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Kayla Stocklas (esquerda) e Chantelle estão juntas há nove anos e terminaram pelo menos umas 20 vezes. Todas as vezes, elas começam a sair e se apaixonar por outra pessoa, mas não conseguem ficar separadas de vez. Kayla sofre consequências de saúde severas por causa desse padrão: às vezes ela para de comer e fica na cama por dias. Ela faz terapia e toma antidepressivos para ajudar a lidar com seus sentimento. Kayla e Chantelle dizem que são viciadas uma na outra. Troy, Nova York, 2011. 

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Fotos

Estas fotos registram os erros do capitalismo na vida duma cidade pequena dos EUA

Por 14 anos, fotografei garotas do norte do estado de Nova York que cresceram do mesmo jeito que eu, com recursos limitados numa cultura norte-americana que promove escapismo através de consumo constante.

Matéria publicada na Edição Burnout and Escapism da revista VICE. Clique aqui para assinar.

Tomei meu primeiro gole de álcool quando tinha 12 anos, e apaguei. A lenda da minha família é que eu estava seguindo os passos do meu pai e do pai dele, que bebiam até cair no começo de suas carreiras com as bebidas. Apesar de só ter vivido na esteira dessas bebedeiras, elas devem ter gerado em mim a ideia de que a vodka barata na nossa cozinha podia ser um antídoto para a dor. Ela podia amortecer a perda gutural que senti quando meu primeiro namorado de verdade, ou o primeiro garoto que considerei meu namorado, começou a sair com balconista da loja de conveniência do bairro. Eu estava apaixonada. Eu sabia que conseguiria lidar com o ciúme e o coração partido, mas não conseguia me imaginar me entregando ao sentimento de estar apaixonada. Eu não sentiria saudades dele, mas daquela emoção. Mesmo antes de começar a beber, eu tinha certeza que muito da vida não estaria ao meu alcance, e assistia horrorizada todo mundo ao meu redor ir do nascimento até a morte com poucas evidências de ter realmente lutado.

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No começo do nosso relacionamento, eu estava certa. O álcool se provou mais confiável que o amor. Eu tinha essa sensação de futuro sem limites, mesmo quando larguei a escola, ou quando tinha um dos meus frequentes problemas com a polícia. Dois anos, dois casamentos fracassados, e muitas noites esquecidas depois, meu padrinho do AA me olhou nos olhos e disse que alcoólatra é uma pessoa com um buraco na alma e que vai usar coisas vazias para preenchê-lo. Nada meramente físico, percebi, vai permanecer – por isso usamos cada vez mais, até ficarmos sóbrios, ou morrer, ou, talvez pior ainda, não morrer. O que continuava voltando era a expectativa de que, quando eu ficasse sóbria e ajudasse outros, eu seria útil. Quando eu conseguisse manter e compartilhar minha sobriedade, meu padrinho me garantiu que eu seria necessária para o mundo. Por anos, eu tinha assistido a vida ser quase tolerável por praticamente todo mundo que eu conhecia. Me senti honrada que alguém me entregasse a tarefa de ser humana.

Desde então, publiquei dois livros, ambos dedicados ao meu padrinho. O mais recente, Upstate Girls, contém as imagens apresentadas aqui. Agora estou exatamente onde deveria estar. Eu estava sóbria há 16 anos quando conheci pessoas jovens do norte do estado de NY que cresceram quase do mesmo jeito que eu. Elas me reintroduziram a algo que, por muito tempo, me escapou. Assistir a vida delas se desenrolar tem sido um tipo de droga pra mim. Em vez de esvaziar uma garrafa, sou obrigada a testemunhar a verdade. A clareza que busquei através da dependência tinha literalmente entrado em foco, enquanto eu olhava o que nos separa uns dos outros – esses buracos na nossa alma que tentamos preencher com qualquer coisa que esteja disponível. E o sentimento de euforia quando uma foto evoca a única coisa que pode realmente preencher esse vazio: amor.

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Big Jessie, algumas semanas depois de sair da prisão, 2005.

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Big Jessie em prisão domiciliar, 2004.

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Big Jessie e a mãe, Terri. Troy, Nova York, 2007.

“Big” Jessie Schubart nunca tinha sido presa até acidentalmente colocar fogo num prédio abandonado em seu bairro. Ela foi colocada em prisão domiciliar, mas depois de ser pega andando por uma escola abandonada com a irmã e alguns amigos, ela foi mandada para a cadeia por dez meses. Foi lá que ela recebeu seu diagnóstico: ansiedade de separação, transtorno de estresse pós-traumático e depressão. O pai de Jessie era alcoólatra, mas com apoio da igreja, ele ficou sóbrio e recuperou a guarda de Jessie e sua irmã, Dana. Os efeitos da separação do pai renderam a Jessie uma pensão por invalidez e uma prescrição de Zoloft. Quando ela saiu da cadeia, as crenças cristãs da igreja e de seu pai foram uma grande força na vida dela.

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Andi-Lynne aos 12 anos.

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Andi-Lynne aos 15 anos, na semana em que ela foi liberada de seu abrigo. Troy, Nova York, 2007.

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Andi-Lynne, grávida de seu filho mais novo. Troy, Nova York, 2014.

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Andi-Lynne segura uma imagem de FaceTime de sua filha mais nova. Ela perdeu a guarda da filha por causa de seu vício em ecstasy.

