"EastEnders" contribuiu para a minha integração na sociedade britânica
Ilustração por Ana Jaks

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Novos Vizinhos

"EastEnders" contribuiu para a minha integração na sociedade britânica

Um dos desafios mais difíceis que enfrentei quando cheguei ao Reino Unido foi a barreira linguística – dou graças a Deus pelos meus professores, pela minha família de acolhimento e pelas telenovelas.

Este artigo faz parte da nossa série Novos Vizinhos, em que jovens refugiados de toda a Europa são editores convidados da VICE.com. Lê a carta da editora aqui.


Farid tem 21 anos e é originário do Afeganistão. Actualmente vive em Islington, Londres, onde estuda Serviço Social na Goldsmiths University.

Quando vejo a forma enérgica e apaixonada como alguns deputados, instituições de caridade e outras pessoas protestam e se insurgem contra o encerramento do mecanismo britânico de apoio às crianças refugiadas, tenho esperança no futuro. Com a emenda de Dubs, existia a esperança de que o governo britânico acolhesse três mil crianças refugiadas mas, em Fevereiro deste ano, os serviços de imigração anunciaram a suspensão da medida. Alegavam que as comunidades locais não tinham capacidade para apoiar mais do que as 350 crianças que o Reino Unido tinha prometido assumir.

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Desde então o progresso tem sido lento - primeiro, no final de Abril, o número aumentou para apenas 480 jovens, em Maio, soube-se que as comunidades locais por todo o Reino Unido se tinham, na realidade, oferecido para receber centenas de crianças refugiadas. O governo ignorou essas ofertas.

Há oito anos, eu era uma criança refugiada. Com 13 anos, viajei do Afeganistão para a Grã-Bretanha. A viagem demorou quatro meses e foi muito difícil. A dada altura, pensei que o nosso barco se ia afundar, na travessia do Mediterrâneo entre a Turquia e a Grécia, e que nos afogávamos todos. Felizmente, o motor do barco voltou a ligar-se, mas foi um momento assustador.


Vê também: "'Free Rooms': A crise do alojamento de refugiados em Berlim"


Durante toda a viagem, fiquei chocado com a forma como os habitantes locais nos tratavam. Passei algum tempo na Selva de Calais, antes de vir para Inglaterra – não devia ser permitido a ninguém viver assim. Tinha fugido do Afeganistão onde a vida já tinha sido insuportavelmente dura, mas ainda assim as condições de vida eram melhores do que as que encontrei na Selva.

No caminho para a Europa, tanto eu como os meus companheiros de viagem fantasiávamos sobre o desenvolvimento e o acolhimento que iríamos encontrar, sobre a forma como os europeus vivem a sua vida, em conforto e segurança. Isso pode continuar a ser verdade, mas então como é que eles deixam os refugiados viverem daquela maneira? A Selva até pode ter sido demolida, mas muitos refugiados estão agora a viver nas ruas e a dormir em condições muito duras.

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Conheço muitos jovens com histórias semelhantes à minha e sei como tem sido difícil para eles. Quando o governo britânico anunciou, em 2016, que iria trazer crianças sem acompanhantes de Calais e de outras partes da Europa, inicialmente fiquei muito feliz – sentia-me orgulhoso por estar a morar aqui. Mas depois foi muito decepcionante a Grã-Bretanha ter decidido acolher apenas um número limitado de crianças. Espero que o governo britânico mude de ideias e permita que mais crianças, como eu, possam vir para cá.

"Mas, o que eu digo a mim mesmo é que isto faz tudo parte da vida e que eu tenho que fazer alguma coisa por tudo aquilo que eles sacrificaram".

Há tantos conflitos e perigos no Mundo, muitos jovens como eu são obrigados a deixar as suas famílias para trás e a fazer viagens terríveis todos os dias. O meu pai foi morto no Afeganistão por causa das suas convicções políticas - ele era muito autêntico. A minha família não queria que eu ficasse lá porque era muito perigoso, por isso a minha mãe e o meu tio venderam a nossa loja e as nossas terras para poderem pagar a minha viagem. Não foi fácil deixar a minha família para trás e instalar-me aqui em Inglaterra quando era apenas um adolescente. Mas, o que eu digo a mim mesmo é que isto faz tudo parte da vida e que eu tenho que fazer alguma coisa por tudo aquilo que eles sacrificaram.

Estudo Serviço Social na universidade e agora estou a fazer um estágio nos serviços infantis de uma comunidade de Londres. Isso inclui trabalhar com crianças refugiadas não acompanhadas e com jovens britânicos que também não têm famílias para os apoiar.

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Um dos maiores desafios que enfrentei quando cheguei ao Reino Unido, há oito anos, foi a barreira da língua. Não sabia falar inglês e, pelo menos durante um ano, não consegui comunicar com as pessoas à minha volta. Entender a cultura inglesa também levou algum tempo. Na escola, gozavam comigo por causa do meu sotaque.

Pouco a pouco comecei a sentir-me mais em casa em Londres e a fazer amigos, mas nada disso teria acontecido se não fossem os meus professores e a minha família adoptiva, a quem estou tão grato. Durante as férias, a minha mãe de acolhimento inscrevia-me em cursos de Verão para eu continuar a aprender e ajudava-me na leitura. Ela punha legendas quando estávamos a ver o EastEnders, ou outras novelas na televisão, para me ajudar na aprendizagem. Eu era muito novo quando fugi da minha terra para começar uma vida noutro país, mas isso ajudou a que a Grã-Bretanha se tornasse um lar para mim.

É por isso que eu apoio uma instituição chamada Refugee Action, que está a fazer uma campanha para que todos os refugiados tenham acesso completo e igualitário a aulas de inglês, através da sua campanha Let Refugees Learn.

Ilustração por Ana Jaks.


Assina aqui a petição do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que urge os governos a assegurarem um futuro em segurança para todos os refugiados.

Em Portugal, se quiseres apoiar organizações que ajudam refugiados, acede à Plataforma de Apoio a Refugiados. Trata-se de uma rede de entidades da sociedade civil, cujo objectivo passa por trabalhar no acolhimento de refugiados, perante a crise humanitária que estamos a viver.