Selfies vintage dos anos 70 mostram uma artista descobrindo sua sexualidade
Todas as fotos por Meryl Meisler.

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Viagem

Selfies vintage dos anos 70 mostram uma artista descobrindo sua sexualidade

Se fantasiar e tirar autorretratos na casa dos pais empurrou Meryl Meisler para fora do armário.

Matéria originalmente publicada na VICE EUA.

Ao crescer em Long Island durante os anos 1950 e 60, Meryl Meisler tinha uma típica vida suburbana: parte das escoteiras, fazia aulas de balé e sapateado e ia aos bailes da escola. Mas apesar de adorar sua família e amigos, ela ainda não se encaixava exatamente. Ela logo percebeu que não queria ser dona de casa, professora, enfermeira ou secretária — praticamente as únicas opções para as mulheres jovens da época.

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Enquanto Meisler se tornava uma adulta, ela começou a descobrir sua sexualidade como lésbica além de sua identidade como artista. “Fotografia está nos meus genes”, disse Meisler. Seu avô por parte de pai, Murray Meisler, seu tio Al e seu pai Jack eram praticantes da arte.

Meisler ganhou sua primeira câmera no primário, mas foi só quando se matriculou na Universidade de Winsconsin em Madison, no meio dos anos 70, que ela começou investiu seriamente no formato enquanto fazia mestrado em Artes. Durantes as férias, ela voltava para a casa em que cresceu, onde fez uma série de autorretratos que examinavam seu passado, presente e futuro. Naquele ponto, Meisler ainda não tinha ouvido falar de Cindy Sherman, mas tinha o mesmo instinto que ela. Meisler tentava examinar a construção do gênero feminino, dos rituais às poses e suas personas.

Uma seleção dessas fotografias aparece em Purgatory & Paradise: SASSY 70s Suburbia & The City (Bizarre), enquanto outras só viram a luz do dia recentemente, enquanto Meisler se prepara para lançar seu próximo livro. Aqui ela fala sobre esse período seminal de sua vida, compartilhando autorretratos da artista como uma jovem pronta para voar.

Autorretrato, The Girl Scout Oath, Massapequa, NY, janeiro de 1975 ©Meryl Meisler.

VICE: Você pode falar como era a vida como uma criança que cresceu em Long Island durante os anos 50 e 60?
Meryl Meisler: Sou de Massapequa. A gente chamava o lugar de “Matzo Pizza”, porque tinham muitas famílias judias e italianas lá. Tínhamos irlandeses, alemães, gregos e até uma ou duas famílias chinesas e cubanas. Mas era, e ainda é, uma cidade muito segregada.

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Quando eu era menina, todo mundo era a primeira ou segunda geração de norte-americanos. A maioria dos pais eram do Bronx, Brooklyn e Queens, e tinham comprado suas casas no subúrbio por menos de US$15 mil. Tudo estava começando. Todas as fazendas estavam virando condomínios.

Meus pais, Sunny and Jack Meisler, investiram no estilo de vida suburbano e garantiram que eu e meu irmão tivéssemos tudo que eles não tiveram, porque eles eram muito pobres quando criança. Fiz aulas de piano, balé, sapateado, baliza — tudo menos arte! Também fui escoteira até chegar a cadete.

Era tudo muito provinciano. Pra minha sorte, meu pai sempre levava a gente para a cidade. Meu pai tinha um negócio de impressão e minha mãe adorava teatro. A gente sempre assistia shows da Broadway. Acho que dá pra ver isso no meu trabalho — é muito teatral.

Autorretrato, The Ballerina, Massapequa, NY, junho de 1975 ©Meryl Meisler.

Em que ponto você percebeu que não se encaixava e não ia começar sua vida adulta no subúrbio?
Se você quer falar sobre ser gay, sim, eu tinha sentimentos. Mas eu também namorava, ia para bailes, aniversários de 16 anos e tinha namorados, e eu gostava de tudo isso. Eu sabia que era diferente, mas não sabia no quê.

Meu irmão e eu fomos a primeira geração da nossa família a ter o luxo de fazer universidade. Entrei para a Buffalo State. Eu não sabia o que queria fazer. No primeiro dia, recebemos uma bateria de testes e o resultado foi que eu podia tentar educação ou artes. Fiz uma aula de artes e adorei. O professor perguntou se eu não queria me tornar estudante de artes e meu coração pulou.

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Liguei para os meus pais e disse que queria estudar artes. Mas eles pediram que eu também fizesse educação para ter um jeito de ganhar a vida. Eu adorava isso também é me formei em educação como a primeira da turma.

Acontece que a Cindy Sherman também estudou na Buffalo State. Ela era estudante de artes e se formou um ou dois anos antes de mim. Ela também é de Long Island, o que é muito engraçado. Mas nunca tive aulas de fotografia lá.

Autorretrato, Smoking Dishwasher, Massapequa, NY, 1973 ©Meryl Meisler.

Como você se interessou em fotografia?
Fotografia sempre foi parte da minha vida. Sempre que eu via meu avó, ele estava com uma câmera e um fotometro. Meu pai tinha um olho de águia e fotografava com uma Rolleicord. Meu estilo é muito influenciado por ele. Ele fotografava amigos, família e ocasiões especiais. Ele era muito bom.

