Faz um tempão que o MC Kauan se esquiva da grande mídia e contorna a cena mainstream do funk pela beirada, fazendo sucesso da sua maneira e conquistando o público sem a necessidade desse empurrãozinho. Você pode procurar por aí, mas as chances de encontrar uma entrevista do cara em algum jornal como a Folha de S. Paulo são nulas. Fica muito difícil de entender quem é esse MC, aquele clima de mistério gostoso que dá ainda mais vontade de curtir o lance. É por isso que, quando rolou a oportunidade de cobrir o lançamento do seu DVD, o A Fúria dos Palhaços, gravado em 11 de outubro de 2015 — dia do seu aniversário! — no Estádio do Canindé, não deu pra recusar. Era uma obrigação tentar descobrir um pouco mais sobre o MC que fala mais sobre vilões do que de bumbum (seja ele granada ou não).
Com essa responsa, eu e o editor-chefe da VICE, o André Maleronka, fomos, na última quinta-feira (21) na porta da Nitronight — uma casa de festas localizada no bairro Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo, que recebe as melhores atrações do funk. Fomos recebidos por ninguém menos do que Dona Nalva, a mãe e empresária do funkeiro, que nos acolheu junto da sua equipe e nos levou até o backstage para esperar a chegada do filho. No camarim, tivemos uma pequena prova do que seria a grande noite: os mais diversos palhaços sentados com seus copos de energético, esperando ansiosamente pela hora do show.
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Eu infelizmente não pude colar na gravação, mas soube de alguns amigos que a noite foi sensacional. Na verdade, o DVD está bem longe de ser um compilado de hits do MC, mas a prova do seu talento natural para o espetáculo. O show começa como uma peça de teatro, com um cenário que lembra a sala de uma mansão digna do jogo Detetive, e personagens meio zumbis discutindo a respeito de uma misteriosa caixa. Então uma criatura das trevas entra em cena, convocando todos os palhaços do inferno para dominarem o palco, ao som de um dubstep demoníaco. E já que o apocalipse está oficialmente instaurado, é hora da entrada triunfal do MC Kauan, que aparece de terno, gravata, camisa social e a característica máscara do Coringa. O Estádio do Canindé tremeu com a chegada dele, entoando em alto e bom som o começo da música “Mestre do Desastre”. Antes de o show começar, o público ainda podia assistir à performance de motoqueiros no chamado Globo da Morte e se divertir no Castelo dos Horrores. “A ideia era fazer uma super produção, jamais vista na história do funk” disse Kauan.
E é claro que a noite de lançamento não fugiria dessa proposta. Kauan, com seus 24 anos, é um garoto da Baixada Santista que, inspirado pelo MC Duda do Marapé, decidiu que seria funkeiro. A palavra “original” está tatuada na barriga, acima do umbigo, e ele se compromete mesmo com essa missão. Seu trabalho carrega esse clima teatral que se estende às suas músicas, como a faixa “Casa do Coreano”, em que conta a história de um assalto que parece verídico.
Muitos, inclusive, acusaram Kauan de fazer apologia ao crime e às drogas, mas fica bem evidente que sua intenção é se apropriar do mundo real para criar o seu próprio universo, um lugar cheio de vilões como o Coringa, personagem que interpreta em todos os shows. A ideia de usar as máscaras surgiu num baile funk, no qual todos estavam fantasiados e um grupo vestido de palhaço chamou a atenção do Kauan. Eles trabalhavam num estúdio de tatuagem e tinham confeccionado as próprias máscaras. Convidaram o MC pra aparecer no estúdio e ele foi, passando a fazer a abertura dos shows com ela.
Além disso, Kauan também é um cara muito daora. Suas fãs, as chamadas Alerquinas, são mais uma referência ao vilão do Batman. A representante delas no momento é a MC Mina, que faz participação em seus shows cantando uma música dedicada ao ídolo. Ele também faz a série “MC Kauan Visita” em seu canal do YouTube, em que promove uma visita aos fãs que entram em contato com a sua equipe. Michael, por exemplo, foi diagnosticado com câncer e recebeu uma visita do cantor recentemente — o fã até subiu no palco na festa do lançamento quando foi reconhecido por Kauan. Seu carinho pelos fãs, aliás, é tão grande que, depois de trocarmos uma ideia no camarim, ele se prontificou a atender algumas pessoas que esperavam para tirar fotos, até a hora de se trocar para o show.
Durante o nosso papo, ele me contou que gerencia uma produtora, a “Original Produções”, apoiando artistas novos do funk e do sertanejo — e que agora conta com o primeiro rapper, Nego Rude, entre seus artistas, além de ainda ter sob seus domínios uma marca de roupas desde o ano passado, a “Veneno de Cobra”, que patrocina diversas academias de luta. Ah, ele também contou que comprou um time de futebol, coincidentemente chamado de A Fúria. Perguntei o que mais ele gostaria de fazer, já que a lista de conquistas é grande, e ele me garantiu que contaria se tivesse alguma ideia nova. “Até uma competição de kart eu já tentei patrocinar” disse ele. O fato é que o cara tem uma cabeça aberta e criativa e tenta transmitir um pouco desse universo para quem quiser assistir. Os palhaços que sempre o acompanham no show são criações dele, que escolhe suas fantasias e fisionomias, assim como seus nomes. Suicida, Tenebra, Sem Vulgo, Caveirão e a Passa Foice são os seus fieis escudeiros (os mais assustadores). A inspiração vem da infância, do tempo que colava no parque de diversões do Playcenter para a “Noite do Terror”.
Voltando ao show de lançamento, como testemunha posso afirmar que a noite foi foda. O cara é um Mestre de Cerimônia fiel e deixou a plateia entretida do começo ao fim. Depois de uma abertura misteriosa orquestrada pelo DJ Leo, em que alguns palhaços contratados especialmente para o DVD empolgaram a galera, sua equipe fiel subiu no palco anunciando o fim dos tempos. Tudo extremamente impressionante, até que o próprio funkeiro apareceu vestindo uma camisa de força (e a máscara do Coringa, claro), acompanhado de um médico louco. Ele tirou a máscara e o show começou, repleto piruetas, trocas de roupa, distribuição de whisky nos copos do fãs, que se amontoavam na grade, e até uma escalada na estrutura de luz do palco. Se tudo isso ainda não é o suficiente para chegarmos a um consenso de que o show do cara é, de fato, um espetáculo do funk, acho melhor você pagar pra ver e colar. Te dou a minha palavra de que você não vai se arrepender.
Valeu Kauan!
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