Em março, na coluna Mulher do Dia, vamos diariamente parar por um minutinho o torno informacional para respirar e pensar sobre quantas vezes nós levamos realmente a sério o fato de que muitas das nossas artistas preferidas são, todos os dias, mulheres.
Foto por Marcella Zamith.
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“Por que você inverte a bateria? Você sabia que é muito mais fácil tocar como destro?”. A Larissa Conforto, baterista da banda Ventre, ouviu tantas vezes essas perguntas que já chegou a tocar como destra shows inteiros só para não contrariar roadies ou técnicos de som. “Acho isso tudo meio opressor, na verdade. Como se eu não tivesse estudado para saber qual é o melhor jeito pra eu mesma tocar o instrumento, sabe?”.
A carioca de 26 anos começou a tocar aos 13, quando a sua vó pagou suas aulas escondida dos pais dela, que achavam que era isso “só uma fase”. Aos 15, Larissa trocou sua festa de debutante pela sua primeira bateria. Daí em diante, não largou mais as baquetas: começou tocando no Tipo Uísque, entrou pro duo Cheddars e pro Ventre e, hoje, também faz parte do Xóõ, projeto novo que conta com integrantes do Lupe de Lupe, do Baleia e do SLVDR.
“Mesmo tendo tocando em várias bandas, muita gente não acredita que faço isso profissionalmente. Sempre me perguntam se tenho força para tocar o meu instrumento, essas coisas”, disse, falando que, várias vezes, já teve que esconder seu lado emotivo pra não ser taxada de “princesinha”. “Me escondia por trás de uma Larissa que se achava superior às outras meninas por andar com meninos. Foi difícil desconstruir esse ideia”.
Hoje, porém, Larissa resolveu transformar o seu então escondido lado emocional em algo produtivo começando a por em prática um projeto chamado “Bateria intuitiva para mulheres” — uma oficina da bateria para meninas que propõe trabalhar a sensibilidade e o improviso, ao invés das técnicas e “regras”. “A proposta é que elas tenham a experiência de ‘tocar com a alma’, antes de tocar com a mente, que exercitem a expressão artística através do instrumento.” Na entrevista abaixo, Larissa fala mais sobre essas e outras
NOISEY: Como você começou a tocar? Quais outras bandas você já teve?
Larissa Conforto: Eu comecei a tocar com 13 anos de idade, quando minha avó resolveu me pagar as aulas de bateria escondida dos meus pais. Certamente eles pensaram que era uma fase e não quiseram comprar a ideia na época, mas se arrependeram quando, aos 15 anos, troquei minha festa pela minha primeira bateria (risos). Aí, não tinha mais jeito. Bateria foi o meu primeiro instrumento, e eu sou muito grata a ela por ter me escolhido!
Eu tive um monte de bandas quando garota. Gostava da experiência de troca, queria tocar com todo mundo que pudesse. Das que viraram mais sérias, posso citar a Tipo Uísque, que me levou pra tocar na primeira edição do Lollapalooza no Brasil; o duo Cheddars, que tem um EP e deve gravar um disco agora; a Ventre que é a [banda] na que eu me exponho de verdade e tento imprimir tudo o que sou na bateria. Agora, também estou num projeto chamado Xóõ, que tem integrantes do Baleia, do Lupe de Lupe e do SLVDR, que vai lançar o primeiro disco em abril.
Como é ser menina e tocar bateria?
Ser menina e tocar bateria é ter que provar pra todo mundo que eu sou capaz, todos os dias. Não posso me permitir relaxar nem por um segundo. As pessoas sempre vão me perguntar se eu tenho força para tocar o meu instrumento, se eu realmente faço isso profissionalmente, ou então me dizer que eu toco como um cara, como se estivesse me elogiando.
É preciso derrubar esse estigma todos os dias. Perdi a conta de quantas vezes precisei explicar que não quero ser um cara. Pior é explicar pra eles que eu menstruo e tenho cólicas, e metade do mundo passa por isso. Como o meio é muito masculino, já sofri muito tentando esconder o meu lado emotivo, porque se eu deixasse escapar, eles me tratariam diferente — eu seria a “princesinha” frágil, essas coisas. Sempre fugi muito disso, de modo que me escondi por trás de uma Larissa que achava que era melhor do que as outras meninas por andar com meninos. Foi difícil pra mim mesma admitir que os idiotas eram eles.
Você já sofreu preconceito na música só por ser mulher?
Bom, começa pelo fato de que a minha credibilidade é sempre menor, principalmente nas questões técnicas. É como se eu não fosse capaz de opinar na mixagem do disco, na masterização, na passagem de som. Os técnicos são meus piores inimigos. Até hoje, me tremo inteira de nervoso quando entro pra passar som em uma casa de shows onde ninguém me conhece. Sei que ninguém me dá credibilidade de primeira e é sempre uma batalha muito desgastante pra mim. Mexe muito com o emocional. Já ouvi de roadies que nunca me viram e não conhecem o meu trabalho que eu não deveria inverter a minha bateria (sou canhota, ainda tem isso), porque “é mais fácil tocar como destro, sabia?”— mais fácil pra quem?
Parece que o fato de eu ser mulher me diminuísse em relação a eles e portanto lhe desse o direito de opinar livremente sobre meu trabalho sem ao menos conhecê-lo. Como se eu não tivesse estudado anos pra escolher sozinha a melhor maneira de tocar o meu próprio instrumento. Já sofri tanto com esses comentários dos técnicos e roadies no backstage, que cheguei a fazer shows inteiros com a bateria pra destro. Isso é insano. É opressor. Machuca no fundo da alma.
Que artistas mulheres te inspiram?
Björk e PJ Harvey são deusas. Cindy Blackman é minha musa na bateria. Karen O do YYY’s, Kim Gordon do Sonic Youth, Kathleen Hanna (Bikini Kill/Le Tigre), as meninas do Warpaint, a Alisson Mosshart (The Kills/Dead Weather), a St. Vincent… São as “girls in a band” que mais me inspiram.
Daqui da terrinha tem as eternas Elis, Elza Soares, Rita Lee, Lucinha Turnbull e a Marisa Monte. Sou maluca pela Marisa.
Como você acha que tá o cenário agora pra mulher na música?
Honestamente, está como sempre foi. Muitas portas ainda precisam ser abertas. Se bem que, desde o ano passado, observei uma procura maior de mulheres à música. Espero que isso cresça exponencialmente nos próximos anos, e que um dia possamos todas desfrutar de uma igualdade artística independente de gênero.
Aproveitando que entramos no assunto, eu estou começando a botar em prática um projeto que está no papel há anos: “Bateria intuitiva para mulheres”: uma oficina da bateria para mulheres que propõe trabalhar a sensibilidade e o improviso, ao invés das técnicas e “regras”. A proposta é que mulheres tenham a experiência de “tocar com a alma” antes de tocar com a mente, que exercitem a expressão artística através do instrumento. Espero iniciar em agosto, no nosso estúdio na zona norte do Rio.
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