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Desocupação violenta e civis mascarados na luta por ensino público dos secundaristas de Goiás

São 17 escolas estaduais e a Secretária de Educação, Cultura e Esporte do Estado ocupadas sob ataques da mídia local.

Ainda no final do ano passado, o Brasil inteiro acompanhou a saga dos estudantes secundaristas de São Paulo, que primeiro protestaram nas ruas e então ocuparam diversos colégios estaduais. O movimento era contrário à proposta de 'reorganização escolar' do governador Geraldo Alckmin, que fecharia uma série de escolas. O que passou fora do radar para muitos foi a situação semelhante no centro-oeste do país, mais especificamente na capital de Goiás, Goiânia e seu entorno.

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Foto: Layana Souza

Diante da decisão do governo do estado de Goiás de repassar a administração de 30% das unidades do ensino público para Organizações Sociais e também de militarizar outras unidades, os alunos da rede pública local ocuparam diversos colégios, exigindo, em primeira instância, diálogo e maior transparência na tomada de decisões por parte da Secretária de Educação, Cultura e Esporte do Estado e, como objetivo final, a manutenção da administração da rede pública pelo Estado e a não militarização de novos colégios.

A VICE visitou diversas ocupações e conversou com os secundaristas para entender suas pautas e a maneira como estão se organizando e lutando em prol da educação.

Foto: Layana Souza

Ao chegar no Colégio Lyceu, no centro de Goiânia, ocupado desde o dia 11 de dezembro, fomos recebidos com certa desconfiança pelos secundaristas. Após alguns minutos de conversa e apresentações, fomos liberados como visitantes. Fotos somente na companhia de alguém da Comissão de Comunicação da ocupação. O motivo de tantas precauções foi um ataque sofrido pelo movimento por parte da imprensa local. Na manhã do dia de nossa visita à ocupação, uma lista foi divulgada num jornal local contendo nove nomes apontados como supostas lideranças partidárias filiadas a movimentos sociais e faculdades. De acordo com os secundaristas, foi uma tentativa de descaracterizar um movimento espontâneo e horizontal que foi iniciado e é mantido por eles.

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Divididos em comissões para facilitar o cumprimento das várias responsabilidades que adquiriram durante a ocupação, os alunos cuidavam da manutenção e revitalização do colégio, da programação cultural e didática durante a ocupação, da segurança do prédio e também da comunicação com a imprensa. Além das atividades no colégio, os secundaristas também realizavam assembleias para deliberar pautas e definir datas de manifestações.

Foto: Layana Souza

O clima no Lyceu oscila entre esperança e desconfiança. O colégio foi um dos primeiros a ser ocupados e, desde o início do movimento,os estudantes conseguiram resultados eficazes em sua luta, mas o incessanteesforço da mídia local em deturpar o movimento enquanto promovem as Organizações Sociais somado à truculência das ações policiais impede os estudantes de cantarem vitória.

Entre os argumentos contrários as OS's, os secundaristas citam a importância de não se transferir à iniciativa privada responsabilidades do governo do estado e a margem para corrupção que esta modalidade abre. Sobre a militarização, dizem ser contra devido ao modelo de ensino repressor, a inexistência de grêmios estudantis e os custos adicionais com livros e uniformes, além de contarem com uma contribuição 'voluntária' para manutenção dos serviços. Tais mudanças acabariam com o caráter público do ensino e relegariam os alunos que não pudessem arcar com os custos a colégios distantes de sua localização, cerceando seu direito à educação.

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Foto: Layana Souza

No final da visita, o aluno R., da comissão de comunicação da ocupação do Lyceu, deixou um apelo: "Muitas vezes os pais possuem uma rotina árdua de trabalho e acabam não dispondo de tempo e ânimo para buscar informações sobre as organizações sociais. Peço a eles, então, que se questionem: que instituição privada vai comandar um colégio sem fins lucrativos? O pessoal fala de reintegração de posse, que precisa de uma pra entrar aqui, mas a reintegração de posse já foi feita por nós, que somos os alunos e estamos aqui ocupando".

Foto: Layana Souza

A situação no Colégio JCA, conhecido como Zezão, é um pouco diferente. O colégio se encontra fechado desde 2014 e foi ocupado pelos secundaristas (em grande parte, ex-alunos do colégio) no dia 9 de dezembro, com a sua reabertura integrando as pautas dos alunos. Visivelmente depredado desde seu fechamento, o trabalho de revitalização realizado pelos secundaristas é notável. A entrada principal do prédio, que estava inutilizável desde antes de seu fechamento, foi completamente reparada, paredes foram repintadas e pequenos danos à estrutura foram consertados, tudo com doações de pessoas solidárias à luta e esforço dos estudantes.

Foto: Layana Souza

Sobre o fechamento do colégio, os secundaristas suspeitam que a desativação tenha sido provocada, uma vez que a implantação súbita do regime integral de ensino no colégio causou uma enorme evasão de alunos, que, pelos mais diversos motivos, não poderiam ficar no colégio o dia todo e, por isso, foram obrigados a procurar outra opção de ensino público. Essa evasão acarretou numa queda drástica no número de alunos que, posteriormente, foi usada como motivo para o fechamento do colégio.

