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Música

Cravistas barrocos dos infernos e tudo o que precisas de saber sobre os Belle & Sebastian

O Fim dos Dias.
discos de vinil de belle and sebastian
Foto pelo autor.

Na semana passada, exactamente no mesmo dia, o Planeta foi abalado por dois cataclismos de proporções apocalípticas. Dois dos maiores mitos da história do Humanidade desfeitos em meia dúzia de horas. 18 de Novembro de 2014 e a vida na Terra muda para todo o sempre.

Aí pela hora de almoço os Belle & Sebastian lançam "The Party Line" - novo single e respectivo e estrondoso teledisco - e o Mundo treme, verga e descobre (com 18 anos de atraso) que choninhas é o Boda. Esse. Sete e meia da tarde, eu levo na tromba de um cravista barroco. Isso. Apanhei uma sova de um cravista barroco. Uma sova mesmo. De um tocador de uma espécie de piano com rendas. Cachaporra da grossa no meio da rua. Mais. Levei na boca de um cravista barroco, depois de a gentil esposa do próprio, também ela cravista barroca, nos estacionar o veículo em cima do passeio a impedir a entrada num estabelecimento comercial, se recusar a tirá-lo e ainda largar um chorrilho de insultos com toda a cultura e formação académica que tinha dentro de si.

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Poupo-vos a mais detalhes, com uma excepção. Contra o metro e noventa do artista só consegui aplicar um e um só golpe de defesa. Um verdadeiro vencedor ninja, ao qual decidi genialmente chamar "Narina Mortal". Se o gajo for bem mais alto que tu e te estiver a esmurrar à maluca, não hesites, aperta-lhe o nariz até o sangue escorrer. Sabe bem. Ainda que no final saías todo dorido e de óculos partidos.


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Resumindo, foi o nunca antes visto. A reconhecida e inatacável sensibilidade dos pianistas clássicos (dos clássicos entre os clássicos, diria mesmo) arrasada e arrastada pela lama de uma Lisboa que anoitecia chuvosa. Afinal, pasme-se, falta de civismo e de boa educação não são exclusivos dos ignóbeis, brutos, facínoras e mal formados adoradores de rock satânico, pop ligeiro e free jazz. A violência gratuita de marca branca pode, veja-se bem, regurgitar sem apelo nem agravo dos punhos renascentistas de um qualquer cravista barroco.

E como um mito nunca cai só (já dizia Sócrates, o político, não o filósofo), quis o destino que, nesse mesmo dia, a banda que desde 1996 não editou uma única cantiga que eu não adore, venere e idolatre, mostrasse definitivamente a quem ainda não tinha percebido que, de folhos e pandeiretas pastorais está o inferno cheio. Tudo a abanar a anca que nem gente grande com uma linha de baixo arrasadora, sintetizadores capazes de levantar um morto e uma guitarra mais Disco que uma sessão de Febre de Sábado à noite numa Boite da Avenida da Liberdade em 1981.

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E foi tiro e queda. Caiu o Carmo e a Trindade no seio do planeta indie. Aliás, verdade seja dita, ainda antes do teledisco e assim que os escoceses revelaram a música que apresenta aquele que é o seu nono álbum de estúdio, Girls in Peacetime Want to Dance (sai a 19/20 de Janeiro próximo), o chorrillho de disparates e a boçalidade das mensagens de desalento e desespero de supostos "fãs de sempre" que grassaram pelas internetes desta vida, levaram-me à náusea. "Ai, o que é que foram fazer", "Ai, o que eu queria era mais delicadeza como antigamente", "Ai, estão com o síndrome Arcade Fire", "Ai, agora querem é dançar e eu quero é chorar".

