O Gestor de Comunidade de Fotos do Facebook É um Fotógrafo de Guerra

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O Gestor de Comunidade de Fotos do Facebook É um Fotógrafo de Guerra

Antes do Teru Kuwayama começar a trabalhar para o Facebook, ele arriscou a vida documentando o que acontecia em zonas de guerra e foi pioneiro ao usar as redes sociais para fins jornalísticos.

Quatro meses atrás, Teru Kuwayama foi apontado como Gestor de Comunidade de Fotos no Facebook – um trabalho que você normalmente não associaria a um fotógrafo de guerra.

Teru é um colega antigo de TED e acredita firmemente em usar as redes sociais para propósitos jornalísticos. Quando tirava uma folga do trabalho em meio a tiroteios em lugares como Afeganistão e Paquistão, em 2004, ele fundou com colegas a Lightstalkers – o fórum on-line para jornalistas. Depois, em 2010, ele lançou o Basetrack – tornando-se pioneiro da fotografia com iPhone em zonas de guerra e, ao mesmo tempo, usando as redes sociais para ir direito ao público-alvo em busca de uma reportagem mais eficaz.

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Eu me encontrei com o Teru para conversar sobre tudo isso e sobre o Instagram no espaço.

VICE: Bom, vou começar parabenizando você pelo novo trabalho.
Teru Kuwayama: Obrigado! Trabalhei 20 anos como fotógrafo sem nunca ter tido um emprego de verdade, então, ainda não sei se estar empregado de forma honesta é algo a ser parabenizando. Mas, definitivamente, é uma aventura. Não sou um animal doméstico, então é uma experiência totalmente nova para mim. É definitivamente uma experiência para os dois lados.

E como vão as coisas?
É uma companhia que se move rapidamente e as coisas mudam rápido. Sou mais um ponto de contato, alguém que pode falar com a comunidade de fotos e explicar a eles o que a empresa está tentando fazer e vice-versa. Às vezes, eu me sinto um pouco com o que os militares norte-americanos chamava de “terp”, ou um interprete – traduzindo entre americanos e afegãos.

Muitos fotógrafos não confiam no Facebook. Muito do desconforto parece estar na perda dos direitos de imagem, imagens baixáveis e a exclusão automática de metadados assim que algo é publicado no site. O que você diria para essas pessoas?
As pessoas às vezes assumem que as plataformas estão aí para enganar, mas esse não é o caso. Às vezes as pessoas não estão conscientes das preocupações; ou que a complexidade de lidar com essas preocupações é maior do que se imagina. Quando você tem uma plataforma usada por mais de um bilhão de pessoas, ter 100% de satisfação é muito difícil.

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“Muitos fotógrafos” se refere basicamente a fotógrafos profissionais, que formam uma porcentagem realmente pequena das pessoas que postam fotos no Facebook. Tendemos a pensar em nós mesmos como a classe mais importante dos fotógrafos, mas em centenas de milhões de fotos postadas todo dia, somos estatisticamente insignificantes. Muitas dessas questões estão sendo trabalhadas no momento, particularmente a coisa dos metadados.

Que desenvolvimentos empolgantes você vê no futuro?
Acho que a fotografia e a foto em movimento podem encontrar uma convergência interessante nesses novos formatos curtos de vídeo. Há tecnologias, como o Oculus Rift, que literalmente abrem uma nova dimensão de percepção sensorial. Acho que é interessante perceber o quanto as redes socais não são imediatamente visíveis. Muito da comunicação ocorre em grupos ou aplicativos de mensagem, então, você não vê muitas das coisas que antes viviam nos murais do Facebook.

Isso significa que as pessoas estão ficando mais conscientes de sua privacidade.
Sim, mas também é cada vez mais possível contatar pessoas ou grupos mais específicos – e mais desejáveis conforme a empresa se expande. Essa é uma das distinções fundamentais entre a mídia tradicional e as redes sociais. Isso é sobre as conexões pessoais de um indivíduo e acessar aqueles gráficos sociais. Com a proliferação desses aplicativos de mensagens privadas, estamos vendo o potencial que isso tem para se tornar algo mais granular e orientado.

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Estou curioso para ver se alguma nova forma de jornalismo vai evoluir disso, dessa mudança de enviar uma mensagem para milhões de pessoas para enviar mensagens muito específicas diretamente ao indivíduos. Quem sabe? Essa é a coisa fascinante sobre a posição em que estou agora. Estou literalmente vendo muito disso ser projetado e construído em protótipo diante dos meus olhos.

Quais são seus perfis do Instagram favoritos?
Um dos mais incríveis é o da NASA – existe Instagram no espaço! Outro perfil incrível que sigo é o TSA (Administração de Segurança no Transporte) – são fotos de coisas que foram confiscadas nos aeroportos dos Estados Unidos. E também o de Asim Rafiqui, que é um álbum de família de retratos de parentes de presos em Bagram, Afeganistão. Isso fica longe do estereótipo da internet – uma coleção de gatos e cappuccinos – é um exemplo muito poderoso do modo como uma rede social pode ser usada.

