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O Guia VICE Pra Fazer 2014 Melhor que 2013

Como os EUA Podem Fazer Uma Política Externa Menos Desastrosa em 2014

O ano de 2013 foi muito escroto para a política externa dos EUA: contra o pano de fundo da sangrenta guerra na Síria, eles se encolheram de medo quando Edward Snowden levantou a tampa do maior programa de vigilância em massa da história.

Foto por Dasha Love, arte gráfica por Sam Taylor.

Olha, você pode até não gostar, mas a verdade é essa: política externa tem muito a ver com você. Para quem vive no Ocidente (estou vendo seus iPods, gente), por exemplo, o que o Obama faz com as suas bombas te reflete globalmente. Se você vive no mundo (e, muito provavelmente, vive, porque estou vendo que você é humano) então você mora, pelo menos por enquanto, num planeta onde os EUA ainda têm muito peso. E se você gosta de gente gay, ou mulheres, e todo tipo de superpoderes disponíveis para os humanos, a América é sua melhor aposta. Os votos dos norte-americanos elegem um monte de pessoas que mal são de inteligência mediana para dirigir — ou fechar — o Congresso, e isso infelizmente influencia sua vida.

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Por isso, é óbvio que, no ano passado, VOCÊ vacilou, porque olhando em retrospectiva, 2013 foi um ano muito escroto para a política externa dos EUA. Contra o pano de fundo da sangrenta guerra na Síria, os EUA se encolheram de medo quando Edward Snowden levantou a tampa do maior programa de vigilância em massa da história. Terroristas fugiram das prisões e mantiveram cidades inteiras como reféns. Os egípcios se mataram pacas e os dois lados culparam os Estados Unidos, sem falar que absolutamente nada foi feito para tornar a Síria menos infernal. Na verdade, o país só piorou. Muito bem. Enquanto isso, em outras partes do planeta onde nem podemos fingir que os EUA têm influência, a marinha chinesa ganhou o prêmio de "quem amarela primeiro" no caso de uma Terceira Guerra Mundial no Pacífico. Não se sabe como, mas a Rússia saiu bonitona nessa história.

Então, sim, os EUA podiam ter feito melhor. O Talibã continua lá, escondido em suas cavernas, esperando ansiosamente a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão até o final de 2014. E o caos também espera ansiosamente por isso. No Iêmen, Paquistão e além, os ataques de drones norte-americanos continuam, o que faz o Nobel da Paz do Obama parecer uma puta piada de mau gosto. Graças ao envolvimento constrangedor na Síria, a própria ideia do Ocidente intervindo nos problemas de outros países nunca esteve tão fora de moda. E, só de olhar para o Afeganistão, ainda coberto com os estilhaços e tripas de seus entes queridos, não é difícil entender o porquê.

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Simpatizantes do presidente deposto, Mohamed Morsi, sentem a ira do Exército Egípcio. Foto por Mosa'ab Elshamy.

David Kilcullen é um peso-pesado da política e estratégia externas, e passou anos aconselhando (e criticando) o governo norte-americano como parte do “Petraeus” — um esquadrão de intelectuais reunidos para tentar resolver a Guerra do Iraque. David acha que a primeira coisa que o governo norte-americano precisa fazer este ano é consertar o “estrago feito pelo maior desenvolvimento em política externa” de 2013: as revelações de Edward Snowden sobre a espionagem do governo — especialmente as partes sobre o governo norte-americano metendo o nariz na vida de seus aliados mais próximos. Quase todo mundo está puto com os espiões dos EUA, o que significa que o Ocidente está mais dividido do que já esteve em décadas. O que não é um bom começo.

A boa notícia, de acordo com David, é que Snowden “gerou um debate que precisamos ter em 2014”, que pode ser “a chave para destrancar uma discussão mais ampla sobre normas internacionais e nosso relacionamento com os governantes”. Este ano, uma política externa melhor dos EUA deve começar reparando velhas amizades, e não começando novas tretas.

Segundo, os EUA precisam parar de atacar adolescentes com seus drones no Tretaquistão, só porque acha que todo cara velho o suficiente para segurar uma arma é um terrorista. Em vez disso, conforme David, o país precisa continuar à frente de uma enorme guinada que acontece atualmente na guerra ao terror, ao crime e à pobreza emergentes nas “cidades costeiras crescentes, conectadas e superpovoadas”. Nesses lugares em 2013, a bandidagem e a corrupção representaram as ameaças mais comuns para as pessoas.

