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Tecnologia

Ao que parece, há gente que acredita que a Terra tem forma de donut

Refutamos uma teoria que não era preciso refutar.
Terra Donut
Captura de ecrã via YouTube.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE US.

A Internet está cheia de paródias sobre a ultimamente demasiado divulgada teoria da Terra Plana: há contas de Twitter dedicadas à teoria da Terra "Dodecaedrica", da Terra em forma de banana, de taco e de dinossauro. Lamentamos informar que há outra destas teorias que, apesar de parecer tão absurda como as restantes, parece ter uns quantos defensores acérrimos: a teoria da Terra em forma de donut.

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Sim, há gente na Internet que assegura que o nosso Planeta não é nem plano nem esférico, mas sim de forma tórica, um termo científico para se referir a algo que parece uma rosca. A ideia apareceu pela primeira vez em FlatEarthSociety.org, numa thread de 2008 começada em tom humorístico por um utilizador misterioso chamado Dr. Rosenpenis, mas que um dos pioneiros da sociedade terraplanista, Varaug, apresentou detalhadamente em 2012.

Segundo a teoria, há um enorme buraco no centro do nosso Planeta, que não conseguimos ver porque, como explica Varaug, "a luz segue a curvatura gaussiana, fazendo com que o buraco seja 'invisível'". Esta tese suscita uma catrefada de perguntas sobre a gravidade, às quais Varaug trata de responder com uma metáfora não muito convincente. "Imaginem um donut, um donut recheado de marmelada. A gravidade é a marmelada".

Ao longo dos anos, as ideias de Varaug têm vindo a reaparecer de forma esporádica. Em 2016, utilizadores da Sociedade da Terra Plana redescobriram a thread e começou então a proliferação de explicações no Youtube e modelos teóricos desta hipótese. Um utilizador apelidado Dinosaur Neil escreveu: "Fico contente por ver que há outros defensores da teoria da Terra toroidal por aqui. Há muito tempo que a promovo, mas ninguém me apoiava, não percebo porquê".


Vê: "Conhece algumas das pessoas que acreditam que a Terra é plana"


Bem, para começar, porque não tem base científica. A teoria da Terra em forma de donut "não começa com uma pergunta à qual devamos responder", salienta Tabetha Boyajian, uma das astrofísicas que detectou um fenómeno noutro sistema solar que vários meios de comunicação trataram de classificar como possível estrutura alienígena. "Tudo começa com um 'E se fosse isto?' e a partir daí tentam justificar-se as coisas". Tyler Ellis, estudante universitário e auxiliar de Boyajian, acrescenta que Varaug não aporta termos coerentes para debater a hipótese, o que é essencial no processo científico.

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Mesmo se lhe déssemos o benefício da dúvida, a teoria da Terra em forma de donut não se sustenta cientificamente por nenhum lado (na VICE temos tentado contactar Dinosaur Neil e outras pessoas que parecem levar a sério a hipótese, mas não temos recebido respostas). Uma Terra em forma de donut não teria noite e dia, nem nascer e pôr do sol tal como os conhecemos neste nosso mundo esférico, com uma rotação de 24 horas, segundo observa Boyajian. Além disso, a luz solar iria incidir no Planeta de forma mais irregular do que agora, pelo que as estações variariam enormemente em função do ângulo em que se encontrasse o donut relativamente ao sol. Os ventos seriam tão potentes que as condições climatéricas extremas tornariam a vida numa Terra tórica muito difícil.

O professor de Oxford, Anders Sandberg, descreveu com maior detalhe ao i09 o quão distintas seriam as condições num planeta em forma de donut. Por exemplo, a gravidade seria consideravelmente inferior perto dos equadores interiores e exteriores e maior ao pé dos polos. A velocidade de escape seria menor, o que facilitaria o lançamento de foguetes nos pontos adequados. Aqueles que habitassem regiões próximas do buraco teriam duplas estações, como um segundo inverno em pleno Julho. O efeito mais destacável seria o tempo. Num planeta em forma de donut, as nuvens estariam três vezes mais distantes e seriam movidas por ventos muito mais potentes.

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Boyajian e Ellis deram-nos dois exemplos simples dos fenómenos físicos que a teoria da Terra em donut não pode explicar. O primeiro é o pêndulo de Foucault, que mostra os efeitos físicos da rotação terrestre, cujo índice corresponde ao de um corpo esférico.

O segundo é a forma da sombra da Terra durante um eclipse. Um planeta com forma de donut projectaria uma sombra parecida, e não a sombra redonda que os terráqueos documentam há séculos.

Outro problema ainda mais óbvio que esta teoria introduz é que qualquer um que estivesse no anel interior poderia ver o outro lado apenas ao olhar para cima, segundo afirma Boyajian. Varaug argumenta que o buraco é "invisível", porque a luz segue a curvatura gaussiana", mas Boyajian assinala que o único caso em que veríamos a luz curvar-se dessa maneira seria nos corpos de maior tamanho do universo, como buracos negros gigantes.

"A única coisa que esta teoria diz é: 'Sabes que mais? Vou inventar uma coisa sem qualquer razão'", afirma Boyajian. E acrescenta: "E não é assim que se desenvolvem teorias".

A teoria da terra em forma de donut é só mais uma num cosmos de paranóias, teorias da conspiração e histórias secretas, que se converteram em pilares do entretenimento e do discurso político. No que diz respeito a teorias da conspiração, também há muito por onde escolher: Terra plana, manifestantes pagos, o efeito Mandela, os Illuminati, extraterrestres que construíram as pirâmides… No caso improvável de que alguém te venha dizer que a Terra é um donut gigante, diz-lhe para ler isto.


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