O quê? "Agora querem é dançar"??!!!? Agora??!!!? Mas em que raio de planeta é que esta malta vive? Mas que espécie de discos dos Belle & Sebastian é que esta gente andou a ouvir nestes 18 anos? Eu sei que levei na tromba de um cravista barroco e que o Mundo não é, nem nunca mais será aquele lugar seguro em que podíamos sair à rua sem ter medo do Gang do Oboé e da Pandilha da Flauta Transversal , mas tenham dó e escutem bem o que tenho para vos dizer: OS BELLE & SEBASTIAN SEMPRE QUISERAM DANÇAR. OS BELLE & SEBASTIAN SEMPRE DANÇARAM. OS BELLE & SEBASTIAN SEMPRE FIZERAM CANÇÕES PARA ABANAR A ANCA. SEMPRE.

"The Party Line" é de agora, 2014, mas podia ser de há 10 anos. Podia ser irmã gémea de um musicão chamado "Your Cover's Blown". Se são tão fãs e estão tão ofendidos, façam-lhes um favor e antes de se fecharem no quarto a olhar para a chuva a cair e a ouvirem em loop um monumento chamado "You Made Me Forget My Dreams" (que, note-se, até acaba com uma batida techno que aparece e desaparece do nada. Chama-se sentido de humor e genialidade, só para que conste), façam um exercício tão simples como essencial e prazeiroso: peguem nos discos todos, incluindo Push Barman to Open Old Wounds, The BBC Sessions e The Third Eye Centre, para não terem de ir buscar os EPs todos por separado.

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Juntem-nos por ordem cronológica e ouçam tudo de seguida. Do princípio ao fim. Depois, quando no final meterem "The Party Line" digam-me se há alguma coisa que não faça sentido… quando caírem em vocês e se Deus Nosso Senhor Jesus Cristo for gentil e bondoso, pode ser que se retractem e desatem a dançar solos de contemporânea pela casa fora.

Se mesmo assim ainda acharem que o vosso Mundo nunca mais será o mesmo, sem sequer terem levado nos cornos de um cravista barroco, deixo-vos 10 conselhos de amigo:

#1 "I Could Be Dreaming" (Tigermilk, 1996) - Exemplo clássico de como uma estética pastoral e vá, a ligeira melancolia da voz de Stuart Murdoch, não é impeditiva de dança desenfreada pela pista fora.

#2 "Mayfly" (If You're Feeling Sinister, 1997) - se calhar um dos momentos mais subvalorizados do clássico dos clássicos. Pássaros, céu azul. Primavera e melodia delicodoce. Tudo verdade, mas se nem o solo de saxofone que rebenta ao minuto e cinquenta e um vos arrancar do sofá… A primeira vez que a ouvi ao vivo foi no Verão de 2013 em Paredes de Coura (concerto número oito na conta pessoal) e parecia que estava a levar choques eléctricos.

#3 "The Boy With The Arab Strap" (The Boy With The Arab Strap, 1998) - não é preciso perder tempo com conversa fiada.

#4 "Women's Realm" (Fold Your Hands Child, You Walk Like a Peasant, 2000) - são tantas as canções perfeitas neste disco tão mal amado. Esta é insuportavelmente deliciosa. E quem não der ao pézinho é um ovo podre.

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#5 "Legal Man" (Legal Man EP, 2000) - the swinging 60s. Shake it Baby, shake it.

#6 "Big John Shaft" (Storytelling, 2002) - uma pérola semi-escondida. Guitarra e sopros com balanço Funk irresistível a comandar uma melodia tão delicada como viciante.

#7 "You Don't Send Me" (Dear Catastrophe Waitress, 2004) - estilo, classe, pinta, perigo. No Cotton Club era assim.

#8 "Your Cover's Blown" (Books EP, 2004) - irmã gémea mais velha da nova "The Party Line", ainda mais na versão deste vídeo remisturada em 2013. Épica e surpreendente (esta sim).

#9 "Sukie in The Graveyard" (The Life Pursuit, 2006) - já por esta altura houve gente a queixar-se que era tudo "muito rock". E é. E ainda bem. Rock na venta.

#10 "Come on Sister" (Write About Love, 2010) - há quatro anos eles avisaram: preparem as coreografias.


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