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Uma vasta população de gente pobre “migrou para as favelas marginalizadas do mundo”; governos mais fracos estão perdendo o controle, deixando “grupos armados não pertencentes ao estado” no comando. “Os governos ocidentais perdem muito tempo se preocupando com grupos raciais”, David me disse, “mas se você vive em Dakar, Nairóbi ou Carachi, você está mais preocupado com as gangues e com a falta de água e de luz”. Se você é, digamos, um imigrante somali vivendo em Eastleigh, Nairóbi, e o al Shabaab está ganhando poder sobre a infraestrutura local num lugar com poucos empregos, eles não vão ser vistos como terroristas, mais sim, como os únicos empregadores lucrativos do lugar.

Além disso, o problema da jihad mudou. De acordo com David, um “padrão urbanizado de guerra no planeta” significa que os Estados Unidos precisam desaprender o que aprenderam nas montanhas do Afeganistão e Iraque, e preparar um novo tipo de luta: no qual jihadistas altamente treinados postam selfies deles na Síria impunemente e cartéis do narcotráfico ostentam sua riqueza e violência no Instagram.

Jihadistas ocidentais, provavelmente alemães, na Síria. Foto do Instagram.

“A Síria deu uma nova vida à al-Qaeda”, disse David. “Esse grupo foi fisicamente esmagado em 2010, mas voltou mais forte em 2013 e com uma classe melhor de jihadistas”. Isso é especialmente perigoso, já que muitos de seus combatentes são ocidentais, como a VICE relatou ano passado. Em 2014, “alguns desses caras vão voltar para o Ocidente depois de ter trabalhado para todo um espectro de grupos terroristas sunitas”. Fiquem de olho neles este ano.

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Seguinte, o Ocidente deve ficar atento à nova classe de pessoas emputecidas do mundo. Nos próximos meses, David reconhece que vamos ver um número crescente de protestos estilo Primavera Árabe em todo o mundo, desencadeados pela percepção de injustiça nas economias de crescimento rápido. “Como vimos em 2013 na Turquia e no Brasil, as pessoas vão continuar contestando quem tem o controle do espaço urbano."

“Acho que em 2014 vamos ver o governo brasileiro trabalhando para assegurar seus espaços urbanos antes da Copa do Mundo, e veremos grande instabilidade e violência urbana enquanto a polícia se movimenta em áreas dominadas por grupos armados, que podem até tentar parar as cidades; podemos até ver os militares brasileiros tentando reforçar isso.” Eventos como esses terão significado internacional: em lugares “hiperconectados”, onde as pessoas estão insatisfeitas e têm uma internet decente, pequenos embates podem ficar grandes muito rapidamente. Portanto, a mensagem internacional precisa expressar — claramente — que mandar tropas de choque jogar gás nas pessoas que pagam seus salários é inaceitável.

Quanto à Turquia, se isso realmente acontecer, os EUA têm que escolher lados (como não fez na Primavera Árabe). Apoiamos déspotas ou levantes populares? Este ano será decisivo nesse sentido.

Se os EUA querem um mundo mais seguro este ano, então devem ficar de olho nos lugares onde as pessoas mais vulneráveis do mundo podem estar em perigo. Um deles, segundo David, pode ser a África do Sul, onde 44 pessoas foram mortas durante uma greve de mineiros em 2012. “Eu estava na África do Sul quando Mandela morreu e fiquei surpreso com a profundidade da raiva contra o ANC [o partido político de Mandela]. As pessoas viram Zuma, o sucessor de Mandela, no funeral, e fizeram uma comparação direta entre os velhos líderes e as pessoas que comandam o país agora. Eu não ficaria surpreso de ver esse descontentamento expresso, possivelmente com violência, nas cidades da África do Sul este ano.”

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Ah, e boa parte da África também, onde os EUA vão enfrentar “várias crises em curso e sociedades frágeis” em 2014; movimentos que podem ter “o potencial para arrastar países Ocidentais para intervenções difíceis”. Isso sem mencionar as Olimpíadas de Inverno em Sóchi, Rússia, que — depois do ataque terrorista duplo do final do ano passado — parecem ser o ponto focal de distúrbios (e condenação internacional da lei antigay de Putin). Depois, temos a disputa no Mar da China Meridional, que em 2014 pode espiralar para um “conflito acidental” enquanto a China tenta se afirmar na região.

Tropa de Choque do Rio de Janeiro em protestos depois da Copa das Confederações. Foto por Matias Maxx.

