A morte é ainda mais injusta no jogo de tabuleiro de 'Dark Souls'
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A morte é ainda mais injusta no jogo de tabuleiro de 'Dark Souls'

Dando mais espaço para sorte do que habilidade, adaptação pros tabuleiros perde uma característica importante da série 'Souls'.

Esta matéria foi originalmente publicada no Waypoint.

A Steamforged, responsável pelo novo Dark Souls: The Board Game, enfrentou grandes desafios para adaptar o RPG clássico da FromSoftware para um jogo de mesa.

Quando se fala em Dark Souls, a palavra "brutal", ou qualquer variação dela, é a primeira coisa que vem em mente. A reputação da franquia é de dor e sofrimento – fazendo com que o jogador supere seus limites para aprender as habilidades necessárias e explorar todas as possibilidades para se dar bem (ou só sair vivo) do jogo.

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Jogos de tabuleiro, claro, também podem ser desafiadores. Mas o que faz com que eles sejam difíceis é muito diferente. Num jogo, as engrenagens, as maquinações da inteligência artificial, estão escondidas em camadas grossas de animação e som, que são só a superfície. Essa matemática invisível se apresenta através de muita tentativa e erro, em vez de ser mostrada diretamente ao jogador. No jogo de tabuleiro, no entanto, o game design é apresentado através da própria experiência do jogo: nas cartas, nas miniaturas e dados, que formam as engrenagens – objetos táteis com que você interage física e diretamente.

Dados são peças comuns nesses jogos, mas a decisão da Steamforged de incluí-los na sua adaptação de Dark Souls não foi bem recebida pela comunidade no seu anúncio no ano passado (quando levantou um capital de £3,7 milhões no Kickstarter, sendo que a meta era de apenas £50 mil). Desde então, esse foi um dos elementos mais controversos da conversão do game pro papel e plástico.

Os fãs que criticaram a produtora argumentavam que os dados fundamentalmente prejudicavam a filosofia de melhoria de habilidades pessoais em Dark Souls, transformando horas de prática e estudo em pura sorte. Os designers da Steamforged, no entanto, responderam que a inclusão de dados no design representava apenas a melhor ferramenta para traduzir a natureza fluida do combate da franquia Souls.

Para um jogo de tabuleiro, essa é uma mecânica tradicional e confiável, mas não se encaixa na proposta desse jogo. Sem dúvidas, os dados fazem com que o jogo fique mais imprevisível e, portanto, mais difícil – mas não é esse tipo de dificuldade que os fãs de Dark Souls procuram. Essa é uma dificuldade natural dos ventos da sorte, em vez de ser algo que depende do seu preparo como jogador.

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O combate não é a única área dessa adaptação de Dark Souls que é questionável. A Steamforged claramente sentiu a necessidade de replicar o espírito desafiador do material original, como pode ser visto no sistema de combate. Mas a vontade de ser difícil era tanta que os designers esqueceram que Dark Souls é mais do que um jogo difícil. Existe uma narrativa complexa, apesar de não ser muito clara, que permeia toda a série, com inúmeros textos de história pro jogador digerir, se fosse do seu interesse.

Nos primeiros momentos de Dark Souls, um cavaleiro misterioso joga um corpo numa cela em que o seu personagem está preso e esquecido. O corpo tem uma chave que abre a cela, e assim a sua aventura começa. É um método simples de contar uma história, mas é ótimo para criar uma sensação de mistério pro jogador desvendar, como um convite para explorar um mundo enorme.

Quando você sente que finalmente está jogando Dark Souls, os dados caem no lado em branco enquanto tenta esquivar, acaba errando sem que a culpa seja sua e lembra que tudo isso é uma ilusão.

A história faz perguntas que o jogador quer saber as respostas, e por isso as pessoas entram no clima de brutalidade do jogo. Mas no tabuleiro o elemento narrativo é tão básico que não consegue traduzir a mesma intensidade da história.

