Os caóticos e desafiadores dias finais dos acampamentos de Standing Rock

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Os caóticos e desafiadores dias finais dos acampamentos de Standing Rock

Desafiando o governo e até as tribos locais, um teimoso grupo de ativistas continua acampado em Dakota do Norte.

Esta matéria foi oficialmente publicada na VICE US .

No último dia 24 de janeiro, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva para acelerar a construção do oleoduto Dakota Access (DAPL), que os índios da tribo sioux consideram a "cobra negra", o cumprimento de uma profecia apocalíptica. Há meses, o oleoduto vem sendo bloqueado por acampamentos de protesto estabelecidos pelos sioux de Standing Rock e cheios de ativistas vindos do mundo inteiro. Em dezembro, sob a administração Obama, o Corpo de Engenheiros do Exército Norte-Americano negou um acordo necessário para completar o trecho inacabado do oleoduto, que passa perto da reserva Standing Rock — uma proximidade que a tribo diz infringir sua soberania e que pode poluir seu suprimento de água. Muitos "protetores da água" viram a medida como uma vitória e foram embora. Ainda assim, o governo de Trump logo reverteu a decisão: o acordo foi aprovado no último dia 7 de fevereiro e a construção de parte do oleoduto que passa pelo lago da região já começou, apesar de um esforço de último minuto da tribo para bloquear o DAPL na Justiça.

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O maior acampamento do protesto, Oceti Oyate (o "acampamento do povo") fica em terras gerenciadas pelo Corpo de Engenheiros Norte-Americano, que ordenou que os 300 e poucos ativistas restantes (depois de um pico de mais de 10 mil acampados por lá em dezembro) deixassem o local até 22 de fevereiro — 47 manifestantes foram presos na desocupação do local. Alguns ocupantes remanescentes, no entanto, mudaram-se para outros acampamentos.

"Levantamos tão alto as vibrações dessa terra, que acho que as pessoas deveriam ficar mesmo se o oleoduto for impedido", disse Dennis Romaro, 25 anos, um chumash da Califórnia. "Todo mundo aqui de certo modo está desconectado… da sociedade moderna, dinheiro, moeda… e começamos a ver um sentido de união através dessa dinâmica. Tenho que ficar aqui para sempre."

Atualmente há cinco acampamentos que os ativistas chamam de "acampamentos de oração". Ainda há uma presença nativa nesses lugares, mas a maioria dos ativistas restantes são jovens brancos. Rosebud e Sacred Stone, os acampamentos mais antigos, têm aproximadamente 300 pessoas. O acampamento Cheyenne River tem 20 ativistas, principalmente veteranos e sioux Cheyenne River. O acampamento mais recente, Rise of the Seventh Generation, abriga cerca de 40 pessoas.

Temperaturas mais quentes transformaram o Oceti num lamaçal. Muitas estruturas estão sendo realocadas para acampamentos mais altos (um bloco de banheiros químicos foi levado para o acampamento Rise), mas a cozinha vai ficar, diz Brandi-Lee Maxi, de 34 anos. "Vamos continuar aqui, alimentando quem sobrar no acampamento de resistência. Essa é basicamente a linha de frente, e um território ameaçado. Como lakota, eu quero ficar."

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Uma estrutura do acampamento inundada pelo derretimento da neve e chuva.

A parte mais baixa do acampamento está pontilhada de esqueletos de tipi, barracões de compensado, e pilhas de barracas, cobertores e roupas abandonados. Os acampamentos já foram 70% limpos. O zumbido dos helicópteros sobrevoando a área compete com o barulho dos tratores fazendo pilhas e mais pilhas com o que sobrou.

Um ativista da Califórnia, Senai (que não quis dar seu sobrenome), grita para os homens lakota operando os tratores: "Vocês estão fazendo isso por dinheiro! Vocês estão vendendo sua terra por dinheiro!"

"Essa é a minha casa! Volte pra sua!", um deles responde.

Os tratores são financiados pela tribo Standing Rock para limpar o acampamento antes que as inundações de primavera levem o lixo para o rio. Mas alguns ativistas acham esse medo exagerado, e o Serviço de Meteorologia Nacional diz que as inundações serão pequenas.

Ativistas apelidaram o presidente de Standing Rock, Dave Archambault II, de "DAPL Dave" e não gostaram que a liderança tribal tenha convidado a Bureau de Assuntos Indígenas (BIA) para ajudar a limpar os acampamentos. Agentes da BIA têm prendido líderes do protesto nos acampamentos e no casino da reserva, deixando muitos ativistas ressabiados com câmeras e preocupados que agentes federais estejam construindo casos com suas pegadas nas redes sociais. Em 17 de fevereiro, a BIA montou postos de controle fora dos acampamentos, garantindo que nenhuma barraca ou material de construção entre em Oceti ou Sacred Stone.

