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Edição Crime Verdadeiro

O Desastroso Esquema em Pirâmide de Ephren Taylor nas Megaigrejas dos EUA

Louve a Deus, prometa milagres e, quando todos os olhos estiverem voltados para Ele, roube até as calças do rebanho inteiro.

Ephren Taylor fala para os fiéis da St. Cajetan Church em Denver, Colorado. Foto por Helen H. Richardson / Getty Images. 

Em 1913, Charles Russel, um pastor restauracionista de Pittsburgh, foi acusado de fraudar seus seguidores em venda de grãos. Russel aparentemente estava cobrando taxas exorbitantes de seu rebanho por um “Trigo Milagroso”, que, depois de algumas inspeções, se mostrou apenas trigo normal. O escândalo, de acordo com um editorial de um jornal da época, provou “que o culto religioso do 'pastor' Russel não é nada além de um esquema para fazer dinheiro”.

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Apesar dos seguidores desse pastor (hoje conhecidos como Testemunhas de Jeová) ainda defenderem a inocência dele, o golpe se tornou comum, repetido inúmeras vezes no último século por mercenários religiosos, vendedores de óleo de cobra e televangelistas bronzeados que vivem de arrancar dinheiro fácil dos crentes norte-americanos. Os golpes se tornaram mais sofisticados com os anos – das revelações falsas do pregador revivalista Peter Popoff aos excessos dos anos 80, dos cílios postiços de Jim e Tammy Faye Bakker até o esquema de pirâmide antigoverno do Greater Ministries International –, mas a ideia básica continua a mesma: louve a Deus, prometa milagres e, quando todos os olhos estiverem voltados para Ele, roube até as calças do rebanho inteiro.

E, aparentemente, esse era o mesmo modus operandi de Ephren Taylor II, também filho de um pastor. Aos vinte e poucos anos, o autoproclamado “capitalista socialista”, que, entre 2007 e 2010, visitou igrejas com seu seminário Wealth Tour Live, pregava oportunidades de investimento com “consciência social” que tornariam os crentes pessoas piedosas e ricas ao mesmo tempo. Taylor foi preso recentemente nos EUA depois de quase três anos fugindo das autoridades federais, que acusam o pastor de estar no comando de um esquema em pirâmide(no estilo Ponzi)multimilionário que visava megaigrejas de todo o país.

No começo, seu apelo era óbvio. Vendendo-se como o “mais jovem CEO negro de uma empresa de capital aberto”, ele dizia ter fundado duas companhias de tecnologia – e feito seu primeiro milhão – antes de terminar o colegial. Prometia oportunidades de investimento de “risco baixo, retorno alto” que iam “mostrar como ficar rico e usar o dinheiro para construir o Reino do Senhor”, segundo suas palavras proferidas a uma congregação em 2009. Em sermões (depois, em comerciais de TV, livros e webinários), Taylor alimentava as esperanças do rebanho citando a Bíblia, exaltando Jesus e espalhando promessas vagas de “empoderamento econômico” e de “moradia acessível”, tudo isso aliado a comentários depreciativos aos veículos tradicionais de investimento, como o mercado de ações e fundos mútuos. Os fiéis, ele dizia, deviam “demitir seus corretores” e entrar para uma de suas “máquinas de sorteio sem riscos” – ou, melhor ainda, transferir seu dinheiro (todo ele, idealmente) para contas de custódia a fim de que a empresa de Taylor, a City Capital Corporation, o investisse.

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Muitas congregações, inclusive megaigrejas poderosas como a New Birth Missionary Baptist Church, em Atlanta, e a gigante Lakewood Church, de Joel Osteen, em Houston, engoliram a história, abrindo suas portas – e carteiras – para o Elmer Gantry negro do novo milênio. “Sua vida está prestes a mudar”, afirmou o pastor Eddie Long da New Birth; na época um poderoso televangelista, apresentava “meu amigo, meu irmão, o grande Ephren Taylor” à sua congregação. Deus, segundo Long, queria “te financiar para fazer a vontade Dele”.

