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Identidade

Kevin Spacey saiu do armário do pior jeito possível

A revelação do ator não foi um ato de coragem.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Spacey. Foto: Divulgação

Matéria publicada originalmente na VICE US.

Na noite do último domingo (29), o ator Anthony Rapp acusou Kevin Spacey de fazer avanços sexuais quando Rapp tinha apenas 14 anos. O BuzzFeed relatou que Rapp, que interpreta Paul Stamets em Star Trek: Discovery e foi o primeiro a interpretar Mark Cohen em RENT, diz que Spacey o colocou em sua cama e subiu em cima dele depois de uma festa no apartamento do vencedor do Oscar em Nova York, em 1986. Spacey tinha 26 anos na época.

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Numa declaração pelo Twitter, Spacey afirmou que não se lembra do encontro. "Mas se realmente me comportei como ele descreveu, devo a ele minhas sinceras desculpas pelo que teria sido um comportamento bêbado profundamente inapropriado", ele escreveu. Aí, por razões que só Spacey e sua equipe de relações públicas conhecem, o ator decidiu que era a hora certa de sair do armário. "A história me encorajou a abordar outras coisas da minha vida", ele escreveu, depois de declarar que já teve relacionamentos românticos com homens e mulheres, e que agora ele está escolhendo "viver como um homem gay".

Para muita gente, Spacey se assumir depois de alegações de assédio sexual contra um menor foi uma tentativa cínica de se esquivar da responsabilidade. Spacey até então mantinha que sua sexualidade não interessava ao público; numa entrevista de 2010 para o Daily Beast, o vencedor do Oscar de meia-idade comparou ser perguntado sobre se era gay com a epidemia de bullying contra adolescentes gays. A mesma abordagem que ele usou em outras mídias, mas na noite de domingo, Spacey finalmente desistiu de manter segredo, justo no exato momento em que a notícia serviria para encobrir as alegações de assédio.

Em resposta, Spacey fui sumariamente — e merecidamente — rejeitado por vozes importantes da comunidade LGBTQ. "Kevin Spacey acabou de inventar algo que nunca existiu antes: uma má hora para se assumir", tuitou o comediante Billy Eichner. Outros apontaram que a declaração de Spacey só fortalecia o mito da ligação entre homossexualidade e pedofilia. "Como você ousa implicar todos nós nisso", tuitou o crítico de cinema da Vanity Fair Richard Lawson.

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Spacey se assumir não serviu para obscurecer as alegações contra ele, pelo menos não inicialmente. A Reuters tuitou a manchete "Ator vencedor do Oscar Kevin Spacey declara que vai viver como um homem gay". Outros meios de comunicação como Daily Beast, PEOPLE e ABC News também deram a manchete sobre a sexualidade de Spacey antes de falar das acusações contra ele.

Em outras palavras, a isca de Spacey para a mídia foi perfeitamente mordida, porque era, no final das contas, uma rara admissão de homossexualidade de um membro da realeza de Hollywood. Mesmo com mais celebridades se assumindo que nunca, poucos astros da lista A fizeram isso.

Em sua resposta para as alegações contra ele, Spacey deixou transparecer seu desprezo pelo que poderia ter sido um ato de coragem. Poucos momentos na vida de uma pessoa queer são tão aterrorizantes e afirmativos quanto se assumir; é uma decisão que pode redefinir instantaneamente a perspectiva do mundo sobre você, convidando a julgamento e preconceito de estranhos na sua vida. Sob circunstâncias diferentes, a declaração de Spacey teria carregado um peso tremendo. Ele poderia ter usado sua plataforma para defender dar mais papéis para LGBTQs ou estimular seus fãs queer. Ele poderia ter feito o momento ser sobre os direitos dos gays na Chechênia ou sobre os ataques de Trump contra a comunidade trans, questões sobre as quais ele permaneceu em silêncio.

Claro, se assumir é difícil, mas se assumir como uma celebridade é ainda mais difícil. A homossexualidade de Spacey já era um rumor a ponto de ser quase de conhecimento público há anos, mas ele também é parte de uma máquina de marketing old school de Hollywood, que mantém astros no armário para vender filmes e aumentar seu apelo entre norte-americanos médios. "Acho que os [Johns Travolta] e Kevin Spaceys do mundo vivem sob uma suposição muito anos 80 de que você precisa agir como hétero para conseguir papéis héteros", disse o comediante John Early numa entrevista para a VICE sobre a insistência de Hollywood de se trancar no armário. "Mas acho que na verdade estamos vivendo numa época muito mais pessoal e confessional no entretenimento", ele continuou — uma época em que manter uma fachada é menos profissional do que já foi. "Acho que seria um movimento brilhante de Relações Públicas para eles se assumirem tão tarde no jogo. Isso realmente poderia chacoalhar um pouco as carreiras deles. Acho que ninguém precisa que John Travolta continue sendo esse tipo de farol da masculinidade."

E ninguém precisava que Kevin Spacey fosse isso também. Mas em vez de usar o momento para derrubar barreiras, Spacey parece ter escolhido usar a hora para um objetivo mais egoísta: autopreservação.

No meio da nova obsessão da extrema-direita com predadores sexuais gays em Hollywood e a conversa internacional sobre assédio sexual por parte de homens poderosos, gays ou héteros, Spacey aparentemente achou que seria um bom momento para ligar sua homossexualidade a alegações de que ele tentou seduzir um garoto de 14 anos. Na verdade, ele escolheu reforçar esteriótipos antigos e prejudiciais de homens gays como pedófilos, e drenar qualquer possível impacto positivo disso. Em vez de tratar a grande revelação de Spacey como um ato de bravura pessoal, vamos chamar isso pelo que realmente é: o pior jeito possível de se assumir.

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