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Os representantes tribais não retornaram nossos pedidos de comentários sobre limpar os acampamentos, mas a página do Facebook de Standing Rock Sioux já mencionou várias vezes preocupações com inundações, aumento do uso da violência pela polícia e segurança em geral dos manifestantes. Porta-vozes do cassino disseram ao Bismark Tribune que estão perdendo renda por causa dos acampamentos. Numa declaração divulgada em 1º de fevereiro, Achambault dizia: "A luta não está mais aqui, mas nos tribunais do governo federal". Ele está pedindo que bancos retirem o financiamento do oleoduto e promovam uma marcha liderada por nativos em Washington no dia 10 de março. Numa entrevista recente, ele disse ao Guardian que continuar com a presença de ativistas pode levar a mais opressão ao seu povo.

Sacred Stone, que contém um salão de jantar e uma escola permanentes, está em terras da reserva de propriedade de LaDonna Allard e sua família. No dia 16 de fevereiro, os agentes da BIA entregaram documentos nomeando Allard como potencial "coinvasora" em sua própria terra, e dando a Allard e aos ativistas dez dias para "apresentar um caso" de que não estão invadindo ou, então, evacuar o acampamento. Os documentos dizem que como a tribo tem 67% de participação na terra, é preciso consenso de todos para "ocupações". Por e-mail, Nedra Darling, porta-voz da BIA, escreveu que "sem um arrendamento ou consentimento de todos os proprietários", qualquer um vivendo no terreno está invadindo.

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Mas Allard acredita que uma resolução tribal aprovada em junho autorizando a criação do Sacred Stone ainda está valendo.

Por enquanto, tanto Oceti como Sacred Stone permanecem, mesmo que no final de semana passado tratores do Corpo de Engenheiros tenham se juntado aos tratores da tribo, enviados para demolir Oceti — depois de um confronto particularmente brutal com a polícia algumas semanas atrás.

Uma escultura em Sacred Stone chamada "Sem Medo de Olhar o Homem Branco nos Olhos".

Na primeira noite de fevereiro, seguindo uma visão numa sauna tribal, um punhado de ativistas montou sete tipis no topo de uma colina de propriedade da Energy Transfer Partner, a empresa por trás do DAPL. (Essa ação não teve endosso da tribo; a polícia mais tarde se referiu a eles como campistas "desgarrados".) Na manhã seguinte, um grupo maior de ativistas subiu para levar o café da manhã e terminar o trabalho.

Ryan Flesh, do estado de Washington, estava em Oceti tirando neve de uma barraca quando outro ativista passou correndo por ele gritando "Eles estão atravessando a barricada!" Flesh estima que mais de 200 campistas correram da colina para a Backwater Bridge na Highway 1806, o local dos confrontos mais severos com as autoridades em novembro.

"A polícia recuou e formou uma fileira e… a Guarda Nacional entrou na frente deles com escudos, foi quando pensamos que algo iria acontecer", diz Flesh. "Mas o que eles estavam fazendo era apenas garantir seu caminho … eles podiam passar com os tratores pelo acampamento ocidental, depois dirigir seus caminhões até lá para prender todo mundo."

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Na colina, 76 ativistas foram cercados por oficiais enquanto montavam as duas últimas tipis. Quando acabaram, eles juntaram os braços e cercaram uma fogueira, cantando enquanto os policiais os agarravam pelos braços, cabelos e jaquetas. Eventualmente, os oficias chutaram a parte de trás dos joelhos deles, forçando os ativistas a ajoelhar.

Os ativistas dizem que foram obrigados a ajoelhar na neve, e alguns continuaram cantando. Alguns foram socados, apanharam com cassetetes ou tiveram o rosto segurado contra o chão. Eles foram colocados em vans e ônibus escolares, depois transportados para a cadeia de Morton County, onde foram obrigados a tirar os casacos e calças mais pesados. Eles foram algemados e levados em ônibus sem aquecimento e com as janelas abertas para serem deixados em diferentes prisões.

Ethan Petersen, 23 anos, diz que viu uma mulher urinar em si mesma depois de pedir várias vezes para usar o banheiro. Cerca de doze ativistas ficaram no ônibus por aproximadamente seis horas, até chegar a Fargo, segundo Donald "Duck" Longsoldier.

"Eles colocaram as algemas de plástico muito apertadas. O cara do meu lado estava com as mãos roxas. Consegui tirar as minhas algemas antes disso, mas não queria que eles soubessem", disse Longsoldier. Outros ativistas contaram a mesma história do "cara com as mãos roxas", que chorava e pedia aos oficiais para soltar um pouco as algemas.

Longsoldier sentou ao lado do homem, tomando a posição na janela aberta, e segurou as mãos dele. "Só segurei, porque sabia que se esfregasse iria doer", ele diz. Outro ativista sentou do outro lado do homem, o protegendo do frio com calor corporal. "Ele estava congelando", diz Longsoldier. "Tentamos dizer isso aos policiais, mas eles não deram a mínima." (A máxima naquele dia foi de -13º C.)

