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Fotos

Uma Boa Parte Louca

Paulo Batalha passou quatro anos fotografando as noites de quinta-feira na Torre do Dr. Zero, resultado desse trampo é o seu primeiro livro, B.O.

O título acima vem de um dos capítulos do primeiro livro do Paulo Batalha. Ele passou quatro anos fotografando as noites de quinta-feira na famigerada Torre do Dr. Zero, finada casa noturna da Vila Madalena, em São Paulo. Das 4 mil fotos que tirou, 140 compõe B.O., um apanhado de poses das diversas pessoas que davam o ar da graça (ou da cachaça) por lá.

Já com o flash pronto, filme analógico posto, Batalha pedia educadamente aos trêbados uma foto, e aí, segundo ele: “quebrava-se a barreira… e era do caralho!” Caralho não tem em foto nenhuma, mas uma pré-trepação tem aos montes. Há inclusive um capítulo todo que chama “No Banheiro da Torre”.

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Conversei com o Batalha, que foi muito gentil e até nos descolou fotos inéditas. No final da entrevista tem o serviço do lançamento pra você poder adquirir o tomo (e curtir seus bons drink).

Vice: Fala um pouco sobre essas fotos e como elas surgiram.
Paulo Batalha: Comecei a fotografar na Torre em 2006 bem ao acaso, ia lá de vez em quando. Participo de um coletivo, o Rolê, e a gente saía à noite pra fotografar, e muitas vezes a noite acabava na Torre, às quintas-feiras. Depois passei a ir à Torre só para fotografar, sempre ia com o equipamento, sem esperar encontrar ninguém. Encostava lá no bar, tomava uma cerveja, tomava duas, trocava uma ideia, de repente a noite ia melhorando, ia enchendo de gente, aí pegava a câmera, e lá era um lugar bem apertado… Um lugar escuro, uma fumaça do caramba, e aí me metia no meio das pessoas.

Como era conseguir das pessoas essas poses, ou determinada cara ou determinada situação? As pessoas se revelavam normalmente ou tinha um lance meio dirigido?
Dirigido não era, mas eu pedia pra fazer as fotos na maioria das vezes. Uma ou outra que foi feita sem a pessoa perceber. Quando peço pra pessoa posar, tô dando a ela a oportunidade de se desarmar daquela pose de noite e ser mais verdadeira. É uma coisa muito natural, tanto que não tem carão no livro. E como não conhecia as pessoas, desarmava um pouco.

Você tinha alguma relação com as pessoas ou começou a ter depois de fazer essas fotos?
Conhecia um ou outro, mas a maioria das pessoas que eu fotografava não conhecia.

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Esse livro é resultado de quantos anos de fotografia?
São quatro anos fotografando só na Torre. No começo eu não tinha ideia de fazer nada, só me divertida pra caramba fazendo as fotos, porque eram pessoas que realmente tinham uma coisa diferente. Esse lugar juntava pessoas que tinham uma coisa em comum, como sei lá, uma vontade de extravasar, galera que trabalhava com moda, publicidade, cinema, produção. Não é que não tivessem outras pessoas, tem maluco em todas as áreas, mas sempre uma galera bem diversificada, desde o travesti da Robert Kennedy até a princesa Paola de Orleans e ator e atriz da Globo. Não estão no livro, mas tenho foto lá no meu arquivo.

Conta alguma história bizarra. Sei lá, no livro tem a parte do banheiro, como que é isso, um pouco voyeur, e também ali ciente, sempre atento ao que tá rolando. Qual a história mais bizarra?
A coisa mais bizarra? Não sei se vou conseguir lembrar. Talvez não tenha a história mais bizarra, mas eu vi coisas bem bizarras. Sei lá, essa história do banheiro é uma coisa meio fetiche também, é voyeurismo, e eu entrava com as pessoas no banheiro pra fotografar, meio que forçava uma situação, quer dizer, forçava a imaginação. Ou eu chamava as pessoas para fotografar no banheiro, aí lá dentro a menina tirava a roupa toda. E uma cena bizarra, por exemplo, é a de uma foto que são dois caras e uma menina no banheiro, um dos caras com um vestido roxo, e estão os três lá e começam a se beijar, e a mina dá uma mordida na bunda do cara. Aí teve outra vez que tinha uma galera no banheiro, também, e um travesti imenso de 1,90m de altura e uma menina deu uma mordida no bico do peito. Essa foto não tá no livro, fica pra uma próxima edição.

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Como foi contatar as pessoas para pedir autorização de uso de imagem?
Ir atrás das pessoas foi o maior desafio do livro, foi o mais difícil, porque eu conhecia poucas pessoas, então eu acabei indo encontrar uma pessoa, que reconhecia outras e me dava contatos, cada personagem me ajudou a encontrar os outros. Foi um desafio.