Mas 2013 também teve coisas boas. Em abril, 115 países finalmente assinaram o Tratado de Comércio de Armas Convencionais, um acordo que proíbe a venda de mísseis a torto e a direito. E nos meses anteriores a novembro, os Estados Unidos e o Irã discutiram secretamente um abrandamento gradual do programa nuclear no Irã. Um presidente ligeiramente mais sossegado, instalado no poder lá em junho, significa que as nações ocidentais podem conversar com o Irã sem serem taxadas de conspiradores sionistas ou algo do tipo. Para 2014 ser melhor do que 2013, é preciso construir vibrações melhores em torno desses grandes acordos. Isso será difícil, mas necessário.

Liguei para Nasser Hadian, um importante cientista político iraniano para saber o que ele pensa do acordo em Teerã: “Desde que o presidente Rouhani subiu ao poder em 2013, praticamente eliminamos as chances de uma guerra com Israel, as sanções contra meu país foram pausadas e o mundo está menos hostil à imagem do Irã. Dito isso, não estou otimista sobre as relações externas em 2014, então, os dois lados terão que ser cuidadosos”.

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O que mais devemos temer do aspirante nuclear perene do planeta? Em 2014, Nasser me disse que “a principal preocupação em Teerã será a divisão crescente entre sunitas e xiitas na região; isso terá consequências importantes para Iraque, Líbano, Síria, Paquistão e Afeganistão… o que pode ser muito destrutivo para cada um desses países. Espero que isso possa ser contido”.

Sobre a Síria: “a situação só pode melhorar, mas, novamente, não estou otimista. Podemos, pelo menos, tentar estabilizar isso em 2014, o que vai necessitar um consenso. Essa é outra razão pela qual precisamos ser amigos na questão nuclear”. No Afeganistão: “Quando as tropas norte-americanas deixarem o país, podemos ter um grande problema, mas se o governo sobreviver até o final de 2014, há boas chances de que ele consiga sobreviver a longo prazo. Sauditas, paquistaneses, e mesmo indianos, dependem da segurança afegã, então, vamos precisar de algum acordo internacional para ajudar a estabilizar o país este ano”.

Parece que as pessoas só concordam em uma coisa: o único jeito de fazer do planeta um lugar mais seguro é se o Ocidente parar de brincar com drones. Como David disse: “No futuro, os drones serão vistos como algo que parecia uma boa ideia na época. Os EUA decidiram que podem atacar qualquer pessoa, a qualquer hora e de acordo com suas próprias leis. O que vai acontecer se a China decidir aplicar as mesmas regras para atacar ativistas do Falun Gong em São Francisco?”. Este ano, novas leis sobre drones serão votadas. E o governo norte-americano deveria segui-las.

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Bom, esse é um mapa um tanto vago sobre em que prestar atenção em 2014. Mas isso pode ser feito? “Os Estados Unidos estão distraídos com questões como casamento gay, guerra cultural e saúde; o país está voltado para dentro”, disse David. “Não vamos ver um grande debate sobre política externa.” E o Reino Unido? “Eles também se voltaram para dentro e não estão pensando sobre intervenção liberal — os políticos estão cansados e não têm um sentido de qual o propósito do Reino Unido.” OK, e quanto ao Irã e o Oriente Médio? “Não estou otimista”, disse Nasser. “Vai ser um ano difícil.”

Certo. Como parece que ninguém está cuidado desse negócio, aqui vai uma listinha básica:

1 – O Obama precisa voar por aí e pedir desculpas pessoalmente por grampear os chefes de estado, além de entregar a senha dele do Twitter como sinal de boa fé.

2 – O Obama precisa parar de mandar seus drones para obliterar pessoas sem nem direito à julgamento.

3 – Os EUA poderiam ficar de olho nas cidades mais pobres do mundo e fazer o possível para que elas não caiam nas mãos dos bandidos.

4 – Os EUA poderiam ficar de olho nas grandes cidades dos países ricos e impedir que as autoridades punam as pessoas por protestar.

5 – Oi, China! Tente evitar a Terceira Guerra Mundial, por favor.

6 – Alguém precisa fazer algo sobre a Síria em algum momento.

7 – Tem algum jeito de tirar as tropas norte-americanas do Afeganistão sem que o país desmorone? Se alguém tiver alguma ideia, me ligue.

8 – Menos crime no exterior e mais integração interna nos EUA significam menos combatentes estrangeiros tirando férias na jihad.

Fácil.

Siga o Alex Chitty no Twitter: @alexchitty