Quase o mapa inteiro está disponível logo no começo do jogo. Apesar de cada sala só ser desvendada conforme o jogador avança, ver o mapa inteiro do jogo acaba sendo um obstáculo pra exploração profunda da série Souls. As únicas partes que não aparecem no mapa são as salas dos chefões, que se escondem atrás de peças que representam os portões de névoa. É uma boa referência dos games originais, mas também perde a graça rapidamente, já que a empolgação de atravessar esses portões acaba mais rápido que nos jogos.

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Superficialmente, o jogo de tabuleiro está cheio de pequenas referências ao universo Dark Souls. A mecânica que criaram para quando você precisa recuperar as suas "souls" depois que morre é fiel ao game e a clássica fogueira também é uma parte importante do mapa.

Mas todos esses elementos não se aprofundam. Quando você sente que finalmente está jogando Dark Souls, os dados caem no lado em branco enquanto tenta esquivar, acaba errando sem que a culpa seja sua e lembra que tudo isso é uma ilusão.

Fica óbvia a impressão de que esse é um projeto de amor. Os designers claramente amam Dark Souls – mas isso não é necessariamente algo bom. O desejo de trazer um game pro mundo real acabou inibindo, nesse caso, a criatividade dos criadores originais.

XCOM: The Board Game, da Fantasy Flight, por exemplo, não é um jogo de estratégia por turnos, como o original. Muito pelo contrário, já que depende de decisões tomadas em tempo real, e bastante trabalho em equipe, para dar o clima de tensão e ameaça constante que é típico do game. Mecanicamente, o jogo de tabuleiro não tem a ver com a versão digital, mas emocionalmente ele reproduz muito bem o clima de XCOM.

Assim como o jogo de tabuleiro oficial de Portal, também conhecido como "O jogo não-cooperativo de conquista de bolo", que se origina de uma das poucas franquias que talvez seja tão idolatrada quanto Dark Souls. Naturalmente, o jogo incorpora a mecânica de portais, mas não é obcecado por isso. Na verdade, o jogo foca em capturar o humor cruel e as gracinhas ocasionais do game em que foi inspirado.

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Nesses dois exemplos, inspiração é a palavra chave. Ambos demonstram uma compreensão óbvia, e um carinho enorme também, dos jogos originais. O que não tem nesses jogos é a obsessão em imita-los.

Até é possível ver Dark Souls: The Board Game como um item de colecionador, feito pros fãs mais assíduos da franquia. O jogo tem várias miniaturas que, sem contar uns errinhos de produção, são muito impressionantes. Os mini-chefões, em especial, são impressionantes, com um tamanho imponente comparado com o resto do tabuleiro. Alguém com boas habilidades de pintura poderia transformar esses bonecos em algo incrível.

É um produto que eu acredito que um fã gostaria de comprar só pra ter em casa, em vez de se importar de verdade com a qualidade do jogo em si. Se vale a pena gastar grana com isso é uma questão totalmente subjetiva, mas talvez o jogo acabe dando o tom para outras adaptações licenciadas que buscarão financiamento através do Kickstarter no futuro.

A natureza do Kickstarter, além de outras plataformas de financiamento, encorajam designers a produzirem um jogo propositalmente robusto. Quanto mais generoso for o conteúdo dentro da caixa, maior a probabilidade dos consumidores em enxergar um valor no projeto. Essa característica do financiamento coletivo se torna ainda mais expansiva com os objetivos extras de financiamento do projeto.

Em Dark Souls, quanto mais dinheiro as pessoas colocavam na campanha, mais brinquedos vinham na caixa. É puro fan service nutrido por muita grana injetada no projeto.

Se formos analizar por esse lado, o fato que a mecânica desse Dark Souls não é lá essas coisas é quase insignificante. Com o sucesso dos brinquedos de alta qualidade incluídos no jogo, a Steamforged pode ter acidentalmente aumentado demais o padrão de produção para pequenos estúdios que querem adaptar games pra mesa.

Mas para aqueles projetos que virão no futuro, deixando de lado a qualidade estética do jogo, talvez seja importante priorizar os sistemas que funcionem bem naquele formato, em vez de tentar adaptar a qualquer custo os elementos que não funcionam fora dos videogames.

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