É isso que eu me lembro de ter pensando quando vi o jogo pela primeira vez na casa de um amigo em 2000. Eu queria que a lua enchesse o céu, que ela pairasse ameaçadoramente sobre tudo, uma presença impossível de se escapar se aproximando a cada segundo.
Tudo por causa deste anúncio que vi na GamePro. Meu anúncio de videogame favorito mostra nossa lua gigantesca em cima de Manhattan. Eu não conseguia tirar essa imagem da cabeça. Eu não conseguia deixar de ver a lua descendo sobre Nova York, esmagando todos os prédios até o pó. Quando ouvi que uma versão atualizada para 3DS estava para sair, imediatamente me lembrei dessa imagem e meu coração doeu um pouco. A presença das Torres Gêmeas tornava a ameaça constante de cataclismo do jogo ainda mais inquietante.
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E, quando vi a lua cair sobre Clock Town e testemunhei a onda de choque se irradiar, implacável e insuportável, como as ondas de choque daqueles filmes antigos sobre testes nucleares, eu soube que o tamanho da lua não importa. O importante é o que você faz com ela. E, com esse cenário, estrutura e premissa, e com aquela lua afundando no céu, Majora’s Mask faz muita coisa.
Adorei o fato de Termina, a terra onde Majora’s Mask se passa, parecer um sonho. Penso em Link’s Awakening, outro título favorito da série Zelda, que sempre me pareceu não um produto do subconsciente do Link, mas do subconsciente da própria Nintendo, com tantos personagens de outras franquias aparecendo de uma forma ou de outra. Majora’s Mask parece um sonho do Link para mim; enquanto ele cavalga por essa floresta misteriosa, o jogo todo acontece em sua cabeça.
Até aquele ponto, o folclore de Hyrule, o cenário habitual das aventuras da série Zelda, é relativamente concreto. Hyrule parece estabelecida num lugar físico e geográfico com um certo tipo de história. Mas o que é Termina? Como isso se relaciona exatamente com Hyrule? Qual é sua história? Graças a Deus, Majora’s Mask nunca se preocupou em responder nenhuma dessas perguntas. É exatamente essa coisa vaga cercando Termina, a falta de folclore e explicação, que livra esse game do peso da realidade. Se Hyrule é um mundo de fantasia, Termina é um mundo surreal. Isso fez o jogo se enraizar no meu cérebro como um tipo de jornada simbólica, cheia de lógica onírica, de uma maneira que aventuras de fantasia mais fundamentadas não conseguiriam. E, apesar de eu ter me decepcionado na primeira vez em que joguei, porque os moradores de Clock Town eram réplicas dos cidadãos de Hyrule do antecessor Ocarina of Time, hoje acho isso essencial para o poder onírico de Majora’s Mask. Imagino Link retornando a Hyrule e se sentindo como a Dorothy no final de O Mágico de Oz. “Você estava lá! E você estava lá!”
O que acho tão perturbador na passagem de Link por Termina é que ele nunca tem tempo de realmente se ligar a nenhuma dessas pessoas. O caminho de Link – o caminho do herói – é geralmente solitário, mas Majora’s Mask se preocupa mais diretamente com a solidão do que qualquer outro jogo Zelda. É a solidão que impulsiona o antagonista Skull Kid a se lançar contra o mundo como ele faz, e eu entendo a amargura e a raiva que essa solidão pode cultivar em alguém. De certa maneira, hoje conheço esse sentimento melhor do que 15 anos atrás, quando Majora’s Mask saiu para N64; então, o jogo me parece ainda mais relevante agora. Quando as pessoas me perguntam sobre o que tenho passado no último ano, elas geralmente assumem que a pior coisa foi perder meu emprego. Mas a verdade é que a coisa mais difícil, a coisa que piora tudo, é a solidão.
Mas, mesmo achando importante que Majora’s Mask nos faça ver Skull Kid com alguma compaixão, também acho importante que nossa experiência como Link nos mostre um jeito diferente de se lidar com a solidão. Como é sempre o caso nos jogos Zelda, Link nunca consegue realmente ser amigo da maioria dos personagens – ele está muito ocupado sendo o herói. Não há oportunidade para se formar intimidade. Não há jantares ou drinques, nem conversas sinceras. Mas Majora’s Mask é mais solitário do que os outros jogos Zelda por causa da sua estrutura de ciclo de três dias e porque, toda vez que você recomeça o ciclo (como é inevitável), suas ações se desfazem.
Os gorons não vão lembrar aquele dia de primavera que vocês passaram na pista de corrida. Os zoras não vão lembrar aquela vez em que vocês reuniram a banda. Para eles, isso nunca aconteceu. E, mesmo que eles lembrassem, eles não saberiam que foi o Link que compartilhou essas coisas com eles. Eles te veem como o guerreiro goron Darmani ou o músico zora Mikau. Eles não sabem a parte que você teve na vida deles. Você não consegue criar laços com eles, e aí você apaga esses eventos da existência completamente. E isso me faz pensar, como uma mulher transgênero, nas coisas que compartilhei com pessoas quando era jovem, quando eu fingia ser alguém que não era. As pessoas com quem compartilhei esses momentos os associam a mim, Carolyn, ou a uma pessoa que não existe mais? Essa é a minha vida e preciso vivê-la desse jeito para formar laços com outras pessoas que parecem reais para mim; e não me desculpo por isso, mas sei que, no difícil processo de encontrar meu caminho, magoei pessoas.
O que me traz a outro grande tema de Majora’s Mask: perdão. O perdão se repete: os quatro espíritos que você tem tanto trabalho para convocar te dizem para “perdoar seu amigo”, e os fantasmas assombrando o reino dos mortos te falam: “Acreditar nos seus amigos e abraçar essa crença perdoando falhas… esses sentimentos desapareceram de nossos corações”. Mas não acho que seja só o Skull Kid que precisa ser perdoado. Link também precisa.
Esse é um jogo com fracasso incorporado. Você não pode ajudar todo mundo. Você não pode salvar a todos. Não há tempo. E você é uma pessoa só. Odeio não poder ajudar todo mundo. E penso em como ajudamos algumas pessoas e decepcionamos outras, como falhamos com os outros e com nós mesmos; como já me afastei de pessoas que eu amava e que precisavam desesperadamente de ajuda, porque eu não sabia como as ajudar sem destruir a mim mesma, e como tem sido difícil me perdoar pelas minhas falhas.
Mesmo no final, quando tudo já foi feito, quando o mundo é salvo e um novo dia começa, Link não pode participar das celebrações. “Bom… é quase hora da festa começar…”, diz sua fada. “Então, por que você não vai embora cuidar dos seus negócios? Nós temos uma festa para ir.” E ele vai. Seja lá o que o Link está procurando na sua jornada pessoal secreta, como muitos de nós, ele ainda não encontrou. Mas se isso foi real ou só um sonho, gosto de pensar que ele levou duas coisas de seu tempo em Termina: uma esperança de que, em algum lugar lá na frente, ele vai encontrar um lugar a que pertença; e uma maior boa vontade, não só para ver os outros com compaixão, mas para ver a si mesmo com compaixão. Pelo menos foram essas coisas que levei comigo dessa jornada.
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Tradução: Marina Schnoor