Mil tretas na previdência de Bolsonaro, parte 3: a reforma de Guedes

Ilustração reforma da previdência

Jair Bolsonaro teve um momento de respiro no meio das crises do governo nesta quarta (20). Em um evento quase de gala, o presidente apresentou ao Congresso e ao país a nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência. Com um banho de loja que evitou o termo “reforma” do anúncio e lançou um slogan meio brega (“Nova Previdência. É para todos. É melhor para o Brasil”), o governo mostrou qual o futuro da aposentadoria dos brasileiros.

A reforma é o supertrunfo de Bolsonaro para equilibrar as contas públicas e agradar o mercado financeiro, com perspectiva de melhora de confiança na economia do país e aumento de investimento. Segundo cálculos do governo, a PEC traria uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos. Analistas, no entanto, consideram o cálculo elevado. Leia o projeto completo aqui.

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A mudança que mais chama atenção é a idade mínima para aposentadoria. São 62 anos para mulheres e 65 homens, acrescidos de pelo menos 20 anos de contribuição à previdência para o setor privado, inseridos no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), e 25 para o público, no Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), conforme havia sido adiantado no final da semana passada.

Quem atingir esses patamares pode se aposentar com 60% da média salarial. A isso, soma-se 2% para cada ano de contribuição além dos 20 anos. Assim, seria precisa trabalhar por 40 anos e para curtir a vida com o salário integral. Tanto no funcionalismo público quanto na iniciativa privada o teto é R$ 5.839 e o piso um salário mínimo.

Em contrapartida, as regras de aposentadoria no RGPS e RPPS hoje são menos rigorosas — há possibilidade de fazer isso por idade ou por somatório de idade e contribuição. Além disso, o cálculo é mais generoso: a pensão é equivalente a 100% da média salarial calculada a partir de 80% dos salários mais altos. Há o fator previdenciário, um cálculo complexo que tende a diminuir em até 40% o valor final caso o aposentado seja muito jovem, mas ainda assim há perspectivas de ganhos maiores do que nas novas regras.

“Com a PEC, podemos ver as pessoas começarem a receber aposentadorias mais baixas”, diz o advogado Diego Cherulli, diretor de atuação parlamentar do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

A proposta de Bolsonaro também é mais rigorosa no tempo de transição, de 12 anos — para efeito de comparação, o projeto de Michel Temer era de 20 anos. Nesse período, quem está mais próximo de se aposentar tem a chance de fazer isso com regras intermediárias.

Economistas que defendem a urgência de reforma afirmam que a demora em aprová-la reduziu o margem possível de transição. Para quem já está no sistema contribuindo, no entanto, o sabor pode ser amargo e os planos de curtir a vida na beira da praia, mais longe.



Professores, agricultores, policiais e benefícios sociais

A reforma da PEC prevê que vereadores, deputados estaduais e federais, e senadores passem a se aposentar com regras e teto semelhante a da iniciativa privada. Para carreiras com requerimentos específicos, também houve mudanças.

Policiais civis, policiais federais, agentes socioeducativos e agentes penitenciários ganham direito a aposentadoria aos 55 anos de idade, com mínimo de contribuição de 30 anos para homens, com 20 deles na função, e 25 para mulheres, 15 deles na função.

Hoje, a exigência de tempo de contribuição é idêntica, mas não há idade mínima. Além disso, agentes socioeducativos e agentes penitenciários não tem regime especial.

No caso de professores, a idade mínima passa a ser 60 anos, com pelo menos 30 de contribuição, tanto no setor público quanto na iniciativa rural. A aposentadoria rural, por sua vez, é mais afetada. A nova regra unifica a idade mínima em 60 anos (antes era 55 para mulheres) e sobe o tempo de contribuição de 15 para 20 anos.

Nesse caso, a principal crítica é a definição de uma quantidade mínima de contribuição anual. Como trabalhadores rurais estão sujeitos a imprevisibilidade da colheita, hoje eles pagam uma taxa sobre a produção. A PEC do Bolsonaro, por sua vez, estabelece que o valor pago tem que ser no mínimo de R$ 600.

O arrocho nas camadas mais pobres continua nas mudanças em diversos benefícios sociais. A pensão por exemplo, fica reduzida e pode inclusive ser menor que um salário mínimo. A aposentadoria por invalidez, por sua vez, só será equivalente ao salário total do contribuinte caso a doença dele tenha ocorrido em função do trabalho. Caso contrário, tome 60% mais 2% a cada ano além dos 20 obrigatórios.

O caso mais grave diz respeito ao benefício oferecido a deficientes e idosos pobres, hoje equivalente a um salário mínimo e disponível a partir dos 65 anos. Na proposta, o valor do salário mínimo só é ofertado aos 70 anos. Aos 60, as pessoas que se enquadram nos pré-requisitos receberiam R$ 400.

Esses dois cenários causaram reação negativa entre governadores. “É preciso que tudo que modifique para pior a realidade de quem ganha menos seja retirado da reforma”, disse ao UOL Renato Casagrande, governador do Espírito Santo. Como tem sido praxe no governo, o ministro da economia Paulo Guedes sinalizou que pode ceder.

Por outro lado, a PEC também apertou de leve o torniquete no funcionalismo público das faixas salariais mais altas. Estão previstos aumentos nas alíquotas que podem chegar a 22% no caso de salários superiores a R$ 39 mil.



E a capitalização?

Mudanças mudanças, negócios à parte: uma das grandes promessas da reforma foi apenas pincelada no texto apresentado na quarta. É um novo regime de capitalização na previdência. No sistema atual, de repartição, os trabalhadores na ativa financiam a pensão dos aposentados. Na capitalização, o que o trabalhador contribui ao longo da carreira é aplicado em fundos de investimento e se transforma na sua aposentadoria.

Como a mudança se dará de fato ficou para uma lei complementar futura, mas o governo explicou que quem optar pela capitalização poderá optar por fundos públicos ou privados e terá direito a um salário mínimo quando se aposentar. Acima disso, vai depender de quanto contribuiu.

“É confuso. Só se fala da capitalização em um artigo da PEC e uma hora diz que o sistema é facultativo, em outro momento, que é obrigatório”, afirma Diego, do IBDP. Para ele, além de deixar muitas questões em aberto, o projeto traz insegurança jurídica ao desconstitucionalizar diversos pontos ligados à previdência, como mudanças futuras na idade mínima para aposentadoria.

De qualquer forma, o desafio de verdade da “Nova Previdência” vem agora. Na terça, um dia antes da apresentação da PEC, Jair Bolsonaro sofreu sua grande primeira derrota na Câmara com a derrubada de um decreto que diminui a transparência pública.

Na reunião da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social horas depois do anúncio da PEC, o clima era de oposição. “O Bolsonaro tem uma arrogância por ter uma maioria na Câmara, mas a base dele foi eleita em outra vibe”, afirma Diego. “Eles falam de justiça, das pautas sociais, mas não aprovar qualquer projeto que sequer nem é do Bolsonaro, mas do Paulo Guedes.”

Esse desencontro entre aliados está claro em uma capítulo que ficou de fora da PEC: a reforma da previdência de policiais militares e militares. A promessa do governo é entregar um projeto de lei específico sobre o tema em até 30 dias. Segundo Diego, não há espaço para faltar com a palavra: “Vai ter que vir se não nem vai ter discussão sobre previdência.”

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