Mas, apesar dessas aspirações beatas, os negócios de Taylor – na maior parte, lavanderias self-service e bares de suco – raramente entregavam os 12 a 20% de retorno prometidos aos investidores (as máquinas de sorteio davam um retorno ainda pior). No melhor estilo Ponzi, a maior parte do dinheiro era supostamente usada para cobrir perdas e pagar por outros investimentos; ou, então, financiava a própria marca de Taylor, suas campanhas de relações públicas, cartões de crédito, apartamentos e a carreira de aspirante a pop star de sua esposa. Numa ação movida pelo Departamento de Justiça americano, em junho, os promotores públicos afirmam que Taylor fraudou investidores em mais de US$ 5 milhões, com US$ 2 milhões perdidos apenas por vítimas da Geórgia. Uma ação de 2012 da Comissão de Títulos e Câmbio dos EUA vai mais além, acusando-o de comandar um esquema Ponzi de US$ 11 milhões que visava, principalmente, evangélicos negros.

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Membros da New Birth Missionary Baptist Church em Atlanta, Geórgia. Foto por John Amis-Pool / Getty Images. 

Cathy Lerman, uma advogada da Flórida que representa algumas das vítimas de Taylor, acredita que esses números não são nem a ponta do iceberg do golpe do pastor. “São literalmente centenas de vítimas dele aqui”, ela informou. Vítimas que ainda estão aparecendo. “Fraude de afinidade religiosa é bastante comum, mas não é algo discutido dentro da igreja, e esse é um dos problemas. Ninguém quer admitir que isso acontece, e foi assim que ele continuou fazendo isso por tanto tempo. Muitas dessas pessoas têm vergonha ou acreditam, de um ponto de vista religioso, que o que acontece na igreja fica na igreja, que você não deve sair comentando isso por aí ou fazer uma denúncia.”

“Quem iria sonhar que alguém pudesse entrar na sua igreja e usar sua fé como uma arma para roubar?”, questionou. “Todos acreditam que são os únicos; eles acham que foram idiotas.”

De muitas maneiras, o esquema de Taylor foi um caso clássico de fraude de afinidade – uma versão em menor escala do esquema de Ponzi de US$ 20 bilhões de Bernie Madoff, que teve aristocratas europeus e judeus ricos como alvos. E como Madoff, o mais impressionante no caso de Taylor é que sua mentira foi muito além dos círculos fechados dos evangélicos negros em que ele estava de olho com seus esquemas de investimento. O pastor apareceu na CNN, na Forbes, na NPR e num segmento da CNBC intitulado “Segredos de um Milionário Adolescente”. Ele foi um convidado do programa de Montel Williams. Taylor chegou a dizer que Snoop Dogg o tinha contratado para gerenciar sua fundação filantrópica para juventude, a Snoop Youth Football League. E, em 2008, Taylor deu um seminário sobre investimentos com consciência social na Convenção Democrata Nacional, em Denver. Aparentemente, todo mundo comprou a história romanceada na voz de menino do coral de Taylor. Mas, segundo conhecidos dele, essa história era tão fraudulenta quanto seus supostos investimentos.

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“O cara estava a alguns cliques de distância no Google de ter evidências expostas, evidências de que ele era acusado de fraude em várias partes do país”, frisou Kevin Berger, um advogado de Kansas City que representa vários ex-parceiros de negócios do acusado anteriores ao esquema da Wealth Tour Live. “Quando terminamos com ele, isso ainda não tinha amadurecido num esquema Ponzi completo. Ele era muito conhecido no Missouri. As pessoas só tinham de ter investigado.”

