Por dentro da Operação Inconfidência Mineira da Civil contra o PCC
Foto: Felipe Larozza/ VICE

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Por dentro da Operação Inconfidência Mineira da Civil contra o PCC

A Civil mira nos “cérebros” do PCC e num time de futebol investigando os membros da facção através de documentos da contabilidade e finanças do grupo

A madrugada de segunda-feira (15) saiu da rotina no cruzamento das ruas José Saraceni e Camilo Olivetti, em Guarulhos (Grande São Paulo). Por volta das 4h30, 300 policiais e 115 viaturas se concentraram no local para iniciarem o cumprimento de 31 mandados de prisão e 56 de busca e apreensão. Agentes de todas as nove delegacias da cidade, do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), Grupo Especial de Reação (GER) e Grupo e Operações Especiais (GOE), da Polícia Civil, davam início à Operação "Inconfidência Mineira", encabeçada pela 4º DP de Guarulhos na Cidade Tiradentes, Zona Leste. Policiais de outros locais da grande São Paulo também deram apoio.

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Policiais reunidos na madrugada antes do início da operação. Foto: Felipe Larozza/ VICE

A ação é mais um desdobramento de um inquérito de 14 volumes nos quais constam cerca de 200 nomes de investigados no estado de São Paulo e dois mil em todo o Brasil. O alvo da 4º DP é a identificação das atividades do Primeiro Comando da Capital (PCC), com base em documentos da facção. A VICE publicou, com exclusividade, informações registradas em cadernos da facção criminosa nos quais há anotações sobre a economia do crime, além de descrições sobre os "julgamentos" realizados por membros do partido.



Os cadernos apreendidos, em 2 de março de 2016, fizeram com que a polícia constatasse a concentração exacerbada de membros na facção na Cidade Tiradentes. "É mais do que o 'normal'", afirmou o delegado Fernando Santiago, responsável pela investigação. Na área em questão, foram 30 "alvos". "Extraí de um universo de 200 nomes, 30. Fui fatiando por região para viabilizar a localização e prisão dos suspeitos. Na ação de hoje (dia 15 de maio) focamos no que chamamos de 'uma célula'".

Acrescentou que, por conta da existência de conjuntos habitacionais na região, é como se o bairro "fosse um morro carioca", mas constituído por edificações. "Como na região mora muita gente, que não é do crime, a proporção de criminosos também aumenta".

A VICE acompanhou o comboio de viaturas, que se concentrou ao lado de um shopping de Guarulhos. A partir deste ponto, as viaturas se dividiram para realizar os cumprimentos dos mandados.

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Na cola da viatura do delegado, a reportagem presenciou o momento em que policiais entravam na casa de um dos criminosos. Agentes da Civil forçaram o portão de entrada da residência, na qual também funciona um cabeleireiro, supostamente de fachada. No imóvel foram apreendidas mídias que podem ajudar a polícia em sua investigação.

O helicóptero Pelicano acompanhou toda a ação do alto, chamando a atenção dos moradores da região – que saíram de casa, ou ficaram acompanhando a operação em janelas de apartamentos.

Foto: Felipe Larozza/ VICE

Dentro da favela

A VICE acompanhou de perto a incursão de policiais civis em uma comunidade. O local é conhecido como "Setor G". Empunhando armas de groso calibre, como fuzis, policiais realizaram abordagens em vielas e revistaram suspeitos, mas nada foi localizado. A reportagem flagrou o momento em que um homem, sem documentos, foi chamado por agentes. Ele estava nas proximidades de uma boca de fumo e perto dela haviam indícios de que no local ocorre venda de drogas. O homem, com semblante de pânico, admitiu já ter sido preso por tráfico, porém foi solto por não existir nenhuma prova contra ele.

Foto: Felipe Larozza/ VICE

Prisão de traficante internacional

Durante a ação, a polícia prendeu Mohamad Hassan Atris, o "Hesbolah", apontado como gerente e progresso da FM (que cuida da venda de drogas no atacado), além de atuar junto ao tráfico internacional — crime pelo qual já foi preso.

Na casa dele foram apreendidos dois quilos e meio de maconha, seis celulares, dois computadores, a mesma quantidade de pen drives, além de uma balança de precisão. Os materiais serão periciados para que a polícia, segundo Santiago, possa obter informações sobre membros do partido.

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Apreensões realizadas na prisão do Hesbolah. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Além de Hesbolah outro homem, que não teve a identidade informada, também foi detido. Outros sete criminosos, que cumprem pena em presídios do estado de São Paulo, perderam "benefícios" após serem cumpridos mandados de prisão contra eles.

Santiago afirmou que o objetivo da ação é encontrar dados, anotações que facilitem o trabalho de identificação de "células" e lideranças do PCC. Documentos e anotações, como o pedido de ajuda de uma mulher a um membro do PCC, também foram apreendidos e serão anexados ao processo.

Foto: Felipe Larozza/ VICE

Ostentação de um criminoso

O lance no bairro é tão treta que um membro da facção, por questões de "ostentação", mantém um time de futebol de várzea, o Sedex, que conta com um campo na esquina das Avenidas Edson Danillo Dotto e dos Metalúrgicos. O nome do time é uma referência ao apelido de um traficante que controla a área (Guilherme Augusto Novaes), 41 anos, que é "dono" da equipe em sociedade com outro criminoso conhecido como Alemão (Jorge Luiz da Silva), 40. Ambos já foram presos por tráfico em outras ocasiões. O primeiro cumpre pena em regime semiaberto e o outro está preso. Porém, isso não impede que mantenham suas rotinas de trabalho no crime.

