A Cracolândia amanheceu com os mesmos vícios após a Operação Marrocos
Foto: Guilherme Santana

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A Cracolândia amanheceu com os mesmos vícios após a Operação Marrocos

Ação do Denarc encontrou uma importante fonte do tráfico na região da Luz, ainda assim a droga continua chegando aos usuários.

Uma atividade policial movimentou as ruas do centro de São Paulo na última sexta-feira (5). Monitorada pelo delegado Alberto Pereira Matheus Junior, do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil, a operação contou com cerca de 500 policiais e tinha dois focos: a Cracolândia e o Cine Marrocos, uma das ocupações do Movimento Sem Teto de São Paulo (MSTS).

Ocupação do Cine Marrocos. Foto: Guilherme Santana.

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Foram cumpridos 27 mandados de prisão e 39 de busca e apreensão. 32 pessoas foram presas. No cinema desativado foram encontradas cinco armas longas e cerca de 200 facas. Segundo o Denarc, o tráfico movimenta cerca de R$ 4 milhões ao mês, com uma média de 10 a 15 quilos de pedra por dia. A investigação, que começou em dezembro do ano passado, conclui, depois de mais de dez mil horas de interceptações telefônicas, que lideranças do movimento social eram responsáveis pelo comércio de crack e maconha na Cracolândia e também na região da Galeria do Rock, bem próximo ao Cine Marrocos. Entre os acusados estão o coordenador-geral do MSTS Robinson Nascimento do Santos, a vice-presidente do movimento, Lindalva Silva, o secretário-geral Wladimir Ribeiro Brito e a tesoureira Elenice Tatiane Alves. Policiais afirmam ainda que apreenderam uma "quantidade muito grande" de crack e maconha na ação.

Na manhã do último sábado (6), a reportagem contou 14 viaturas da Guarda Civil Metropolitana na área da Cracolândia, no Centro de São Paulo. Foto: Guilherme Santana

Um líder de uma ocupação em São Paulo, que preferiu não se identificar, não vê novidade neste tipo de ação. Ele comenta que facções criminosas estão "ocupadas" na região central há muito tempo. "O PCC, por exemplo, já tomou o controle de algumas ocupações. Primeiro entra uma mulher que começa a morar, aí ela traz o namorado do PCC, depois o cara vai trazendo outro. Depois eles mandam o recado de que a ocupação agora também é do interesse do PCC e que o grupo vai usar o edifício. Eles começam a pegar uma parte da taxa que os moradores pagam pra manutenção e reparação do imóvel e quem não pagar eles expulsam. E é lógico que quem abrir o bico e falar que o PCC tá na ocupação, você já sabe o que pode acontecer."

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Mas o que muda na vida do usuário de droga que habita a Cracolândia? Como essa ação que mobilizou centenas de policiais interfere para que a droga não chegue até seu consumidor? A resposta não é animadora: a pedra continua chegando bem de boa.

A pedra continua chegando bem de boa à cracolândia. Foto: Guilherme Santana

Na manhã deste sábado (6), nossa reportagem circulou pela Cracolândia, e contou 14 viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM), três viaturas da Polícia Militar, que mantinha duplas de policiais na região da Rua José Paulino, além de presenciar dezenas de pessoas consumindo droga.

Foto: Guilherme Santana

A única mudança no roteiro foi a limpeza. Conduzidos pela GCM, os usuários estavam circulando pelas ruas Helvétia, Dino Bueno, Largo Coração de Jesus (onde é comum ver sempre uma viatura) e na Rua Barão de Piracicaba. O processo é simples: a guarda faz o fluxo circular e passa um caminhão com mangueiras d'água lavando a rua. "Essa ação foi um circo", comenta João Carlos Batista, o João Boca, pastor da Missão Cena (Comunidade Evangélica Nova Aurora). "Essas operações acontecem, mas nada muda. Continua sendo dia de pagamento, dia de celular roubado por conta do Pokémon, continua tudo igual."

Foto: Guilherme Santana

No terreno baldio a beira da Praça Princesa Isabel, bem próximo à Sala São Paulo, uma molecada batia bola entre as duas traves improvisadas. Os times começam a se ajeitar para o rachão matinal. Tudo tranquilo. No número 503 da Rua Barão de Piracicaba está em curso mais um culto na Missão Batista Cristolândia, entidade que atua desde 2010 na região. A missionária Soraya Machado comenta o dia anterior. "A gente ficou aberto o dia inteiro dando apoio naquilo que fosse necessário, mas foi tranquilo. Não mudou muita coisa."

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Culto na Missão Batista Cristolândia. Foto: Guilherme Santana

Sentado em frente à igreja enrolado em um cobertor, Paulo* fala sobre a Operação Marrocos. "A ação ontem foi menos violenta do que todas as outras que tiveram. Mas se você for analisar, para nós que somos usuários, tanto faz. O problema é a droga não chegar, porque aí nóis fica louco", ele explica. Na Cracolândia há seis anos, dois deles sem sair, o usuário comenta sua tática para não se envolver em confusão com a polícia. "Quando eu vejo um negócio desse eu já corro logo, mas eu corro no meio de todo mundo, porque se você vai pra algum canto sozinho, eles te encurralam."

Para um dos usuários que vivem na Cracolândia, nada mudou. Foto: Guilherme Santana

Enquanto Paulo fala, uma mulher mija atrás de um caminhão bem ao seu lado. O ex-estudante de artes tira seu cachimbo do bolso e pede licença para fumar uma pequenina pedra amarelada. Ele traga forte e fica alguns segundos em silêncio de olhos fechados. Nada mudou no fluxo, a droga continua a chegar a pessoas como Paulo normalmente. O viciado explica os caminhos que o levaram até à Cracolândia. Ele fala que estudou até o segundo ano na faculdade de artes, foi casado e teve uma filha que nasceu com problemas nos rins e perdeu a batalha. "Com três anos de idade eu enterrei minha filha na Quarta Parada. Faltava coisa de um mês pro Natal. Eu tinha comprado um vestido pra ela, o vestido era a coisa mais linda pra ela virar o Natal. Eu enterrei ela com esse vestido." O trauma foi muito forte para o pai que comenta. "A depressão comeu nossa casa."

Ele, sem o sapato perdido na noite anterior, se levanta, acende um cigarro e atravessa a Rua Barão de Piracicaba. Quase em frente à Cristolândia Paulo vê um Nike bem velho no chão. Ele murmura alguma coisa a um dos missionários do lugar, calça o par de tênis e segue em direção ao fluxo que continua a todo vapor. Nada mudou. A Cracolândia amanheceu do mesmo jeito.

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