Tudo isso levanta uma questão óbvia: como tanta gente foi enganada? A resposta ainda não está totalmente clara, mas Taylor parecer ter contado com uma confluência de sentimentos particulares da época – desconfiança em Wall Street, desespero econômico e uma obsessão pela nova riqueza, principalmente pela proveniente das empresas de tecnologia –, o que fez as pessoas suspenderem suas descrenças e seu pensamento crítico. De maneira mais geral, fraudes assim estão em ascensão nos EUA. Apesar de o governo não divulgar os dados, oficiais estaduais e federais já alertaram que cerca de metade dos esquemas fraudulentos se baseia em afinidade, respondendo por algo entre US$ 20 bilhões e US$ 50 bilhões em perdas para os investidores na última década.

Grupos religiosos tendem a ser um alvo popular. Pesquisadores do Center for Study in Global Christianity, que examina fraudes e desfalques em igrejas, descobriram que o crime eclesiástico respondeu por US$ 37 bilhões de prejuízo para igrejas do mundo todo no ano passado. Nos EUA, Joseph Borg, da Comissão de Valores Mobiliários do Alabama, estima que fraudes baseadas na fé representem cerca de metade de todos os esquemas de afinidade no sul e que isso responda por uma porção substancial das fraudes de afinidade no país todo. A forma dos esquemas pode variar, mas os golpes geralmente podem ser resumidos assim: se a fé é fundamental, é difícil para os fiéis saber quando não acreditar.

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“É um grande obstáculo a se vencer”, especulou Borg. “Se você não pode confiar na sua igreja, nos membros da sua igreja, nos líderes da sua igreja, em quem você pode confiar?”

O interior de uma New Birth Missionary Baptist Church, onde Taylor persuadiu fiéis a investir em seu esquema Ponzi. Foto por John Amis-Pool / Getty Images. 

No caso de Taylor, seu esquema parece ter se baseado especificamente em igrejas que pregam a teologia da prosperidade ou o evangelho da prosperidade – um ramo crescente do cristianismo, popularizado por pregadores como Osteen e T.D. Jakes, que vê saúde e riqueza material como manifestações físicas das bençãos de Deus e em suas ausências, um possível sinal de seu julgamento.

“As pessoas gostam de ver seus pastores ricos”, afirmou Kate Bowler, professora assistente da Duke Divinity School que vem estudando a teologia da prosperidade. “Dinheiro e riqueza são evidências da graça de Deus; a falta disso é evidência do oposto.” Então, quando o pastor acusado mostrava suas armadilhas de riqueza (como seu apartamento de US$ 6 mil de aluguel por mês em Trump Place ou o hino pop “Billionaire”, de sua mulher), seus fãs e investidores viam isso não como um sinal vermelho, mas como prova de sua virtude.

Para igrejas da prosperidade, pontuou Bowler, “fé não é esperança ou confiança. É uma força espiritual que os crentes liberam a fim de mover a ação de Deus”. O evangelho da prosperidade, ela acrescentou, “oferece uma linguagem de ambição para aqueles que estão ascendendo socialmente. Em tempos difíceis, isso diz que Deus está do seu lado, que há sempre uma solução. Isso faz com que as pessoas se sintam no controle”.

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Bowler destacou ainda que é impossível dizer se o evangelho da prosperidade em si favorece a fraude de afinidade. Mas, segundo ela, “há aspectos na teologia da prosperidade que podem predispor alguns a um certo pensamento mágico de como o dinheiro circula e de como isso pode voltar para eles.

“Parece que pessoas que estão ansiosas para terem milagres financeiros – que já esperam que Deus devolva seu dinheiro de maneira sobrenatural – têm uma probabilidade maior de acreditar (e de investir) num pastor visitante como a resposta para suas preces.”

E, claro, para as vítimas de Taylor, essa promessa se mostrou falsa. Depois de três anos se escondendo, o Serviço Secreto dos EUA o prendeu num apartamento barato nos subúrbios de Kansas City, onde sua esposa trabalhava numa casa de massagem sob um pseudônimo. Lerman destaca que seus clientes ainda esperam justiça, mas que, nesse ponto, está claro que o dinheiro se foi há muito tempo. “Não acredito que tenha restado um único centavo”, disse Lerman. “Acho que ele torrou tudo.”

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Tradução: Marina Schnoor