Segundo informações da Polícia, Civil, Sedex mantém o posto de "responsa da família" e "sintonia final do sinal", um dos mais altos na cúpula da ZL.

Delegado Fernando Santiago durante a operação Inconfidência. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Os cadernos apreendidos pelo 4º DP, aos quais a VICE teve acesso exclusivo, contam com o cadastro de membros do PCC – o que ajudou para que a polícia identificasse os suspeitos de forma privilegiada. "O cadastro traz o nome do criminoso, a matrícula prisional (o RG do crime), número de telefone (chamado pelos criminosos de linha vermelha), da quebrada de origem (região onde foi 'batizado') e a quebrada atual (onde o criminoso atua), nome dos padrinhos, se o membro foi punido por alguma 'infração', além das três últimas 'faculdades' (presídios em que o membro da facção ficou preso), a faculdade atual e, por último, as três últimas responsas (atribuições) e responsa atual. Ou seja, traz a vida toda do cara no crime. Todos os alvos foram individualmente investigados", disse o delegado.

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Os cadernos apreendidos fizeram a polícia saber, por exemplo, que Sedex foi "batizado" pelo partido em 1º de janeiro de 2001, na penitenciária de Hortolândia (116 km de São Paulo). Os padrinhos dele foram Marrom, Samuca e Pimenta.

O time de Várzea

A investigação também constatou o elo entre o PCC e o time de futebol de várzea Sedex. A equipe ainda conta com a torcida organizada conhecida como "Pavio Curto", a qual é representada pela personagem de desenho animado Papa Léguas empunhando uma arma de fogo.

Segundo o site Liga da Torcida, a equipe que, segundo a polícia é administrada pelo crime, foi vice-campeã do torneio "Copa Libertadores da Várzea" em 20 de setembro do ano retrasado. Perdeu a final nos pênaltis para o S.C Jardim Brasil, da Zona Norte.

Com base nos cadernos apreendidos, a polícia investigou a rotina de Sedex e verificou que ele comandava, de fato, um ponto de tráfico de drogas na ZL e que também financiava o time de futebol. "Ele cumpre pena em semiaberto, mas, na prática, é como se estivesse solto", disse o delegado.

Segundo Santiago, o traficante mantém um lava-rápido de fachada para lavar dinheiro e financia o time mais por uma questão de "vaidade". "Podemos usar como referência para isso o (narcotraficante) Pablo Escobar com o Atlético de Medellin".

Foto: Felipe Larozza/ VICE

O delegado ainda disse que as vendas feitas na biqueira de Sedex costumam ocorrer no vão do muro de um dos conjuntos habitacionais da região. "O cara vende a droga e não tem como pegar. Isso é na Rua Edson Danilo Dotto, onde fica o time de futebol". O time de várzea não é alvo da polícia pois, segundo o delegado, é somente patrocinado pelo traficante. "É normal jogadores de várzea receberem por jogo, é um tipo de freelancer. Os pagamentos são feitos (pelo criminoso) por vaidade. Não é pra lavar dinheiro". Depois da operação policial, o time Sedex vai precisar se reinventar para captar grana e se manter em campo.

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Além do time, Sedex é dono de um lava-jato que, segundo a polícia, conta com um capital inicial de 160 mil reais. "Quando você chega ao endereço da empresa, fica claro que o local é abandonado. Você vê que é justamente para lavar dinheiro". O criminoso também mantém uma empresa de lubrificantes, de fachada, chamada de Lubridex. "É muita desfaçatez o cara fazer alusão ao próprio nome (no crime) para dar nome ao 'negócio'. Até escrevi (no inquérito) que a desfaçatez do Sedex é tão grande ao ponto de colocar seu nome como pessoa jurídica em alusão ao seu vulgo criminoso".

Segundo organograma da Polícia Civil, o crime na Zona Leste é capitaneado por:

  • Guilherme Augusto Novaes, o Sedex, (responsa da "família e sintonia final)
  • Edilson Cavalcante de Lime, o Bibis (liderança do PCC)
  • Diego Pereira Bentes, o Marcelo (sintonia geral da Zona Leste e final do estado)
  • Marcos Ferreira de Souza, o Irmão Ka (sintonia final da Zona Leste)
  • Fabiano Costa de Oliveira, o Haole (sintonia final do cadastro da Zona Leste)
  • Jeova Carmos Santos, o Je Coringa (também sintonia final da Zona Leste)
  • Luis de Franca de Silva Neto, o Celebridade (Sintonia da FM)
  • David Willian Bezerra, o Coringa (sintonia do cadastro)
  • Alexandre Ferreira da Silva, o Tchelo (sintonia da cesta básica)
  • Paulo Sergio da Silva Bernardino , O Paulinho Bil, ou ainda BIlia (sintonia da ajuda/cesta básica)
  • José Carlos da Silva, o Zé Galinha (caixa do estado e sintonia final do progresso)
  • Valter da Silva Costa, o Beleza (sintonia geral da Zona Leste)
  • Antonio Carlos Pereira dos Santos, o Rabiola (sintonia da FM)
  • Fernando Bento Justino, o Chocolate (sintonia do cadastro

A ação realizada na Zona Leste é o primeiro passo da investigação, realizada há cerca de um ano e acompanhada, desde então, pela VICE. A história promete. Aguardem os próximos capítulos.

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