
Todas as ilustrações foram gentilmente cedidas pela autora. Tinha 7 anos quando as fez.
Alan Moore escreveu que a escola é aquele sítio onde aprendes a ser pontual, obediente e a aceitar a monotonia. E, a ser verdade, não há melhor prova do crime que um prato de plástico que fiz quando tinha sete anos. O projecto consistia em fazer um desenho, enviá-lo não sei bem para onde e, um mês depois, o desenho voltava, impresso num prato de plástico. É um daqueles “momentos para a posteridade”, que vais guardando ao longo da vida porque os teus pais não têm coragem de deitá-lo fora. Ou têm, como foi o caso dos meus. E porquê? Porque era uma porcaria.
Lá no fundo, os meus pais sabiam que eu era capaz de engendrar coisas muito mais interessantes do que uma flor cor-de-rosa em forma de coração, uma árvore e um sol com óculos estilosos. Na semana anterior, por exemplo, já tinha escrito o meu primeiro livro.
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Era uma compilação de maneiras de morrer, que não incluía a versão “Morrer em casa rodeado dos seus entes queridos”. Os desenhos foram feitos na parte de trás de umas cartolinas que o meu pai tinha no escritório. Eram 24 páginas, nas quais ilustrava pessoas a serem dramaticamente assassinadas. Podiam ser espancadas até à morte, esfaqueadas durante o sono, massacradas pelo assassino das boleias num bosque qualquer (estávamos na Austrália e em 1993 isto era todo um tema), cozinhadas num caldeirão de bruxas, torturadas até à morte, enterradas vivas, mutiladas por zombies, etc.
Estaria eu condenada à loucura? Se tivesse criado este catálogo na escola, tenho a certeza que tanto eu como os meus pais teríamos ido ao gabinete do director. Mas o meu pai achou aquilo brilhante e conservou os meus desenhos num caderno de argolas, que mostrava orgulhosamente a quem ia lá a casa. Ele sabia que era só eu a imitar (adoravelmente) aquilo que ele fazia para ganhar a vida.
Nessa altura o meu pai estava a desenhar uma BD chamada From Hell, por isso tinha imagens de cadáveres de prostitutas vitorianas penduradas na parede e que usava como referência. Até tenho um desenho em que ilustrámos a mesma natureza morta: um rim num lenço. O meu pai comprou um rim no talho, que depois colocou na sala, para representar o rim que Jack, O Estripador supostamente teria arrancado a uma das suas vítimas, para enviar a George Lusk numa caixa. A minha versão era mais realista, porque incluía as moscas.
Os filmes têm uma forma especial de retratar as crianças que desenham coisas assustadoras. Segundo estes filmes, hoje em dia eu poderia perfeitamente ser uma assassina em série, ou, numa versão diferente, ter passado por um exorcismo violento. Mas correu tudo bem. Não entendo este cliché pessimista.
O crítico de filmes de terror Kim Newman diz que a primeira vez que viu este tema ilustrado no cinema foi em Prelúdio para Matar, de Dario Argento (1975). David Hemmings investiga uma série de assassinatos que o levam até uma casa. Nessa casa encontra desenhos feitos por um miúdo de um homem a ser esfaqueado. Ele pensa que esse rapaz (que entretanto já é adulto) é o assassino e que tem ali a prova para incriminá-lo, mas afinal não. Na verdade, ele viu a mãe matar o marido uns anos antes e retratou esse momento.
Segundo a psicóloga clínica Luana Lewis, os filmes têm uma perspectiva exagerada. “Eu não tiraria nenhuma conclusão baseada apenas em desenhos. É mais provável que esta criança tenha sido exposta à violência, ou tenha assistido a algum acto violento, as minhas perguntas iriam mais por aí. Talvez tenha visto algum programa inapropriado para a sua idade, mas não assumiria que existem problemas emocionais se não há outros sintomas, nem mais informação”, sublinha.
Newman tem uma teoria sobre esta poderosa combinação de crianças e filmes de terror. “A sociedade espera que gostemos de crianças, mesmo que às vezes (e especialmente com os filhos horrorosos dos outros) isso não seja possível. O significado do título A Volta do Parafuso (o romance gótico de Henry James, várias vezes adaptado ao cinema) é que, qualquer história de fantasmas ou tragédia, é mais perturbadora quando tem crianças envolvidas (é uma volta extra ao parafuso)”. Basicamente, é suposto as crianças precisarem da nossa protecção, mas basta um desenho (ou outra coisa qualquer) que nos mostre que elas sabem algo que nós não sabemos, para subverter essa ideia.
Estas personagens são tão retratadas que alguém decidiu fazer um mash-up, onde podemos encontrar filmes como Os Filhos da Terra (1984), ou Sinister (2013). No filme inglês Paperhouse os desenhos são a causa da tragédia e não o reflexo dela. Uma menina desenha o pai alienado e furioso, mas pensa melhor e também lhe risca a cara. O pai para além de furioso, fica cego. No entanto, alguém que conheça bem este género vai dizer que na maioria das vezes estas crianças não se transformam no típico assassino, há sempre outra coisa por trás. “Existem desenhos em The Amityville Horror (2005), ou em O Orfanato (2007), mas nenhum é feito por crianças intrinsecamente malvadas”, diz Josh Saco, o boss de Cigarette Burns. “Na maioria das vezes, as crianças são possuídas por uma força qualquer. Por razões óbvias evita-se transformá-las em monstros”.
Foram escritos muitos livros de psicologia infantil sobre a “arte” que produzem as crianças. Mas tanto quanto Lewis sabe, não há uma relação óbvia entre desenhar imagens assustadoras e crescer emocionalmente perturbado: “Se uma criança feliz, com laços fortes e seguros, fizer um desenho como os teus, é bem possível que seja porque tem uma imaginação muito fértil, talento artístico, ou tenha tido acesso a material macabro”.
No meu caso, acho que foram as prostitutas vitorianas do meu pai.
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