FYI.

This story is over 5 years old.

VICE News

Como supremacistas brancos conseguiram acusar o homem negro que espancaram brutalmente

Depois de ser espancado em Charlottesville, DeAndre Harris foi formalmente acusado de um crime.
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Matéria publicada originalmente na VICE News .

Harold Ray Crews, um advogado de Kernersville, Carolina do Norte, nos EUA, também é o presidente do ramo estadual da Liga do Sul, uma rede neoconfederada que quer que o Sul se separe dos EUA e estabeleça uma maioria "anglo-céltica".

Crews também teve um papel-chave no que os supremacistas brancos veem como uma cruzada para corrigir o registo do que aconteceu durante o protesto "Unite the Right", em Charlottesville, Virgínia. A campanha inclui inundar o Google e o YouTube com clipes e teorias da conspiração sobre DeAndre Harris, um homem negro que foi brutalmente espancado por uma gangue de supremacistas brancos. O incidente foi capturado num vídeo que viralizou.

Publicidade

A surra deixou Harris, de 20 anos, com lacerações na cabeça o que exigiu vários pontos, além de ter lhe rendido um pulso quebrado e um dente lascado, entre outros ferimentos. Mas se você procurar informações sobre o incidente, o Google e o YouTube mostram vídeos e postagens de blogs retratando Harris como o agressor e Crews como a vítima.

No começo da semana, Crews conseguiu fazer DeAndre Harris ser formalmente acusado de um crime. Um magistrado de Charlottesville expediu um mandado para Harris com base num vídeo dele balançando uma lanterna para Crews, enquanto Crews corre para Harris e um grupo de outras pessoas com um cano de metal. Agora, Harris enfrenta uma acusação por supostamente atacar Crews. Se for condenado, ele pode pegar até cinco anos de prisão.

"A vítima foi ao gabinete do magistrado, apresentou os fatos que ocorreram, e tentou obter um mandado", disse a polícia de Charlottesville numa declaração na terça passada. "O magistrado pediu que um detetive respondesse e verificasse esses fatos. Um detetive do Departamento de Polícia de Charlottesville verificou os fatos e um mandado de Ferimento Ilegal (Código 18.2-51) foi emitido."

O advogado de Harris, Lee Merritt, defende que Harris balançou um objeto para Crews, mas argumenta que foi outra coisa que causou os ferimentos dele. Merritt diz que o oficial do gabinete do magistrado assinou o mandado, que ele descreveu como "incomum".

Publicidade

A acusação provoca um impacto real no meio da tempestade de informações falsas que se espalham pela internet. No começo da semana passada, um vídeo criado pela Liga do Sul, "Evidências conclusivas de que DeAndre Harris ATACOU manifestantes", era o primeiro resultado para "DeAndre Harris" no Google e YouTube.

O trecho de vídeo mostra um momento logo depois que Harris é perseguido até uma garagem e espancado violentamente. Dois dos agressores de Harris foram formalmente acusados, outros três ainda não. O Departamento de Polícia de Charlottesville não respondeu nossos pedidos de comentário sobre o caso de Harris, nem a promotoria do estado.

Hunter Wallace, chefe de relações-públicas da Liga do Sul, escreveu várias postagens na tentativa de contar a história de um homem negro espancado por vários supremacistas brancos, tendo colocado os brancos como vítimas. Wallace também é um colaborador do Occidental Dissent, um blog afiliado à Liga do Sul.

"Se não fosse por plataformas como o Twitter, YouTube e WordPress, o mundo nunca teria descoberto a verdade sobre as ações de DeAndre Harris no dia 12 de agosto", escreveu Wallace.

Vários posts de Wallace sobre o suposto "Hoax de Raça de DeAndre Harris" pedem aos espectadores para "reconstruir" o incidente com ajuda de vídeos no YouTube e links para conteúdo de teoria da conspiração.

Um blogueiro que usa o nome "Marcus Cicero" escreveu uma postagem cheia de gírias racistas em 24 de agosto, descrevendo Harris como um "bandidinho do Black Lives Matter", que estava enganando o público com um financiamento coletivo para bancar os custos do tratamento médico.

Publicidade

"Quero que ele seja acusado por nos atacar", escreve Cicero. "Quero que todo o dinheiro que ele levantou de maneira fraudulenta seja dado à Alt-Right para mais treinamento e organização."

Numa postagem de segunda passada, Wallace diz que ele e outros "reconstruíram completamente as ações de DeAndre Harris", e tinham "um vídeo com provas indiscutíveis contra ele" em 6 de setembro. Mas, segundo Wallace, quando procuraram o Departamento de Polícia de Charlottesville, eles "não mostraram interesse" em prender Harris por supostamente agredir Crews.

Isso, segundo Wallace, foi um exemplo claro de preconceito, já que dois dos seis supremacistas brancos que espancaram Harris foram presos logo após o incidente. Mais ninguém foi preso ou acusado.

A promotoria também não estava interessada no vídeo dele, escreve Wallace. A única outra opção era o gabinete do magistrado, que tem autoridade para assinar mandados de prisão. Lá eles teriam encontrado alguma simpatia. O gabinete do magistrado não pode comentar casos pendentes, disse um porta-voz à VICE.

Mas o esforço para reescrever a história de Charlottesville vai muito além de Harris. Wallace também diz, por exemplo, que Heather Heyer – a contramanifestante que morreu quando um jovem simpatizante neonazista atropelou uma multidão em Charlottesville – teria morrido de ataque cardíaco. Wallace incluiu fotos dela segurando um maço de cigarros e apontando seu peso como "provas". (Crews, em seu podcast, também expressou ceticismo com o registro oficial dos eventos que levaram a morte de Heyer.)

Publicidade

Cinco dias depois de Charlottesville, em seu podcast semanal para a Southern Nationalist Radio, Crews contou o que aconteceu naquele dia, mas mencionou apenas brevemente ser "atacado". Uma coisa fica clara: Crews e seu convidado Brad Griffin, um blogueiro supremacista branco, sentiam que foram destratados naquele final de semana, não apenas pelos contramanifestantes, mas pelo Departamento de Polícia de Charlottesville, oficiais municipais e pela mídia.

Desde então, eles estão tendo sucesso em recontar o que aconteceu, usando ferramentas digitais para alterar e amplificar sua narrativa. O YouTube não quis comentar especificamente sobre o caso de Harris. Um porta-voz disse que a plataforma está "investindo pesadamente em ferramentas" para garantir que as notícias que apresenta são corretas:

"Quando as pessoas vêm para o YouTube para se informar sobre o que está acontecendo no mundo, elas querem encontrar fontes confiáveis e com autoridade. Estamos investindo pesadamente em ferramentas que apresentem esses tipos de fontes para quem busca pelos eventos atuais e tópicos dignos de nota no YouTube, incluindo nossas ferramentas 'Top News' e 'Breaking News.'"

Além de ter um escritório de advocacia em Kernersville, Crews tem um podcast e um canal no YouTube. Um vídeo recente mostra o ex-Grande Mago da Ku Klux Klan David Duke discursando na conferência anual da Liga do Sul em junho, no Alabama. O vídeo já tem mais de 13 mil visualizações.

Crews também tem ficha na polícia. Ele foi preso em 2001 por pichar "ASSASSINOS" na porta de uma clínica de aborto, segundo o Departamento de Polícia de Winston-Salem, Carolina do Norte. A acusação contra Crews foi arquivada.

Crews, quando contatado pela VICE por telefone, disse que não estava interessado em comentar o caso.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.