E o lance de você não conseguir autorizações, muitas fotos boas deixaram de entrar?
Na verdade, por incrível que pareça, não. As fotos que não consegui autorização foram apenas duas. As pessoas têm seus motivos pessoais, mas as pessoas não quiseram porque não quiseram, OK. Teve gente que eu não achei, que não sei quem é até hoje. Teve gente que tava na clínica de reabilitação e não consegui falar.

E pra fazer a seleção dessas fotos como que foi?
Trabalhei nessa edição com o diretor de arte, Marco Ponce. O livro funciona como se fosse um dia só. Tem o começo, com as pessoas mais tranquilas, o meio, onde as pessoas estão enlouquecendo, e a parte final, onde as pessoas estão mais chapadas -- com uma cara mais de final de balada. Então a gente construiu dessa forma: quatro anos em um dia.

Você acha que pelo fato de estar todo mundo louco você acabou extraindo das pessoas coisas que elas nunca revelariam sóbrias?
É curioso você falar, porque pra mim foi uma descoberta depois, quando fui buscar autorização de todo mundo, conhecer essas pessoas fora da Torre, e é outra pessoa, também foi uma experiência do caralho.

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E aquele depoimento: “Não me monto mais, e não quero minha foto no seu livro”, qual foi?
É muito engraçado, é uma foto que tinha um cara montado de drag queen. Perguntei se ele queria sair no livro, mandei a foto pra ele, e ele disse: “não me monto mais, e não quero fazer parte da história da Torre e não autorizo minha foto, OK?”

Engraçado que um banco patrocinou o livro.
Acho muito louco, porque quando a gente conseguiu aprovar na Lei Rouanet, eu pensava: “ah quem poderia patrocinar?” Vem na cabeça milhões de marcas de bebidas, marcas jovens, descoladas e tal… Mas no final foi um banco de investimentos. Não sei se pra eles é pouca grana e não faz muita diferença, mas acho que tem uma ligação, quer dizer que isso chamou a atenção desse público que é meio caretão.

Você acha que essas fotos são um registro local, da cena da Torre ou uma coisa mais ampla?
Acho que é uma coisa bem específica da Torre, porque era um lugar que permitia um comportamento assim: era pequeno, tocava um tipo específico de música, começava tarde, terminava de manhã. Sei lá, muita gente achava muito trash, muito sujo, enfim, mas tinha gente que curtia e se divertia pra caramba e ia sempre. Acho que é um recorte da noite de São Paulo, que é bem diversificada, e lá tinha realmente de tudo, todo tipo de gente.

Que tipo de gente?
Desde travesti, drags queens, atores de TV..

Quem? Quem?
Ah, sei lá. Simone Spoladore.

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A foto da capa é a que eu mais gosto, quem é esse cara?
Esse cara é um cara muito figura, ele chama Volatille Fiéra, é o nome que ele assim se proclama [risos]. E essa foto eu demorei muito pra descobrir quem era, e quando descobri que ele era ele, vi que eu tinha várias outras fotos dele nos meus arquivos, só que ele com outra cara, cada dia ele aparecia com uma cara diferente.

Tem um cara que parece o Andy Warhol, não é?
É a Ronalda. É uma figura, tava sempre lá, trabalhava lá na porta.

Me conta sobre o título.
O título foi engraçado, porque um dia eu tava fotografando lá e tinha um casal de meninas e tal, e pedi pra fazer uma foto delas, e a menina não queria, não queria, depois deixou, e ficou falando: “Mó B.O. isso aqui, olha como eu tô, loucona pra caramba, puta B.O. isso!”. E o livro é realmente isso, um flagra no lugar que você vai pra enfiar o pé na jaca…

E essas fotos te trazem uma nostalgia quanto à Torre?
Pra mim dá saudade ter uma coisa do caralho pra fazer nas quintas-feiras, que era um lugar barato para entrar, cerveja de garrafa, música muito boa, e diversão até de manhã -- para fotografar então nem se fala… Muita gente vê o livro e até chora de saudade da Torre, saudade das pessoas… E teve gente que tá no livro que faleceu, três pessoas. Foi curioso, as pessoas têm muita saudade do que foi a Torre. A Torre abriu em 1997, depois fechou, abriu de novo, e eu peguei esses quatro últimos anos, e acho que é bem um recorte, representa bem o que foi a Torre porque o livro tem a intensidade que a casa teve durante todos esses anos de vida.

O lançamento em São Paulo rola dia 17 de maio na Livraria da Vila, a partir das 18h30. Se você não está em SP, aqui vai o site e a página do Facebook do livro caso você queira comprar ou ajudar a organizar um lançamento na sua cidade.

ENTREVISTA E RETRATO POR MATHEUS CHIARATTI
FOTOS: CORTESIA PAULO BATALHA