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Entretenimento

O que a esquerda pode aprender com a direita alternativa

Morte a checagem de fatos.

(Foto acima Milo Yiannopoulos: Official Leweb Photos, via .)

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK

Odeio dizer isso, mas Steve Bannon estava certo.

O braço-direito de Trump — ex-chefe do site de extrema-direita Breitbart News, e supostamente o cérebro por trás da proibição da entrada de imigrantes nos EUA — realmente estava certo. Falando para o New York Times semana passada, Bannon foi criticado por dizer que a mídia tinha que "manter a boca fechada", uma declaração que causou bastante ultraje. Mas a segunda parte dessa frase era mais interessante: "Eles [a mídia] ainda não entenderam por que Donald Trump é presidente dos EUA".

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Desde a eleição de Trump, os meios de comunicação de todo o mundo ocidental estão freneticamente tentando entender o que deu errado. Russos. Notícias falsas. Notícias falsas russas. Mas enquanto a autópsia segue, a chamada "direita alternativa" (os alt-right na verdade, um grupo não muito coeso de neonazistas, supremacistas brancos, trolls da internet e pais suburbanos) se consolidou. Eles jogaram acusações de "notícias falsas" contra a CNN até que o termo se tornasse sem sentido. Então quando a mídia convencional teve que abandonar a frase, ela correu para a segunda salvaguarda do jornalismo moderno: checagem de fatos.

Leia também: "Conheça os memes dos alt-right nos EUA"

Para o especialista moderno em notícias, a checagem de fatos é um espaço seguro virtual onde encontrar conforto — tanto que organizações inteiras de notícias são construídas sobre a premissa de que ideias liberais são padrão por sua natureza, e que "fatos" sozinhos podem reforçar isso. Antes do referendo do Brexit e da eleição de 2016 nos EUA, esses especialistas — tanto os profissionais quanto aqueles que despejam suas opiniões na sua linha do tempo do Facebook — colocaram toda sua fé em dados: extrapolando dados de pesquisas, inquéritos ponderados, relatórios obscuros do IFS. Na cabeça desses especialistas, rios de dados podiam afogar as vozes do populismo neofascista.

E claro que não funcionou, isso fez pouco para reprimir o fetiche por checagem de fatos combativa. Quase todos os sites de notícia continuam a publicar checagem de fatos das mentiras óbvias de Trump — da multidão presente na posse à eficácia da proibição de entrada de imigrantes quando se trata de ataques terroristas em solo norte-americano. Em todos os casos, isso causou pouco ou nenhum dano a Trump, o monstro que é sua administração ou a base que torce por ele.

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Parte desse fracasso está na busca da mídia mainstream por novas ferramentas para derrubar Trump. Ferramentas com as quais, apenas alguns anos atrás, a mídia confiava em jornalismo de dados, infográficos e destaques no Twitter para convencer o público a financiá-la, 2017 apresentou um novo — e mais assustador — desafio para a mídia mainstream: conseguir a confiança do público em primeiro lugar.

(Foto: Gage Skidmore, via )

Para quem passou muito tempo online em 2016, tudo isso era inevitável. Por anos, a autoridade dos dados crus vem sendo uma batalha contenciosa se espalhando por contas nas redes sociais, reddits e chats do Facebook. Passe cinco minutos buscando "Islã" no Twitter e você vai encontrar um avatar com Pepe o Sapo postando "provas" de que 80% dos muçulmanos querem implementar a charia no Ocidente, segundo dados comissionados por um tabloide britânico — dados claramente ridículos e mentirosos.

"Contestar fatos online se tonou uma zona tão grande que até o memorial de Auschwitz teve que reafirmar sua autoridade sobre a história do Holocausto quando desafiado no Twitter."

E isso não é só com religião; semana passada, um repórter investigativo veterano foi acusado de dar "notícias falsas" sobre homicídios em Chicago, apesar do fato que: a) ele não deu nenhuma notícia, e b) ele só tuitou dados crus. Contestar fatos online se tonou uma zona tão grande que até o memorial de Auschwitz — um museu do Holocausto, para quem precisa de contexto aqui – teve que reafirmar sua autoridade sobre a história do Holocausto quando desafiado no Twitter.

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Em todos esses casos, apresentar evidências factuais faz pouco, ou nada, para promover nuance, ou para calar aqueles manipulando dados para seus próprios fins ideológicos, enquanto acusam outros de fazer o mesmo.

E é aqui que acho que Bannon tinha alguma razão. Sob Bannon, o Breitbart era menos uma organização de notícias e mais um movimento de cruzada — uma que explicitamente, segundo o próprio Bannon, queria lutar pelos valores judaico-cristãos perdidos na decadência do Ocidente. Para Bannon, usar "fatos" e dados não era uma questão de provar que as pessoas estavam erradas, mas de dar legitimidade à causa geral do Breitbart. É por isso que personagens do Breitbart, como o editor de tecnologia Milo Yiannopoulos, se mostraram tão eficientes em falar sobre dados comparados com especialistas acadêmicos: é menos uma questão de quão preciso são os fatos, e mais sobre como esses dados se encaixam na visão estreita do Breitbart de mundo.

A mídia mainstream liberal pode aprender com isso, enquanto Breitbart, Infowars e outros sites renegados do alt-right continuam a se transformar nos porta-vozes do governo. Para ser eficiente numa época em que todo mundo está sendo atacado com "fatos" dia sim, dia não, fornecer narrativas ideológicas rígidas que sejam fáceis de entender é essencial. Portanto, histórias de interesse humano que explicam as narrativas precisam disseminar as mensagens que os fatos apresentam. O que é apresentado ainda tem que ser factualmente correto — não podemos subir no bonde das simples invencionices —, mas isso tem que ser entregue no mesmo tipo de pacote que atraiu todos os anteriormente indecisos na votação do Brexit e nas eleições dos EUA.

Apesar de tudo isso poder ser alcançado de várias maneiras inovadoras, uma coisa é certa: checagem de fatos é péssima para contar histórias, e nessa era sombria pode causar mais problemas do que resolver.

@Hkesvani

Tradução: Marina Schnoor

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