MC G3 era a voz do funk proibidão carioca

Paulo César da Silva, o MC G3, era uma voz. O rosto talvez passasse despercebido até mesmo para os fãs, mas seu timbre o fazia inigualável. Não havia mais ou menos: G3 sempre cantava em tom agudo, aos gritos, fazendo força na garganta para que a voz saísse rasgada como a de Elza Soares. Jamais apareceu em programas de auditório da TV, também não era o favorito nas rádios FM. Suas letras são crônicas sobre tráfico de drogas, guerras de facção, assassinatos violentos; tornou-se “funk proibido”. Sua arte, assim como sua morte na tarde de quarta-feira (15), são frutos de uma realidade crua demais para serem digeridas facilmente.

G3, de 37 anos, foi assassinado na própria residência, localizada em uma rua pacata do bairro da Vila São Luís, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Criminosos invadiram o local e dispararam três vezes contra o cantor, que foi encontrado na sala pelos policiais.

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De acordo com a Polícia Militar, depois da execução de G3, o grupo roubou um táxi em Bonsucesso, na Zona Norte, e seguiu até Copacabana, na Zona Sul, para assaltar um posto de gasolina. Na fuga, um celular caiu no chão. Policiais do 19° BPM (Copacabana) resgataram o aparelho, que continha mensagens com detalhes do assassinato cometido momentos antes. “Não pega vários bagulhos não, só os ouros”, dizia um dos comentários trocados entre os assaltantes. Com as informações em mãos, o batalhão da Ilha do Governador (17° BPM) realizou uma operação no Morro do Dendê e conseguiu prender quatro homens e uma mulher. No local, pertences do músico como tênis, cordões e celular foram recuperados, e a arma do crime foi encontrada.

“Conseguimos encontrar os criminosos devido a ação integrada entre o 19° BPM (Copacabana) e o 17° BPM (Ilha do Governador). Eles estavam todos reunidos dentro de uma casa, e ali estavam também os pertences do músico. Conseguimos recuperar praticamente tudo”, disse o capitão da PM Michel Gauí pelo Twitter oficial da polícia militar do Rio.

A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) é quem conduz o caso, e uma das linhas de investigação já consideradas é a de que a execução tenha relação com a obra de G3. O Morro do Dendê, onde os suspeitos foram encontrados, é controlado há décadas pelo Terceiro Comando Puro (TCP), rival do Comando Vermelho.

Criado na Cidade Alta, favela da Zona Norte do Rio que durante décadas viveu em confronto com a vizinha Parada de Lucas, Paulo César da Silva foi um dos pilares do funk proibidão, cujas letras abalaram a sociedade carioca na segunda metade da década de 1990. Uma das suas primeiras aparições é no disco da equipe Pipo’s, de 1999. A letra “tu vai tomar de G3 / tu vai tomar de G3” batizaria para sempre o cantor, que na gravação da faixa ainda não possuía o que viria a ser a marca registrada: a voz aguda, rasgada e rouca, quase como um berro.

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Branco, de olhos verdes e um tanto desengonçado para dançar, G3 quase sempre se apresentava de cabelo descolorido. Versando sobre as tramas das facções criminosas da cidade, prosperou e emplacou um sucesso atrás do outro — as coletâneas de proibidão eram vendidas em CDs e fitas cassete pelos camelôs da cidade. Um dos mais famosos é o funk que ficou conhecido como “Cheiro de Uê Queimado”, paródia do axé “Carro Velho”, de Ivete Sangalo. O cantor narra em detalhes a rebelião de 11 de setembro de 2002 ocorrida no presídio de Bangu 1. Durante as 23 horas de motim, quatro traficantes foram mortos; entre eles estava Ernaldo Pinto Medeiros, o Uê, fundador da facção Amigos dos Amigos (ADA). Inimigo até as últimas horas do traficante Fernandinho Beira-Mar, Uê foi enrolado em um colchão e queimado vivo na cela. O episódio mudou radicalmente os rumos das facções cariocas, mas também o caminho de G3. Cada vez mais vinculado ao Comando Vermelho, foi proibido de dar shows em favelas rivais, e volta e meia era alvo de investigações da Polícia Civil.

Em 2006 a Polícia Civil acusou G3 e outros MCs de apologia ao tráfico. O inquérito não o deteve o “General”, como era conhecido. Entre 2006 e 2008, o funkeiro fez shows ao lado do MC Chuck 22. Nas apresentações, cada lado defendia uma facção: G3 rimava a favor do Comando Vermelho, enquanto Chuck improvisava defendendo o ADA. O cerco apertou — mas não pegou — em dezembro de 2010, auge do histórico confronto entre a polícia e traficantes do Complexo do Alemão. Após investigação da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), a polícia carioca prendeu vários MCs do “proibidão”, como os irmãos MC Frank e Tikão, além de MC Smith e MC Max. O grupo ficou mais de uma semana na prisão. MC G3 sequer fora citado.

G3 tinha na letra a violência e o sarcasmo típicos do funk “neurótico”. É dele também o funk “Olha o cheiro da marola”, entoado até hoje nos estádios Brasil afora, principalmente quando a torcida rival deixa a arquibancada mais cedo. No Maracanã, o funkeiro também era lembrado a cada gol do atacante Paolo Guerrero, ex-Flamengo: o “Acabou o caô / o Guerrero chegou” é uma versão de “Acabou o caô / o General chegou”. Curiosamente, Guerrero fora apresentado ao Internacional horas antes do assassinato do cantor. Em sua chegada no clube de Porto Alegre, a torcida colorada que o aguardava no aeroporto não hesitou em cantar o “Acabou o caô”.

A VICE Brasil entrevistou MC G3 em junho para ouvir sua opinião sobre o funk 150 BPM. “Aqui ninguém se preocupa em fazer uma produção musical maneira, um videoclipe legal. São Paulo sai muito na frente em tudo isso”, disse na época. Ele tinha planos de gravar um álbum. “Por isso eu, o Terrível, já que não posso cantar meus proibidões por problemas particulares, por motivos de força maior, vou seguir com o meu funk consciente. Estou produzindo meu CD, o G3 Duetos, que vai ter participação de Cidinho, Gil do Andaraí e MC Marcelly, entre outros”.

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