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Música

Um Relato Sobre a História das Rádios Piratas de Londres

Levamos um papo com Michael Finch, um maluco britânico que passou uma década gravando fitinhas k-7 com a programação de estações piratas do Reino Unido.

Michael Finch é dono daquele que pode muito bem ser o maior arquivo de fitas piratas do Reino Unido. Como muitos que sintonizam as rádios piratas que saturavam as ondas FM londrinas nos anos 90, Finch gravou suas transmissões favoritas em fita – não para a posteridade, mas sim para "compartilhar as riquezas", como ele diz, com seus amigos de escola. Poucos poderiam ter tido a mesma dedicação de Finch, que continuou fazendo estas gravações ao longo de mais de uma década.

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Sua coleção chega aos milhares, composta por suas próprias gravações e tapepacks de raves (bootlegs semi-oficiais de eventos de jungle, drum and bass, garage e grime). Como um todo, o arquivo de Finch é um documento de um dos períodos mais empolgantes e efêmeros da dance music no Reino Unido. Em parte, é uma experiência que Finch compartilhou com muitos outros, não menos que todos os DJs e MCs que tinham a sua idade quando começaram suas carreiras, como DJ Slimzee da Rinse FM e Maxwell D. da Pay As You Cartel. "Nunca conheci nenhum [deles], mas é como se tivesse crescido com eles através das rádios piratas e raves", explica. Mas trata-se também de uma história única, formada por suas próprias preferências e história de vida. Enquanto traçam a ascensão das maiores estrelas do grime e garage, as fitas de Finch, sem querer, também funcionam como uma crônica de seus anos de formação.

"É a história da paixão de Michael pela música – pode-se dizer que é uma história de amor nesse sentido", afirma Rollo Jackson, documentarista e amigo de longa data de Finch. Em 2011, Jackson decidiu fazer um documentário, Tape Crackers, sobre seu amigo, filmando Finch em sua casa em Islington falando de algumas de suas estações, DJs e MCs favoritos. Inicialmente, a gravação seria feita por motivos de pesquisa apenas, mas quando Jackson assistiu novamente à entrevista, se impressionou com a direção comum e decidiu lançar o vídeo sem edição alguma em uma única tomada.

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O documentário resultante é tanto a história de um homem comum, como uma autobiografia. Finch é uma presença adorável no vídeo, tornando mais acessível aquilo que deveria ser um tópico para iniciados com seu entusiasmo instantaneamente relacionável; o clima improvisado e conversacional só contribuiu ainda mais para o charme da película.

"Às vezes as melhores coisas não são planejadas", explica Jackson. O que a dupla não teria como prever era a reação recebida por Tape Crackers: foi um sucesso boca à boca, logo esgotando sua prensagem inicial. Durante dois anos, era quase impossível conseguir uma cópia do documentário, o que, com certeza, contribuiu para seu status cult. No mês passado, Tape Crackers finalmente recebeu segunda prensagem há muito esperada e para celebrar o aniversário do filme, conversei com seu astro: Michael Finch.

Ao invés de revisitar o tema de suas fitas favoritas, perguntei a Finch como as rádios piratas moldaram diversos momentos de sua vida: começando com sua descoberta juvenil da Dream FM e encerrando com o nascimento do grime aos seus vinte e poucos anos. Por mais que tenhamos conversado durante uma hora, parece ter muito que não foi discutido, mas ainda assim cabe lembrar que as fitas de Finch cobrem um período de mais de uma década de rádios clandestinas – provavelmente demorariam mais dez anos para ele reouvir todas.

DREAM FM

DJ Swifflee na Dream FM.

Não curtia música de verdade até uns 12/13 anos de idade, Nevermind  do Nirvana e Thriller do Michael Jackson foram alguns dos primeiros discos que comprei. Comecei a ouvir músicas com guitarras e na escola encontrei alguns outros como eu e o resto todo ouvia Kool FM e jungle. Mas lembro de fazer minhas tarefas de casa e surfar pelas rádios FM até encontrar a Dream FM. Eles tocavam um som que nunca tinha ouvido antes e que ninguém da escola ouvia. Tinha toda aquela percussão e linhas de baixo repetitivas que a molecada do jungle curtia mas sem aquele clima mais pesadão. Pelo contrário, contava com vocais mais alegres e melodias de piano e instantaneamente aquilo se tornou um momento mágico de encontrar algo entre o jungle e o tipo de música que eu ouvia.

