Se você tem acompanhado as notícias sobre a febre amarela no Brasil, deve ter reparado que a situação não é das mais animadoras. Alto número de casos confirmados, muitos outros suspeitos, óbitos, títulos alarmantes, campanhas de vacinação. Tudo isso ajuda a construir uma imagem de que estamos vivendo uma epidemia da doença ou, na melhor das hipóteses, um surto semelhante ao que ocorreu em 2017. Estamos mesmo?
A resposta curta pra esta pergunta é: não, não estamos lidando com uma epidemia ainda. A resposta longa é um pouco menos animadora, mas, ainda assim, sem pânico.
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No ano passado, apesar de notícias falsas e mitos divulgados a respeito, o Brasil teve o pior surto desde de 1980, quando o Ministério da saúde começou a registrar os números da doença. Ao todo, foram 777 casos confirmados e 261 óbitos no período entre dezembro de 2016 e julho de 2017. “Ao comparar este mesmo período do ano, de 2017 com 2018, nós estamos numa situação relativamente amena”, comentou o Rivaldo Venâncio da Cunha, coordenador de Vigilância e Laboratórios de Referência da Fiocruz.
Até o momento, foram confirmados pelo menos 15 casos no país. Desses, 11 óbitos (6 em Minas Gerais e outros 4 em São Paulo e um no Distrito Federal). Ainda que os números sejam relativamente baixos em relação ao último surto, a situação pode ser pior do que aparenta e com potencial para atingir um grau muito maior de gravidade.
Como apontou Cunha, a situação se tornou mais preocupante quando a doença atingiu o município de Mairiporã, que faz divisa com a cidade de São Paulo. “A cidade está muito próxima às maiores densidades populacionais da América do Sul inteira”, afirma. Dos casos registrados no Estado de São Paulo, pelo menos quatro ocorreram no município citado pelo coordenador. Lá também foram notificados outros 33 casos suspeitos da doença. Desses, 13 faleceram e outros 17 continuam hospitalizados.
A resposta do governo federal foi promover uma campanha de vacinação em caráter emergencial utilizando doses fracionadas da vacina. Esta medida só é tomada em casos extremos e é a segunda vez na história que é adotada. A primeira vez aconteceu em 2016 durante o surto que atingiu a região central da África. Países como Angola, República Democrática do Congo e Luanda adotaram esta medida a fim de conter a rápida disseminação da doença.
Na atual estratégia, as doses fracionadas serão aplicadas em 76 municípios que apresentaram casos suspeitos ou epizootias (animais infectados com a doença) e estão fora da área de recomendação permanente de vacinação. Com isso, o governo espera imunizar cerca de 19 milhões de pessoas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, além das áreas endêmicas da doença.
Conforme explicou o Ministro da Saúde, Ricardo Barros, em coletiva de imprensa, “o fracionamento é util pois assim conseguimos manter estoques para atender a população caso a doença se espalhe para outras áreas”. As doses da vacina podem ser fracionadas em até cinco doses diluídas e têm eficácia confirmada por até 8 anos. A campanha deve acontecer entre os dias 3 de fevereiro a 9 de março nos três Estados. No restante da área com recomendação, a vacinação continua normalmente.
Segundo explicou o ministro, o Espírito Santo não entrou na estratégia de vacinação deste ano pois cerca de 95% de sua população população foi imunizada no surto do ano passado. Foi segundo estado mais atingido pela doença em 2017, atrás apenas de Minas Gerais.
Para Cunha, a medida acontece no momento certo, já que essa é uma resposta para uma situação limite, assinalada com a detecção de epizootias e casos confirmados em humanos em cidades como Mairiporã. O ciclo da doença de 2016/2017 registrou o maior número casos confirmados da doença em macacos: mais de 640 — desses 187 no estado de São Paulo. No ciclo atual, foram confirmadas 430 epizootias apenas no mesmo local.
O primeiro macaco confirmado com a doença dentro da cidade de São Paulo foi encontrado no Horto Florestal em outubro de 2017, pouco mais de um mês após o ministério da Saúde ter declarado o fim do surto da doença. “Como se diz no interior, você vai ‘toreando’ a situação até chegar em um ponto em que não se pode passar”, comentou Cunha sobre a atual campanha de vacinação.
Outro fator que chama atenção é a tendência vista nos últimos anos de expansão das áreas afetadas pela doença que, em vinte anos, deixou de atingir apenas a região da floresta amazônica e passou a compreender também grandes porções das regiões Sudeste e Sul.
Por meio de sua assessoria, o Ministério da Saúde informou que se trata do ciclo selvagem da doença. “De tempos em tempos, emerge fora da região amazônica, onde se mantém por áreas e regiões receptivas e vulneráveis, pela presença de grande biodiversidade de primatas não humanos susceptíveis, assim como populações de vetores silvestres.”
Até o momento, a doença não foi detectada em seu ciclo urbano. Neste cenário, o vetor responsável pela transmissão é o mosquito Aedes aegypti.
A última vez que se teve o ciclo urbano no país foi em 1942. Na fase silvestre da doença, a que foi registrada nos surtos do 2017 e no presente, são os mosquitos Haemagogus e Sabethes. Apesar dessa notícia positiva, ainda vale lembrar, se estiver em área apontada como de risco, é bom tomar a vacina.
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