No meu segundo ano na universidade, meu namorado na Buffalo terminou comigo. Ele disse que eu não era uma artista de verdade. Então o que eu fiz? Fui até o Museu de Arte Moderna ver a exposição da Diane Arbus. Era uma consciência de “Sou uma artista, sim, foda-se!”

Enquanto estava na universidade, decidi fazer uma aula de fotografia porque queria aprender a usar uma câmera de verdade. Comprei uma Minolta STR-101. Eu estava lendo o manual dela no avião pra casa, a derrubei e achei que tinha quebrado — esse é um tema desde então.

Assim que cheguei em casa, comecei a me fotografar e fotografar amigos. Estou passando pelos meus primeiros rolos de filme 35mm agora para meu próximo livro. Descobri uma das minhas primeiras fotos, onde eu estava fumando na frente da máquina de lavar louça. Não sei e foi o primeiro ou segundo rolo, mas fiz um autorretrato imediatamente.

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Aquela fotografia me chocou. Nunca a revelei. Eu estava usando só o vestido de ficar em casa da minha mãe e peguei os cigarros dela mesmo não fumando. Eu estava me perguntando “Sou uma futura dona de casa?” Foi um momento muito privado.

Autorretrato, Shaving, Massapequa, NY, 1973 ©Meryl Meisler.

Como fazer esses autorretratos te permitiu explorar esse momento de transformação na sua vida?
Eu queria fotografar essa vida que eu conhecia, que eu tinha visto e vivido por tantos anos. Voltei para casa e passei pelos closets e o sótão, onde a gente guardava as coisas para ocasiões especiais. As fotos são sobre a vida entre a infância e a vida adulta, onde eu me pergunto “Quem sou eu? O que eu quero ser?”

"As fotos são sobre a vida entre a infância e a vida adulta, onde eu me pergunto 'Quem sou eu? O que eu quero ser?'"

O teatro foi uma grande influência. Iluminei os cômodos da minha casa como um palco, uma luz muito direta e crua, usando as cortinas como cortinas de teatro e os objetos como cenários. A casa era como um membro da família, porque morei ali desde os dois anos.

Eu tinha 21, ia fazer 22, quando comecei a tirar essas fotos e definitivamente estou dizendo “Sai logo do armário! Sai logo!” (risos). Eventualmente aconteceu, mas muitas dessas fotos são no meio disso tudo. Eu estava questionando meu futuro no subúrbio. Eu não via como me encaixar.

Hoje você vê algo nas fotos de que você não estava consciente quando as tirou?
Vejo essas fotos como muito corajosas — e até ousei revelá-las. Fico surpresa em ver como eu era determinada.

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Untitled Film Still, Massapequa, NY, Ação de Graças, 1976 ©Meryl Meisler.

Falando em ousadia, você pode falar sobre a foto de Lynda Benglis e como isso te inspirou a criar um dos seus autorretratos mais radicais?
Tem um cartaz da exposição de Lynda Benglis pendurado no corredor do departamento de artes da Universidade de Wisconsin. Ela está de pé, nua, usando um consolo enorme!

Eu não sabia de onde tinha tirado inspiração para essa foto até a gente ter essa conversa. Para mim, minha câmera era meu poder. Tirei essa foto mais de uma vez. Uma vez, um cara com quem eu estava saindo me ajudou, outra acho que foi minha futura noiva (risos). Com certeza não foi meu irmão!

Quando Steven Kasher estava considerando me dar uma exposição em 2016, ele estava olhando minhas fotos impressas — e ele escolheu essa! Eu fiquei tipo “Tenho que dar um título” então chamei de “Untitled Film Still” como referência a Cindy Sherman.

É uma imagem corajosa. É só mostrar essa e todo mundo “Ohh!” Sou muito crítica sobre o que é uma boa foto. Não pode ser só chocante, só composição ou história — tem que ser um pouco de tudo. Olhei para essa foto e disse “Ela tem tudo isso”.

Também teve um momento em que pensei: “Se não for agora, quando?” Sabe de uma coisa? Essa é uma imagem perfeita.

Autorretrato, My Childhood Bedroom Mirror, Massapequa, NY, fevereiro de 1976 ©Meryl Meisler.

Autorretrato, Girl Scout Applying Lipstick, Massapequa, NY, janeiro de 1975 ©Meryl Meisler.

Autorretrato, A Falling Star, Massapequa, NY, janeiro de 1975 ©Meryl Meisler.

Autorretrato, Dancing with my Brother Mitch, Massapequa, NY, janeiro de 1975 ©Meryl Meisler.

Autorretrato, Playmate Hostess, Nova York, NY, dezembro de 1978 ©Meryl Meisler.

Autorretrato, Tap Dancing with Mom, Massapequa, NY, janeiro de 1975 ©Meryl Meisler.

Autorretrato, Whopping it up with Leslie After Chauffeuring Mitch to the Prom, Huntington, NY, junho de 1976 ©Meryl Meisler.

Autorretrato, Dining Room Table, North Massapequa, NY, janeiro de 1975 ©Meryl Meisler.

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