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Quando chegaram a Fargo, Longsoldier foi passado da cela do grupo para a cela de bêbados. Ele diz que isso aconteceu porque disse a um policial que queria fazer uma reclamação sobre o procedimento de transporte. Ele ficou na sela separada por algumas horas e foi obrigado a soprar um bafômetro para se juntar ao grupo original.

Os ativistas ali há mais meses dizem que, por pior que esse tratamento seja, não foi nada comparado às ações anteriores envolvendo canhões de água, gás de pimenta e bombas de efeito moral.

Segundo Rob Keller, oficial de informações públicas do Departamento de Xerife de Morton County, eles não receberam nenhuma reclamação oficial.

"Até termos um relatório, essas são só acusações", diz Keller. "Quando você é preso, algumas coisas precisam acontecer para que a pessoa seja processada pelo sistema, para garantir a segurança de todos."

Três vezes (duas sob o governo de Obama e uma sob as ordens de Trump), a União de Liberdades Civis Norte-Americana [ACLU] pediu que o Departamento de Justiça investigasse suspeitas de violação de direitos civis e mandasse observadores federais para Standing Rock.

Oceti ao pôr do sol.

Na semana seguinte à prisão dos 76 ativistas na colina, as equipes do acampamento trabalhavam sem parar para fornecer comida, banheiros limpos e recolhimento de resíduos humanos. Mas outros estavam incertos de como passar o tempo.

Pessoas fumavam um cigarro atrás do outro em tendas fechadas (pensando alto por que não conseguiam se livrar da "tosse de acampamento") e assistiam entrevistas antigas no Democracy Now! Eles discutiam ações diretas para bloquear a construção do oleoduto — estratégias que, com o número cada vez menor de ativistas, pareciam implausíveis. Eles debateram várias estratégias legais, como prestar queixas de danos e até dizer que como pessoas soberanas sob a lei comum, um tribunal sem júri não tinha jurisdição sobre eles.

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Em Sacred Stone, cerca de 70 veteranos representando dois grupos, originalmente da campanha de dezembro que trouxe soldados veteranos para apoiar os nativos, estavam construindo um abrigo e uma nova cozinha em terreno mais alto. Depois da notificação de despejo, eles pararam a construção para planejar seu próximo passo.

"Se nos pedirem para sair, vamos facilitar a saída segura de nossos membros e qualquer veterano ou membros da comunidade", diz Mark Sanderson, fundador de um dos grupos, o VeteransRespond. "Não é bom para o bem-estar dos veteranos se envolver em nenhum tipo de confronto com as autoridades." (A página do Facebook do VeteransRespond agora desencoraja a viagem de veteranos até o local.)

Um despejo vai deixar alguns veteranos, como Sharon Bates, sem ter para onde ir. Bates, 56 anos, ajuda na escola e na cozinha do acampamento, e planejava ficar em Sacred Stone indefinidamente. "Não tenho mais uma vida. Não tenho ninguém para quem voltar. Até deixei minha casa ser desocupada", ela diz.

Rosebud, do outro lado do rio de Oceti, fica em terras do Corpo de Engenheiros e da reserva. O acampamento Cheyenne River também fica em terras arrendadas da reserva. Até agora, nenhum deles recebeu uma data de evacuação. Rise of the Seventh Generetion está em 70 acres de terra privada da reserva, e os organizadores planejam investigar novos campistas para manter infiltrados e "antagonistas" fora. Segundo o responsável, Brandon Green, diferente de Sacred Stone, a tribo não é a proprietária majoritária do terreno.

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"É preciso um desastre para aprender uma lição, mas no processo, nos unificamos." – Dennis Romaro

A situação é incerta nos acampamentos, mas não importa o que aconteça, Jean Paul Roy, 54 anos, um conselheiro tribal com os sioux Flaundreau Santee, acha que há vitórias em Standing Rock "que nunca vão aparecer na mídia".

E com isso, ele não quer dizer necessariamente a derrota do DAPL, que parece improvável. Mas, segundo ele, o movimento, que foi iniciado pela juventude, empoderou jovens a crescer numa tradição que privilegia os mais velhos: "Isso deu um propósito a eles e vontade de lutar pela próxima geração".

Romaro ecoa esse sentimento. "Se o DAPL não tivesse começado tudo isso, não estaríamos aqui", diz. "É preciso um desastre para aprender uma lição, mas no processo, nos unificamos."

Para muitos — principalmente aqueles que nunca estiveram em Standing Rock, que não chamam seus amigos de "irmãs" e "irmãos" ou mencionam o "Criador" em conversas casuais, aqueles que não beberam a cidra do herbalista para afastar o frio, comeram pão frito numa cozinha ou numa tenda, ou fizeram perguntas para o fogo sagrado só para ver a chama tremular em resposta — pode parecer uma vitória vazia e cara demais. Mas para algumas pessoas no acampamento, é tudo.

Cheree Franco é escritor e fotógrafo, trabalhando principalmente em Arkansas, Mississippi, Nova York e Paquistão.

Tradução: Marina Schnoor

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