Este artigo faz parte da nossa série Novos Vizinhos, em que jovens refugiados de toda a Europa são editores convidados da VICE.com. Lê a Carta da Editora aqui.
Ahmed Sleiman* tem 31 anos e é egípcio. Actualmente divide apartamento com outras pessoas em Paris.
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Saí do Egipto, através da Arábia Saudita, há quatro anos quando tinha 27 anos. Vivi algum tempo no sul da Inglaterra e pouco depois mudei-me para França. Sendo um jovem homossexual, era muito difícil levar uma vida normal no meu país. Os regimes egípcios, tanto o militar como o da Irmandade Muçulmana, não têm qualquer pudor em expressar o seu ódio e desprezo pela homossexualidade, que é punida muito severamente. Foi por isso que decidi vir-me embora. Não queria acabar na cadeia.
Apesar de não existir nenhuma lei que proíba a homossexualidade no Egipto, de acordo com o New York Times, “desde a intervenção militar de 2013 que colocou no poder o antigo General Abdel Fattah el-Sisi, pelo menos 250 lésbicas, gay, bisexuais e pessoas transgénero foram presas, numa acção discreta que destruiu uma outrora vibrante e visível comunidade. Até agora, as sentenças têm variado entre os dois e os 12 anos.
Quando cheguei a Paris, não falava uma palavra de francês. Fiquei em casa de um amigo palestiniano e a minha ideia era matricular-me na faculdade para aprender a língua. Preenchi os formulários de candidatura num monte de sítios e todos me rejeitaram: Paris V, Créteil e Sorbonne, por exemplo. De qualquer forma, também não tinha dinheiro para pagar as propinas. Acabei por ser aceite numa universidade do norte de Paris. É uma universidade bastante esquerdista e liberal; estou muito feliz por poder estar aqui a estudar. Comecei por frequentar um curso especial de francês para estrangeiros e, a seguir, matriculei-me num curso de cinema, que é o que estou a estudar agora.
“Quando comecei a fazer os meus próprios filmes, soube de imediato que era isso que queria fazer”.
Desde pequeno que o cinema é a minha paixão, mas no Egipto é praticamente impossível transformar uma paixão num emprego. Só se pode estudar cinema em instituições privadas, que são extremamente caras. Além disso, o regime monitoriza de perto todas as produções cinematográficas. O governo exerce um controlo apertado e censura tudo o que é considerado inapropriado para ser transmitido no Egipto.
A minha disciplina preferida é história das ideias políticas e sociais no cinema. Gosto muito de documentários sobre política e desenvolvimento social, porque se pode aprender muito com eles. Quando comecei a fazer os meus próprios filmes, soube de imediato que era isso que queria fazer. Escolhi um assunto que é, para mim, simultaneamente pessoal e político: a migração forçada dos núbios.
Os núbios são uma minoria – originária da Núbia, no sul do Egipto, que vive há décadas em conflito com o governo egípcio. Foram as primeiras pessoas forçadas a migrar, por causa da construção da reserva do Assuão, em 1902, e mais tarde, na década de 1960, com a construção da barragem sobre o Nilo. Mais de 100 mil núbios foram forçados a deixar as suas terras e a mudarem-se para o Cairo, ou para outros lugares do Egipto. Outros foram para o estrangeiro, mas continuam a lutar para recuperar as suas terras e o governo recusa-se a devolvê-las. Para a comunidade Núbia é muito importante poder voltar ao seu lugar de origem e, como a minha família é de origem Núbia, esta é também uma questão importante para mim.
“Pode ser mais caro filmar em França, mas temos a vantagem de poder abordar o tema da população Núbia, que é um assunto muito sensível no Egipto”.
Foi por isto que decidi fazer um documentário sobre os Núbios que vivem em Paris. Estou a trabalhar nisso com dois colegas de faculdade. Tare* escreveu o guião, ele é sírio e conhece muito bem o assunto. Já fez dois filmes sobre a guerra civil do seu país. Adeline* é do Líbano e é quem está atrás das câmaras. Acho que, em conjunto, reunimos o talento necessário para filmar o documentário, apesar do nosso baixo orçamento. Pode ser mais caro filmar em França, mas temos a vantagem de poder abordar o tema da população Núbia, que é um assunto muito sensível no Egipto.
Adoro viver em Paris, porque é uma cidade com muita vida cultural e artística. Estou numa companhia de teatro e toco numa banda. Mas, normalmente, não tenho muito tempo livre. Agora meti-me noutro projecto com vários estudantes universitários; é um documentário sobre a comunidade de estudantes estrangeiros. Na universidade existem estudantes de todo o Mundo e, entre todos, falamos um montão de línguas. Queremos saber como é viver e estudar em França quando és de outro país e partilhar isso com os outros.
Ilustração por Ana Jaks .
*Os nomes foram alterados por razões de segurança.
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Assina aqui a petição do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que urge os governos a assegurarem um futuro em segurança para todos os refugiados.