para o Talibã. Pode ser seus vizinhos, e você não sabe.”

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Aboubacar, 21 anos, Guiné

“Não tenho mais outras roupas, porque hoje de manhã a polícia jogou gás lacrimogêneo na minha barraca. Fugi, e quando voltei não tinha mais nada lá.

Escolhi essa calça cáqui porque bege é minha cor favorita. Gosto do que é único. Ser estiloso significa atrair pessoas e presenteá-las com uma boa imagem sua. As roupas tradicionais da Guiné são muito coloridas – camisetas não são parte da nossa cultura. Em vez disso você tem um estilo com túnicas.

Pode ser divertido usar essas coisas numa festa, mas não sou muito fã daquele estilo tradicional; ele é mais para as gerações mais velhas. Mas aqui, você quer parecer e viver como todo mundo. Não quero ofender ninguém – vim para cá para me conformar às normas francesas, não quero confusão.”

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Sharif, 24 anos, Afeganistão

“Acho que se você se veste mal, todo mundo só te vê como outro refugiado. Escolhi cores escuras porque são mais difíceis de sujar, nem sempre tenho acesso a máquinas de lavar aqui. Os calçados também são muito importante, especialmente quando está frio. Tenho calçados, mas eles estão furados, então quando chove tenho que usar sacos plásticos para protegê-los.”

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Bilal, 24 anos, Afeganistão

"Eu dormi no frio, sob a neve, mas agora está melhor. Nós, afegãos, amamos americanos, franceses, alemães, búlgaros, e eles usam jaquetas e jeans … Mas o Talibã não nos deixa usar o que queremos. Se estamos de jeans, eles dizem que vão matar a todos nós. Roupas novas são uma nova vida. "

Matéria originalmente publicada pela VICE França.