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Aquele foi o momento, uma noite em que eu fazia meu dever de casa. Queria compartilhar aquilo com meus amigos e foi esse o motivo pelo qual passei a gravar fitas. Era menos uma demonstração de superioridade e mais vontade de compartilhar aquilo. No outro dia levei umas fitas e mostrei pros meus amigos e ninguém olhou pra trás depois daquilo.

O lance é que a Dream FM tocava muito (pelo menos dentre as coisas que eu gostava) hardcore das antigas. Mesmo que fosse 93 ou 94, eles rolavam muito hardcore de 89 e 90. O hardcore estava crescendo na época e o que eu curtia já era antigo, isso por que o gênero já havia se transformado no happy hardcore.

Até hoje não tenho certeza de onde vinha o sinal da Dream FM, acho que eles eram das bandas do sul, ali por Battersea. Algumas estações tinham uma amplitude maior e a Dream era uma delas, eles eram uma emissora bem preparada nesse sentido.

Meus DJs favoritos eram DJ Swifflee, DJ Influence, DJ Wise e DJ Spinback.

SOBRE INTERRUPÇÕES
Quando comecei a ouvir essas estações elas entravam no ar na sexta à noite e sumiam de novo na noite de domingo. Elas só não entravam no ar se aparecesse a fiscalização. Depois, elas tocavam a semana inteira.

Quando as estações eram interrompidas no meio da transmissão, não era nada tão dramático quanto se imagina – acho que nunca ouvi nada assim. O que rolava é que a DTI (sigla para Departamento de Comércio e Indústria, um antigo órgão governamental cuja tarefa era localizar transmissoras piratas) teria achado o equipamento de transmissão, que ficava separado do estúdio, que enviava seu sinal para estes equipamentos. A DTI conseguia achar os aparelhos, mas nunca os estúdios que tinham que ser achados por meio de boca à boca.

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KICK FM
Depois da Dream, eu buscava por algo novo sem querer seguir as massas rumo à Kool FM. Em minha jornada à Kool, passei bastante tempo ouvindo as estações Pressure, Rinse e Kick FM.

Ao contrário de quando me deparei com a Dream FM, a mudança rumo a ouvir mais MCs foi gradual. Isso teve muito a ver com começar a frequentar raves ao invés de simplesmente ficar no meu quarto ouvindo música. Eu não entendia a importância dos MCs até vê-los ao vivo. Até hoje minhas fitas favoritas não são as de rave, são as fitas piradas em que pode-se ouvir os MCs treinando suas letras ao invés de interagir com o público.

Me sentia atraído por algumas estações após ouvir um MC ou DJ em especial e a Kick foi uma dessas. Sintonizei-a para ouvir o MC Terrorist em especial, porque conseguia ouvir quase tudo dele ou conseguia deixar pra lá. Quando o ouvi pela primeira vez, já era bem versado em termos de jungle. Um dos grandes MCs da época era MC Det: Brockie e Det faziam seus programas no domingo na Kool FM. Quando conheci MC Terrorist, achei que ele soava como MC Det e até aquele momento eu achava que Det era único – o que não quer dizer que Terrorist estava copiando ele. Era mais tipo "ah você curte o Det, deixa eu te mostrar essa fita do Terrorist e você me diz o que acha".

Um dos grandes prazeres que tive com as rádios piratas, além da música em si, foi poder mostrar essas fitas para alguém que achava que tinha ouvido de tudo e aí eu lhes mostrava algo de novo.

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Terrorist era o MC anfitrião de uma rave chamada Roast, uma rave de jungle enorme da época. Quando entrei nessa de tapepacks, uma das fitas em que pirei mais – e lembro bem – foi a de uma rave de Dia dos Namorados com Brockie, Terrorist e Det se apresentando um atrás do outro.

MC Terrorist na Roast, Dia dos Namorados de 1996.

Você podia entrar de cabeça na cultura por completo, eu ouvia os piratas a semana inteira e então no final de semana sintonizava para ouvir os MCs e DJs aquecendo e se preparando para a rave daquela noite. Daí eu ia até a rave, me divertia muito e algumas semanas depois ia à loja de discos, comprava um tapepack e vivia aquilo tudo de novo. Entrei nesse ciclo semanal, mês a mês.

RUDE FM
A Rude FM encontrou um nicho diferente daquele da Kool, então ela não tentava competir diretamente. A diferença era que eles trabalhavam com um som industrial muito mais obscuro. Não há dúvidas de que a Kool monopolizou a cena jungle, mas eles empurravam um som de jungle numa época em que havia um espectro muito mais amplo. Haviam boates como a Metalheadz onde Goldie e sua turma tocavam um som completamente diferente daquilo que rolava na One Nation, Kool e Jungle Fever.