Durante sua primeira passagem por um abrigo, Andi-Lynne Cavanaugh foi diagnosticada com TEPT, transtorno de ansiedade generalizada e depressão, e recebeu prescrições para Seroquel e Prozac. Ela foi liberada depois de três meses e foi morar com a meia-irmã, Kayla Stocklas, porque sua mãe e seu pai brigavam muito quando ela estava presente, e a mãe achou melhor que ela saísse de casa. Agora Andi-Lynne tem 28 anos e três filhos. Em 2017, quando vivia uma situação de violência doméstica, ela foi introduzida ao ecstasy. Ela se tornou dependente e perdeu a custódia da filha mais nova para o pai. Atualmente ela está lutando com a depressão e tentando terapia. O namorado atual dela tem a guarda dos dois filhos, e ela mora com eles no apartamento dele.

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Tony Stocklas com os anos— em 2007, 2014 e 2018.

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Tony Stocklas com os anos— em 2007, 2014 e 2018.

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Tony Stocklas com os anos— em 2007, 2014 e 2018.

Kayla Stocklas e sua mãe tiveram o primeiro filho com 17 anos. Tony, o filho de Kayla, começou a ser suspenso da escola no segundo mês do jardim de infância. No final daquele ano escolar, ele tinha recebido vários diagnósticos: TEPT, transtorno bipolar, TDA e transtorno desafiador de oposição. Ele começou a tomar remédios para conseguir aguentar os dias de aula e foi colocado em classes especiais. Call of Duty Black Ops se tornou sua companhia constante, e em cada suspensão, sua mãe tirava o jogo dele como punição. Em uma dessas vezes, na primavera de 2010, ele ameaçou pular da janela do apartamento no segundo andar, então foi mandado para um centro de crise e passou por uma reavaliação dos medicamentos. Este ano, Tony passou a maioria dos seus dias fora da escola jogando videogame, e às vezes se recusava a ir para a aula para poder ficar em casa jogando. Muitos de seus tios e tias jovens são gamers, então geralmente tem dois ou três consoles ligados na casa – e é uma tortura para Tony ver os outros jogando quando seu privilégio é suspenso.

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Chantelle num carro com as cinzas da tia, Corrina Lee Cota. Ela criou Chantelle, e era como uma mãe pra ela.

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Terri Lyn Secore e o namorado.

Terri Lyn foi diagnosticada com transtorno bipolar e depressão, e lutou com um vício em crack por anos – ela conseguiu ficar sóbria por mais de um ano. Ela estava morando mais ao norte, em Plattsburgh, onde ficava seu médico, mas voltou para Troy para ficar perto da filha, Chantelle. Terri Lyn às vezes não conseguia um transporte para ir até suas consultas, e se voltou para as drogas de rua para lidar com a dor. No dia 16 de maio de 2018, Terri Lyn morreu no “Pigeon Park”, um ponto de encontro para as pessoas de rua de Troy, depois de cheirar heroína batizada com fentanil. Chantelle, que cresceu em vários abrigos, ficou devastada. Sua mãe era o último membro vivo de sua família imediata.

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Kandice em seu quarto na casa da mãe. Troy, Nova York, 2011.

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Um saco de sobras de Dunkin’ Donuts.

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Um pôster apoiado na parede.

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Kandice traz seu recém-nascido, Brayden, do hospital para seu quarto na casa da mãe em 2012.

Kandice tem um pai diferente da maioria dos irmãos e irmãs, e diz que isso a fazia sentir uma pária. Quando ela tinha 12 anos, seu pai ganhou sua custódia total e ela foi morar com ele até os 18. Ela sofreu quando esteve longe da mãe, e acabou num centro de crise sob risco de autoflagelação. Morando com o pai, Kandice estudou numa escola católica, e ele a criou com muitas regras, o que era uma grande diferença do caos da vida com a mãe e sua outra família. Assim que saiu da casa do pai, ela desfrutou de toda a liberdade que seus irmãos tinham. Naquele primeiro ano, ela conseguiu seu primeiro emprego e seu primeiro namorado, se apaixonou e teve um bebê. Kandice é a primeira pessoa de sua família a viajar de avião. Ela economizou o dinheiro que ganhava trabalhando numa lanchonete e comprou uma passagem para visitar uma amiga da escola no Tennessee.

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Lawrence em sua cama. Troy, Nova York, 2007.

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Madison sentada em sua cama com o uniforme Burger King. Troy, Nova York, 2018.

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Madison em seu quarto. Troy, Nova York, 2018.

Conheci Lawrence quando ele tinha 12 anos e estava morando num abrigo para sem-tetos com a mãe e duas irmãs. Eles moravam no mesmo quarteirão que a maioria das famílias apresentadas no livro Upstate Girls, até que o teto do apartamento deles caiu por causa de uma chuva pesada. Lawrence tinha 15 anos quando conheceu o primeiro namorado, e oito anos depois, ele começou sua transição para Madison. Lawrence e sua família ficaram sem ter onde morar 75 vezes antes de conseguirem um apartamento permanente, e foi lá que Madison começou a emergir. Segundo Madison, Lawrence era um “saco” e uma pessoa muito infeliz. Madison diz que sua dramática perda de peso é porque ela está “se tornando a pessoa que deveria ser”.

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