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Foto: Layana Souza

Além da revitalização do local, oficinas e aulões sobre os mais diversos temas foram promovidos, tratando de questões como filosofia, agroecologia e feminismo, todos conduzidos por professores e colaboradores que apoiam o movimento. Em razão de ataques midiáticos e até uma confusão mal-intencionada (onde a sigla do colégio José Carlos de Almeida foi trocada por Juventude Comunista Avançando, em publicação de um jornal local), os secundaristas frisam a origem espontânea do movimento, que se estabelece de forma horizontal e apartidária, sem se associar com bandeiras de movimentos sociais e organizações políticas. A gestão do colégio ocupado é conduzida pelos alunos de forma horizontal e é dividida em comissões, como a comissão da segurança, responsável pelas rondas e pela proteção do colégio, e a comissão de cultura, responsável por trazer aulas e oficinas para lá.

Foto: Layana Souza

Ante as desocupações violentas conduzidas por policiais sem identificação e supostos civis mascarados, alunos de diversos colégios se viram obrigados a deixá-los. Tudo começou no dia último dia 16, com a desocupação do Colégio Ismael Silva de Jesus, onde secundaristas alegam terem sido agredidos e ameaçados pelos policiais. Posteriormente, o Colégio Estadual Robinho Martins de Azevedo foi desocupado por sete homens armados e encapuzados na madrugada do dia 17 para o dia 18, sendo que o prazo estabelecido pela Justiça para a desocupação se estendia até o dia 29 de janeiro. Os secundaristas, então, se dirigiram ao Colégio Estadual Presidente Castelo Branco, visando garantir a segurança do grupo e evitar mais perseguições.

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Foto: Layana Souza

Com as desocupações frequentes e o risco para os secundaristas que a movimentação representava, o movimento optou por juntar os alunos expulsos das ocupações e ocupar a Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte, a SEDUCE. Sobre o ato, realizado no último dia 26 , N., da comissão de comunicação da ocupação, conta: "Chegamos na SEDUCE por volta das 18h, os portões já estavam fechados, então fomos obrigados a pular o muro. Conseguimos entrar no prédio e, ao contrário do que foi noticiado pela imprensa local, avisamos aos funcionários que estávamos no prédio e aguardamos que todos eles batessem ponto para não perder o dia de trabalho antes de desligarmos a energia do prédio, por questão de segurança. No momento em que ocupamos o prédio, o subsecretário se trancou em sua sala e alegou cárcere privado, mesmo com a porta trancada por dentro e sua saída sendo liberada pelos alunos. Devido às alegações do subsecretário, viaturas da Polícia Militar e dos batalhões de choque foram convocadas e uma negociação ocorreu com os estudantes, onde a força policial exigia que eles desocupassem o prédio e se alojassem em duas tendas que estavam na área de estacionamento da SEDUCE e permitissem que o subsecretário fosse retirado do prédio escoltado. Para evitar reações violentas da polícia, os secundaristas concordaram com os termos e se alojaram nas tendas, onde dispõem apenas de um ponto de energia e não podem usufruir de nenhum recurso do prédio (água, banheiros, geladeira etc)".

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Foto: Layana Souza

Apesar das condições precárias, os secundaristas mantêm a rotina que levavam nas escolas, com atividades culturais e oficinas, além das assembleias. A ocupação recebeu um café filosófico, com a participação de diversos professores da Universidade Federal de Goiás e da PUC-GO, com palestras sobre temas como Movimentos Sociais e Educação e também foi visitada pela Central Única dos Trabalhadores, que foi expressar sua solidariedade à luta dos secundaristas.

Sobre as diversas acusações de que os secundaristas teriam depredado as escolas que ocuparam, N. declarou: "Os colégios estavam em bom estado sim, estavam num estado melhor do que quando a gente entrou. Tudo que nós pudemos fazer para organizá-los, nós fizemos. Os colégios foram entregues em perfeitas condições. Os colégios estão sendo desocupados não porque o movimento está acabando, mas sim porque estão entrando lá e retirando os estudantes. Eles quebraram todas as coisas que podiam ser quebradas no colégio. A gente construiu colégios novos. Mostramos pro governo que não é difícil reformar e organizar colégios, quando secundaristas de 17 anos conseguem fazer isso. Ao contrário do governo que fecha escolas, nós abrimos os colégios para a comunidade. Nós demos uma aula de cidadania."

Foto: Layana Souza

A VICE contatou a assessoria de imprensa da SEDUCE, mas até o fechamento da edição não recebemos um pronunciamento oficial. Até o encerramento da reportagem, a SEDUCE, sete escolas em Goiânia (entre elas, o Lyceu, o IEG, o Colégio Estadual Pré-Universitário e o José Carlos de Almeida) e mais dez em outras cidades do entorno encontram-se ocupadas.

Os estudantes pedem pra informar que aceitam doações, aqui tem uma lista com todos os colégios ainda ocupados e seus endereços para doação e aqui o endereço da SEDUCE (ocupação se localiza nas tendas do estacionamento).