Na sua opinião, qual é o efeito do Facebook e da plataforma que ele oferece no jornalismo?
O que é jornalismo? Estamos associando o jornalismo com “J maiúsculo” com um conceito muito formal e construído, derivado da era dos jornais – quase uma estética. O que acontece nas plataformas das redes sociais é a forma mais fundamental de jornalismo que você pode imaginar: pessoas compartilhando pensamentos e experiências.

Uma das oportunidades mais interessantes das redes sociais é que isso permite que indivíduos contem suas histórias e façam sua própria comunicação, sem ter que passar pelo filtro de alguém considerado profissional, o que é uma ideia perturbadora para muitos profissionais e organizações do jornalismo.

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Mas sempre haverá a necessidade do jornalismo profissional.
Sem dúvida, existe uma necessidade desses conceitos básicos de ética – honestidade, precisão e transparência. Mas acho que estamos nos enganando se dissermos que jornais e faculdades de jornalismo, simplesmente pela virtude de existir, forçavam esses conceitos pelo mundo. O que é igualmente importante é que cada indivíduo comece a pensar da maneira que associamos ao jornalista profissional. Analisando a informação da maneira que a vê, perguntando: “Isso é verdade?”, “Com o que posso comparar isso e que outras perspectivas existem por aí?”.

Não faz muito tempo, as organizações de notícias se voltavam para os blogs como uma fonte interessante de opinião, pedaços crus de informação que poderiam ser contextualizados e tomados como pistas para o caminho. Agora, acho que as pessoas se voltam com frequência para as organizações de notícia dessa mesma maneira. Elas podem ver claramente que diferentes organizações têm diferentes pontos de vista, mesmo quando chamam a si mesmas de justas, equilibradas e neutras.

Isso tem algo a ver com o motivo pelo qual você começou o Basetrack?
O Basetrack aconteceu alguns anos atrás, mas o que não mudou foi isso; os Estados Unidos estão envolvidos na guerra mais longa da história, e você percebe que, majoritariamente, os americanos não sabem nada sobre o Afeganistão e não conseguem identificar ou articular o que estamos tentando fazer lá.

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Eu e o time do Basetrack estávamos realmente interessados em ver se havia uma alternativa para a maneira como trabalhamos tradicionalmente. Nós realmente lançamos o experimento de ser nossos próprios editores. Todo mundo lá costumava trabalhar para canais mainstream de mídia que alcançavam milhões de pessoas, e lá tínhamos como alvo alguns milhares de familiares ao redor desse batalhão do exército.

Mas essa foi uma das experiências mais intensas que já tivemos em termos de envolvimento e contato constante com as pessoas. Lembro de uma vez, quando chegamos num pequeno posto avançado no sul do Afeganistão e a mãe de um soldado tinha nos enviado uma caixa de biscoitos. Isso nunca aconteceu quando eu trabalhava para as revistas de notícia.

Quando você começou a fotografar com iPhones?
O projeto Basetrack foi a primeira vez em que usei iPhones como câmeras e fiz isso porque era muito funcional. É pequeno, a touch screen se mostrou incrivelmente à prova de poeira e o aparelho fazia boas fotos. Há todo esse espectro de aplicativos que vêm com o aparelho e o fato de todo mundo poder fazer pós-produção é incrível. Todo mundo tem uma sala escura no bolso e uma plataforma de publicação dentro do próprio aparelho – isso é notável. Isso também acelera muito a curva de aprendizado. Acho que essa é a primeira câmera digital realmente funcional. Pela primeira vez, é só “apontar e fotografar” mesmo.

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Você fez alguma modificação em seu aparelho?
O celular de que estou falando é um que usei quando estive incorporado no Afeganistão, ele tinha uma capa protetora que foi desenvolvida por Balazs e Peter Gardi durante o projeto Basetrack. Isso se chama Strikecase.

Qual é o aspecto mais difícil em fotografar com um celular nessas condições?
Honestamente, não tive muitos problemas com ele. Mas minha perspectiva provavelmente não é muito típica, porque antes de usar celulares como câmeras, eu usava principalmente Polaroids, Holgas e uma câmera panorâmica chamada Widelux. Essas são câmeras totalmente arcaicas e manuais, cheias de limitações técnicas – então, em comparação, um celular é uma das câmeras mais sofisticadas que já usei.

Para você, que imagens de iPhone feitas por você no Afeganistão mais se destacam?
Essa imagem do peru. Durante uma operação para limpar uma cidade que tinha sido ocupada por insurgentes, uma unidade do exército estava usando esse complexo como posição de franco-atiradores e para prender os detidos pegos na área. Acho que essa é uma imagem que ficou em mim, já que foi tirada no alto da pressão contra os insurgentes no Afeganistão, algo que foi descrito na época como “abordagem corações e mentes”, para convencer a população a apoiar o governo local. Esse é um círculo que se repete constantemente – as pessoas são detidas, colocam um saco na cabeça delas e suas casas são ocupadas por forças estrangeiras. Muitos corações foram partidos e muitas mentes perdidas lá.

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