Meu MC favorito da Rude FM era o Evil B. Sempre achei que um cara como o Evil B deveria estar na Kool, mas eles estavam ali fazendo seu próprio som, e é claro, ele foi parar na Kool no final das contas, de qualquer jeito.

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RINSE FM

No caso da Rinse FM, a idade era o que os separava de mim. Eram uns caras jovens tocando aquilo, moleques zoando que queriam estar ali na Kool assim como eu queria.

Eu nunca conheci nenhum desses bichos, mas parecia que de certa forma havia crescido junto deles através das rádios piratas e raves. O maior exemplo provavelmente é Maxwell D, que comecei a ouvir na Rinse FM por volta de 1995, quando tinha 14 anos e ele tinha minha idade ou talvez menos. Eu tinha uma fita do Maxwell D competindo com Ninja B no palco no Kool Skool, uma rave que haviam organizado para menores de 18 anos, e aquilo tinha uma reputação bem foda. Acho que eles acabaram empatando. Daí acompanhei a carreira dele desde a Rinse em 1995 até o sucesso na Pay As You Go Cartel e finalmente quando conseguiu sua vaga na Kool FM. Tenho uma fita incrível dele e do Nicky Slim Ting num esquenta pro oitavo aniversário da Kool FM.

Assim como a Rude, a Rinse FM tinha uma sonoridade própria e era algo mais caseirão do que com cara de rave. Era um som jungle muito mais abrasivo e puxado pro industrial, o tipo de coisa que funcionava para se ouvir em casa.

Fui para Bristol cursar faculdade e lembro de voltar a Londres em 2002 e o grime começar a fazer sucesso. DJ Slimzee nas tardes de domingo, das 15h às 17h. Era completamente incrível, coisa do tipo "por que diabos saí dessa cidade? Isso é foda". Não olhei mais pra trás. Nos próximos dois ou três anos só ouvi aquilo.

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KOOL FM
Todos os grandes DJs e MCs estavam na Kool. Então se você curtia jungle e ia a muitas raves quase todos os lineups tinham gente da Kool FM, ninguém mais nem chegava perto. Se você era um dos melhores, você estava na Kool.

Agora como eles conseguiram isso, acho que foi só uma daquelas coisas – os caras foram os primeiros. Foram os pioneiros e nunca perderam dentro do seu próprio jogo. A coroa era deles desde o começo.

A Kool tinha muitos MCs animais, mas meu favorito mesmo era o MC Skibadee. Eu e um amigo, John, discutíamos na escola quem era o melhor, Skibadee ou Stevie Hyper Dee e ele sempre apostava nesse cara, enquanto eu ia de Skiba. Isso por conta da clareza dele enquanto MC, podia-se ouvir cada sílaba, ele nunca rateava, e pra mim, Stevie nunca foi tão consistente quanto ele. Skiba costumava rimar tudo, mesmo em seus improvisos e salves, sempre que ele pegava o microfone parecia que estava rimando ao invés de falar. Eu amava aquilo.

Eu e Rollo sempre conversamos sobre juntar uma grana para trazer Brockie e Det aqui em casa para darem uma de DJs e MCs com a gente. Era uma fantasia nossa. Da mesma forma, durante anos, tive certeza de que se fosse casar, chamaria Skibadee e Det para se apresentarem, um após o outro - literalmente durante anos estive convencido de que faria isso.

Skibadee na Kool FM, lá em 1999.

SOBRE OS SALVES
Ligações para celulares custavam caro naquela época, e eu dependia do telefone dos meus pais, então não dava pra se safar de muita coisa. No começo nem eram celulares, falava-se diretamente com pagers, o que é hilário se formos pensar agora. Algumas pessoas ligavam tanto que você acabava as conhecendo. Na Kool haviam alguns nomes lendários de ouvintes como Crazy Legs e Smiley. Eles devem ter gasto centenas e mais centenas de libras recebendo salves o tempo inteiro. Eu ligava vez ou outra. Era meio complicado, usar o telefone no meio da noite enquanto você ouvia músicas que seus pais nem ao menos aprovavam. E se você conseguisse completar a ligação, os caras atendiam enquanto a música rolava no máximo, aí você tinha que gritar ao mesmo tempo em que tentava ser discreto.

Você pode comprar Tape Crackers aqui. Assista ao mais novo documentário de Rollo Jackson sobre o pioneiro do grime DJ Slimzee aqui.

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Tradução: Thiago "Índio" Silva