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Como os erros do Estado melhoraram a minha cidadania

Quando te pedem um pagamento de algo que já pagaste é absurdo, não é? Pois para a administração fiscal, nem sempre é assim. Tu estás sempre sob suspeita,
Imagem via Pixabay

Longe vão os tempos daquela mentalidade "ai filho, se eles dizem, é porque deve ser verdade… tu vê lá o que andas a fazer, que com o Estado não se brinca". Depois cresces e reparas que andas a ser gamado (e gozado), e não te conformas. O que aquilo que há uns anos seria considerado como um perigoso-radical-que-não-tens-respeito-por-ninguém-nem-pelas-instituições-que-te-fazem-o-favor-de-olhar-por-ti-depois-não-venhas-cá-pedir-ajuda, hoje é encarado com mais naturalidade e somos, até, incentivados a reclamar. Alguns, vejam lá, até lhe chamam "cidadania". O paradigma mudou.

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Nos dias que correm, até o senhor bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, António Domingues Azevedo, se manifesta contra alguns abusos cometidos com prejuízo para os cidadãos: "A administração fiscal é diligente e célere a reclamar montantes em falta por parte dos contribuintes, mas já quando se coloca do outro lado da barricada - quando é preciso devolver valores e juros aos contribuintes - exige sempre um requerimento e outros procedimentos burocráticos perfeitamente redundantes e, porque não dizê-lo, ridículos", assim o disse ao jornal Diário Económico - num texto que recomendo vivamente - fez agora um ano, a 6 de Abril de 2015.

Esta atitude do Estado a fazer voz grossa aos cidadãos, remete para outros tempos, de facto. É claro que é preciso ser firme quando se deve ser, mas em muitos casos, a coisa sai toda trocada e a energia é direccionada para os mais fracos e ninguém incomoda os mais poderosos. Isso tem um nome feio, e não, não é demagogia… às vezes também é mesmo cobardia.

Os sucessivos erros do Estado para com a minha pessoa contributiva não fizeram de mim um tipo amargo, mas uma pessoa mais atenta e ciente dos seus direitos e deveres. Nunca insultei nenhum funcionário, nem das Finanças, nem da Segurança Social. Não é por aí que resolves alguma coisa e alguns deles até me ajudaram e, em surdina, incentivaram-me. "Cartas de amor, quem as não tem?".__Assim cantava o grande Tony de Matos. Eu cá dessas não sei, mas tenho outras - que ainda hoje guardo com igual diligência - verdadeiramente ameaçadoras, mas igualmente patéticas, a dizer que tinha poucos dias para regularizar a situação, caso contrário vinham por ali adentro com penhoras e o diabo que os carregue.

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Na verdade eram um lamentável e grosseiro erro, pois tudo aquilo já estava pago, conforme os recibos que, orgulhosamente - e com alívio -, apresentei. Isso aconteceu várias vezes, depois parou… até esta semana, qual vulcão adormecido, em plena catarse dos Panama Papers.

Se procurares por "burocracia" nas imagens do Google, sai-te isto. Via.

Quando te pedem um pagamento de algo que já pagaste é absurdo, não é? Pois para a administração fiscal, nem sempre é assim. Tu estás sempre sob suspeita, tu és uma pessoa duvidosa e, veja-se o ridículo, se tu pagas, mas eles, por alguma razão de ineficiência, ficam sem essa informação, é bom que te justifiques - outra vez - caso contrário, vais ter de pagar novamente e de preferência caladinho, apesar do erro ser deles.

Muito se tem evoluído nas reformas estatais em termos de eficiência, mas haverá sempre fogo cruzado, fogo amigo, baixas de guerra, chamem-lhe o que quiserem, que quem se lixa é sempre o mexilhão. Já a lagosta cozida das praias em offshores, tem a vida mais facilitada. A transição de um sistema analógico para o sistema informático deve ter sido dantesca, mas ficará para memória futura aquele episódio que me contaram de um amigo que foi à Segurança Social e a senhora que o atendeu disse-lhe: "Isto vai demorar mais um bocadinho porque agora tenho de ir ver ao computador".

Serve isto tudo para dizer que já tentaram - sem sucesso - cobrar-me mais, do que uma vez, algo que já estava pago e, não fosse eu ter os recibos todos guardados, teria de pagar outra vez, sem grandes hipóteses de recurso. Ainda esta semana, do ano da graça de 2016, aquele recibo referente a… Setembro de 2012(!!!), que fui buscar ao fundo da gaveta, deu-me muito jeito e foi apresentado - com algum gozo à mistura - como prova irrefutável de que o Estado, mais uma vez, também se engana.

O futuro só pode passar por uma maior eficácia dos sistemas, mas até lá, façam o esforço e guardem os vossos papéis, guardem tudo. Mas mesmo tudo! Sejam vocês também o Big Brother do Estado, sejam exigentes, mas, para isso, têm de estar preparados e com as armas certas para rispostar. Isto não é um apelo à rebelião, mas sim uma chamada de atenção para uma melhor democracia.