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análise

Pornografia para ler. Há vida para lá do Pornhub

Nayara Malnero, sexóloga, revela-nos os segredos do género literário que mais alegrias (húmidas) nos dá, numa análise detalhada a um livro pornográfico que chama as coisas pelos seus nomes.
pintura de mulher nua a ler um livro

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Os editores da Sesudos vieram até ao nosso escritório com o seu primeiro lançamento: um romance que garantiam ser pornográfico. Perguntámos se era para ser lido só com uma mão. Responderam, principalmente a parte feminina da editora, que a sua leitura provoca muito calor interno e que chama, finalmente, cada coisa pelo seu nome. Insistem também que o Sexistencialismo, de Clara Blanco e Esteban Mancal, era muito mais do que sexo e que, por detrás, estava presente uma reflexão sobre os nossos relacionamentos e de como é percebido o amor hoje em dia.

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Decidimos concentrar-nos somente nas passagens de sexo, porque este tipo de literatura não tem boa fama e, às vezes, o erotismo light, aquele de ler no metro tipo 50 Sombras de Grey, é confundido com pornografia somente porque aparecem as palavras penetração, cu, erecção, membro viril ou a expressão "estou tão quente". Os editores aconselharam-nos a consultar Nayara Malnero, que além de sexóloga, psicóloga clínica e terapeuta familiar, é também uma entusiasta deste tipo de leituras.


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Malnero tem uma página na Internet e tutoriais online em que oferece conselhos muito simpáticos para aprender a conviver (e desfrutar) com os vários tipos de pénis. Enquanto procurávamos estes documentos no YouTube realizámos - com as duas mãos no teclado - esta entrevista em que os homens do gás, depilados, musculados e com ferramentas de 30 centímetros, não saem muito bem na fotografia.

VICE: Embora nos seja bastante claro, queremos a tua opinião: onde acaba o erotismo e começa a pornografia?
Nayara Malnero: A diferença entre erotismo e pornografia é totalmente subjectiva. Poderíamos afirmar que o erotismo não desrespeita nem ofende ninguém, mas isso seria mentira. A linha que os define é muito ténue, mas podemos dizer que o erotismo tem a ver com a sensualidade e as insinuações, enquanto a pornografia é mais explícita e directa. Mas sim, ambos podem ser igualmente emocionantes e estimulantes.

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Existe literatura pornográfica de qualidade? Ou só daquela pensada para "entusiasmar" os leitores…
Sim, existe literatura pornográfica (ou como eu a prefiro chamar, erótica) de qualidade e não somente porque é capaz de "entusiasmar" os leitores, mas também pela qualidade literária: a escrita, o modo como mantém o leitor envolvido, a coerência, etc.

Com a facilidade que existe para aceder a pornografia audiovisual online, o que encontras nos livros que não consegues encontrar nos filmes?
Existe algo muito importante e bastante mais poderoso nos livros que em qualquer filme: a nossa imaginação. O livro permite-nos imaginar as personagens, as cenas, os movimentos… e tudo isto é feito caprichosamente ao nosso gosto. O prazer está realmente na nossa mente e quem melhor que ela para dar-nos aquilo que desejamos? Por outro lado está o facto de que as mulheres são menos gráficas que os homens e que, além disso, existem pessoas que preferem a sensualidade ao sexo explícito (o que comentámos em referência à diferença entre erotismo e pornografia). Nós mulheres adoramos ler e assim poder fantasiar. Não nos provoca repulsa porque não é explícito e assim fica na intimidade (da nossa mente).

Estamos um pouco saturados de pornografia convencional, é por isso que procuramos géneros mais extremos?
Completamente. O ser humano farta-se de tudo com facilidade. Quando temos uma fantasia recorrente, esta acaba por perder o interesse e mudamos para outra. O que acontece com o sexo é que queremos experimentar sempre mais e aventurarmo-nos, procuramos novas experiências… e, o mesmo acontece com a pornografia. Além disso, como a fantasia (que vemos na pornografia) e a vida real não estão sobrepostas, podemos desfrutar de coisas variadas que, na nossa vida real, não seriam uma opção.

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Porque é que a pornografia amadora tem tantos seguidores?
A pornografia amadora, ao contrário da convencional, tem muito sucesso porque sabemos que é real. As pessoas procuram situações reais, queremos sentir que o que estamos a ler pode tornar-se realidade e isso acontece com Sexistencialismo, é totalmente real e eu adoro! Vou dar-te um exemplo: eu sei que, como mulher, um homem do gás lindo, depilado, musculado e com um pénis de 30 cm não vai tocar à minha porta. Eu ficaria desconfiada se o fizesse e, à primeira, nem o deixaria entrar. O mais certo era denunciá-lo se tentasse entrar - pensas que sou assim tão fácil? - Ok … eu sou, mas não estou depilada! Como é que apareces assim, comigo neste estado? Ah! E é óbvio que, com esse pedaço de ferramenta no meio das pernas, o mais certo era magoar-me e, eventualmente, estragar-me o momento.

O que te entusiasmou no caso de Sexistencialismo?
É uma questão de gosto e acho que o que vocês procuram é a minha opinião pessoal. A primeira cena ardente (a fantasia do carro) pareceu-me muito excitante e como fantasia, a meu ver, teria uma pontuação muito alta. Mesmo assim, existem muitas pessoas que gostariam de descobrir fantasias de quando a protagonista era mais nova ou mesmo o vai-não-vai virtual dele - "estás a ficar chateada?"-. Sexistencialismo tem um pouco de tudo, de tudo o que é real e as pessoas gostam disso.

Podemos ver como o livro chama às coisas e às partes do corpo pelos seus nomes… existem muitas falhas a este respeito noutros livros?
As falhas presentes na literatura erótica horrorizam-me. Levo-as muito a peito, porque estou farta. Leio e releio e acabo sempre cansada da mesma coisa: não diferenciam a vulva da vagina, o clitóris é como um interruptor que se liga e desliga … Quando li o manuscrito de Sexistencialismo gostei do trabalho que fizeram em relação a isso, depois das minhas contribuições não vou ser eu a queixar-me. Provavelmente, a este respeito, deve ser uma das melhores leituras, vai impedir que os nossos olhos saltem das órbitas.

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Podemos ler em casal como parte de um jogo sexual?
Tudo pode ser feito em casal, todos os livros podem ser lidos em casal e, se é um romance deste calibre, o jogo está servido. A minha recomendação? Acende algumas velas e lê para o teu companheiro, se o fazes bem, provavelmente, vai acabar por fazer com que cantes a Traviata.

Aconselhas nas tuas terapias a experimentar coisas que se aprendem da pornografia (posições, fantasias…)?
Não, normalmente faço o oposto. A pornografia não é educação sexual, como eu gosto de dizer "é a ficção científica do sexo real". É claro que é certo que se estivesse disposta a procurar encontraria pornografia de qualidade que nos pudesse servir para este fim, mas não é meu costume. No entanto, é verdade que utilizo a literatura erótica para fins terapêuticos e muito. Como já disse anteriormente, a imaginação do paciente é uma arma poderosa e é ela que eu trato de potenciar.

Como sexóloga, aconselharias a leitura de literatura pornográfica como terapia?
Sim, sem dúvida, de facto, na minha página de Internet podem encontrar uma série de opiniões sobre vários livros. Eu sou a criadora do Clube de Leitura Erótica de Madrid e estou a implementar outro em Gijón, a propósito do meu grupo de crescimento erótico.


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