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O que a vitória de Trump nos EUA significa para o Brasil?

Política isolacionista do novo presidente republicano pode abalar relações comerciais com diversos países — isso sem falar dos problemas de Trump com a justiça brasileira.

Evan Vucci AP / Press Association Image

Num 2016 deveras surpreendente, o candidato republicano Donald Trump conquistou na madrugada desta quarta-feira (9) a presidência dos EUA, remando contra a maré inclusive do próprio partido. Numa eleição vencida em colégios eleitorais, mas não no chamado "voto popular" (ou seja, pela contagem até agora, a maioria dos eleitores norte-americanos não votou em Trump, e sim em Hillary Clinton, porém Trump conquistou os votos de 276 delegados em colégios eleitorais), como aconteceu com George W. Bush em 2000, o resultado deve dividir amargamente os norte-americanos. Os efeitos da vitória de Trump nos EUA vão ser longamente debatidos por lá, mas para nós cabe outra questão: o que a vitória do milionário nos EUA significa para o Brasil?

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Para muitos, as perspectivas podem soar assustadoras. Trump venceu a nomeação republicana com uma campanha baseada no medo, preconceito e racismo, especialmente no tocante a nós latinos, voltada ao México e seus imigrantes. Prometeu banir os imigrantes ilegais do país, chamou mexicanos de "estupradores" e disse que iria construir um gigantesco muro separando o seu vizinho latino — e que faria o governo mexicano pagar por ele. Por outro lado, arrefeceu o discurso durante a campanha presidencial e, vale lembrar, nem ele nem Clinton sequer citaram o Brasil ao longo da disputa.

Leia também: "A direita alternativa dos EUA e o medo de um planeta negro"

Além da preocupação em relação aos imigrantes e à relação direta com o México, existe o medo, em parte justificado, de que a campanha populista e ao mesmo tempo direitista do topetudo novo presidente americano possa contaminar as disputas eleitorais no Brasil e no resto da região ao longo dos próximos anos, jogando o ocidente na vala conservadora e, talvez, autoritária, dando esperança a demagogos do naipe de um Jair Bolsonaro (PSC-RJ) — porém o deputado federal ainda é visto como um político tradicional, diferente de Trump, que concorreu como um "outsider" da política, um empresário bem sucedido, à moda do novo prefeito paulistano João Doria (PSDB).

O último drama é o econômico, que pode ser visto de maneira mais palpável no movimento das bolsas de valores ao longo desta quarta (9) e pelo resto da semana — Dow Jones e Ibovespa devem seguir caindo, e não seria de espantar uma subida contínua do dólar em relação ao real, que havia se valorizado bastante nos últimos meses. Não por acaso, o regime Temer estaria torcendo "discretamente" pela vitória de Clinton, que prometia uma economia mais aberta, em contraste à retórica protecionista de Trump, que promete inclusive rever o NAFTA (tratado de Livre Comércio da América do Norte), acordo dos anos Bill Clinton com México e Canadá, dois dos maiores parceiros comerciais dos EUA. Não à toa, o "mercado", ao lado das minorias em geral, é quem tem uma das posições apocalípticas sobre a vitória do republicano: segundo analistas, o governo do empresário deve retardar o crescimento do Brasil em 2017 e pode promover uma fuga de capitais do país.

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No resto da América do Sul, a perspectiva de uma vitória de Trump havia gerado diferentes respostas. O presidente argentino Maurício Macri é amigo e parceiro comercial de longa data do novo comandante norte-americano, e deve esperar manter boas relações com o país. Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, chegou a brincar que "cortaria relações com os EUA" na eventualidade da eleição do magnata, enquanto Rafael Correa, do Equador, um dos últimos bastiões da esquerda no continente, disse que " seria melhor para a América Latina se Trump ganhasse", mas que votaria em Hillary.

A política isolacionista de Trump parece ir além do comércio exterior e realmente pode representar uma intervenção menor nos processos políticos dos vizinhos.

Parte da esquerda latino-americana tende a concordar com Correa, lembrando com saudades dos anos em que Bush filho estava no comando do "Império" — concentrado na sua "guerra ao terror" ao devastar o Iraque e o Afeganistão, acabou deixando a América Latina de lado para se resolver sozinha, sem muitas interferências do primo mais forte do norte. A política isolacionista de Trump parece ir além do comércio exterior e realmente pode representar uma intervenção menor nos processos políticos dos vizinhos, porém, como tudo em Trump, ela é muito vaga e opaca.

A mesma coisa acontece com a chamada "política energética": por anos, em seu Twitter, ele chamou o aquecimento global de "lenda", mas acabou citando, recentemente, os " perigos do aquecimento global" para justificar um projeto novo na Irlanda. Não se sabe se Trump vai manter a política de exploração do gás de xisto, comandada por Clinton quando era secretária de Estado dos EUA, em detrimento ao petróleo — pelo contrário, ele chegou a falar publicamente que gostaria de "confiscar"o petróleo do Iraque como uma espécie de "compensação" da guerra iniciada por Bush. O efeito desse tipo de decisão sobre o preço global do petróleo costuma ser imprevisível, mas com a Opep já em tratativas para tentar aumentar o preço do commodity, é possível esperar uma tendência de alta, o que pode auxiliar países produtores como Equador, Venezuela e, voilá, Brasil. Por outro lado, a possível queda da atividade econômica e industrial mundo afora causada pelo suposto isolacionismo trumpeteiro tem chance de afetar para baixo os preços dos commodities (matérias primas, como petróleo, soja e ferro).

Por último, uma pergunta típica da confusão em que nos metemos: como um presidente/empresário vai lidar com os problemas dos seus negócios em países estrangeiros? No Brasil, o grupo de Trump é investigado na Operação Greenfield, que analisa irregularidades nos investimentos de fundos de pensão brasileiros. Os procuradores brasileiros querem saber se Trump azeitou o caminho e o financiamento da construção de seu novíssimo hotel no Rio de Janeiro com as contumazes propinas de sempre. Que juiz de primeira instância brasileiro intimaria o presidente da nação mais rica do mundo para depor na Polícia Federal? Pois é.

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