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Música

Se Eliminar a Pirataria Não Ajudou a Salvar a Indústria Fonográfica Norueguesa, Por Que o Download De Músicas Ainda É o Inimigo?

A Noruega nos mostra que a legalização não se refletiu na melhoria das vendas de discos e dos rendimentos das empresas.
Ensolarada, tranquila e livre de pirataria, a indústria fonográfica da Noruega ainda está em declínio. Foto via WikiMedia Commons.

Desde que o Napster permitiu que o primeiro single de baixa definição do Offspring fosse transferido entre dois computadores, o download ilegal tem sido o inimigo público número um aos olhos das gravadoras. Dezesseis anos depois, combater a pirataria de música digital ainda está no topo das prioridades da indústria fonográfica. Todos nós já vimos os números: os rendimentos estão mais baixos do que nunca, então a pirataria ainda deve ser a culpada. Contrariando isto, dados recentes da Noruega, obtidos via Music Business Worldwide e IFPI Norge, mostraram que, apesar dos recordes baixos índices de pirataria, os rendimentos da indústria foram fracos entre 2013 e 2014, e a venda de CDs continuou a cair. Se este é o caso, por que o download ilegal é um problema tão grande, o que realmente está acontecendo, e onde devíamos focar nossa atenção?

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Só nos Estados Unidos, fontes intimamente ligadas à Recording Industry Association of America (RIAA) estimaram em 2007 que a pirataria custa anualmente US$ 12,5 bilhões em rendimentos e 70 mil empregos – valores que são divulgados ainda hoje pela RIAA. As táticas usadas para combater esse números inflados evoluíram ao longo dos anos, mas nunca perderam o seu alvo de vista.

Depois da prática de processar empresas peer-to-peer como Napster, Limewire e KaZaa fracassar na intenção de alterar o comportamento do consumidor, leis como a Digital Millennium Copyright Act (DMCA) foram estabelecidas ao redor do mundo para proteger organizações midiáticas. No começo dos anos 2000, entre 18 e 35 mil indivíduos foram alvos de processos nos EUA por fazerem downloads ilegais de música. Embora muitos dos processos na casa das centenas de milhares tenham sido resolvidos fora dos tribunais por somas muito menores, foi amplamente aceito que a prática de processar indivíduos não teve efeito algum em combater a pirataria. Uma das últimas pessoas a ser alvejada individualmente foi uma mulher de Minnesota, acusada de baixar e distribuir 24 músicas em 2012. Ela foi processada em US$ 220 mil.

Sean Parker, do Napster, foi um dos alvos originais do ataque da RIAA à era digital. Foto via Wikipedia.

Recentemente, as táticas da indústria para combater a pirataria mudaram, atribuindo cada vez mais responsabilidade aos provedores de internet. No dia 1º de janeiro, mudanças no Copyright Modernisation Act, do Canadá, forçaram legalmente os provedores a notificar os seus clientes suspeitos de baixar músicas ilegalmente. Práticas similares estão em vigor (e têm sido amplamente criticadas) no Digital Economy Act, do Reino Unido, desde 2010, e seguidamente levam a intimações em massa por somas relativamente menores, na casa dos três dígitos. Ainda assim, as vendas continuaram a cair.

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Apesar de o lobby continuado dos formuladores de políticas, parece que nada pode desacelerar o declínio da venda de CDs. Até as vendas digitais estacionaram. É impossível não se perguntar o que realmente está acontecendo. O que é diferente em 2015, comparado a 2005?

Vamos analisar algumas mudanças tecnológicas que tornaram irrelevantes tanto o download ilegal quanto a compra de CDs:

1. Cada vez mais optamos por ouvir mp3, rádio via satélite ou estações locais em nossos carros.
2. Os novos Macbooks, Chromebooks e outros laptops sequer vêm com drives de CD. Os sempre populares Galaxy Tab, Microsoft Surface e iPad também não são compatíveis com o CD.
3. O maior acesso à distribuição via internet derrubou as barreiras para a entrada de novos artistas. Os números atuais de artistas independentes e o nível de competição são sem precedentes.
4. Muitos discos, singles e EPs são disponibilizados de graça, diretamente pelos artistas no SoundCloud, BandCamp e outras plataformas, seja na forma de promoções temporárias ou de uma estratégia de longo prazo, baseada numa filosofia própria.
5. Colecionar endereços de e-mail de fãs, ganhar corações no HypeM ou acumular likes no Facebook são as novas moedas de troca para artistas que os utilizam para fazer acordos com agências ou contratos de edição. Em 2015, 50 mil likes no Facebook são mais valiosos do que US$ 50 mil.
6. A conexão rápida e onipresente à internet oferece acesso 24 horas, sete dias por semana  a serviços de streaming como Spotify e YouTube. Você pode ouvir música de graça, de forma legal, praticamente em qualquer lugar, e não precisa mais depender do iTunes.

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Vivemos em um tempo em que o Martin Garrix pode ir de produtor de fundo de quintal esperançoso a astro mundial com apenas uma música. Vivemos em um tempo em que o Ed Sheeran pode dormir no metrô de Londres ou lotar o Wembley Stadium por três noites consecutivas em uma questão de anos. O caminho para o sucesso, embora seja altamente competitivo, nunca foi tão acessível quanto é agora.

Sem a internet que as grandes gravadoras tanto temem, artistas novos como Martin Garrix não poderiam existir. Foto via Facebook/Martin Garrix.

Se a indústria fonográfica realmente deseja melhorar seus lucros trimestrais e a vida dos artistas que representa, há uma série de áreas lucrativas que merecem a sua atenção. Os royalties do streaming, por exemplo, ainda são dolorosamente baixos. Inúmeros músicos talentosos ainda são desconhecidos e não têm um jeito fácil de serem reconhecidos; os toca-discos para iniciantes são uma droga; as máquinas que produzem os discos de vinil (o único meio físico cujas vendas estão crescendo) estragam frequentemente e precisam de um investimento significativo; os royalties de performances ao vivo frequentemente não são recolhidos. Se déssemos mais ideias, teríamos de cobrar uma taxa de consultoria.

O download ilegal, antes visto como uma força devastadora, provou não ser mais uma ameaça às gravadoras e ao seus rendimentos. A maior ameaça à sobrevivência das gravadoras são elas mesmas. Integrando-se verticalmente e investindo nos produtos que os fãs realmente desejam comprar e consumir, podem assegurar não só o seu próprio futuro, mas o futuro dos seus artistas e a felicidade dos fãs por muitos anos.

Ziad Ramley faz streaming de graça no Twitter.

Tradução: Fernanda Botta