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Por que eu parei de fazer piada machista

No fim das contas, o importante mesmo é reconhecer as cagadas que a gente faz. Não é mesmo?

A VICE me convocou para escrever um texto com o mote do título tendo como base este post meu no Facebook. Depois de publicar lá, foi legal me expressar e ver o apoio de dezenas de mulheres sobre isso. E eu fiquei feliz pelo convite, mas um pouco receoso. Eu sempre estou a fim de falar sobre humor. Mas, neste caso aqui, tem uma parte delicada: é falar sobre humor e questões de gênero. Logo, eu estaria tocando num assunto sobre o qual não tenho as skills para falar: feminismo.

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"Não se faz nada nessa vida sozinho", me falou o Criolo dia desses. Eu precisava do olho de uma mulher e tive uma ideia para aceitar de forma confortável e justa a tarefa: fazer a quatro mãos. Primeiro, que não faz o menor sentido eu ter um protagonismo nessa história. Segundo, que só uma mulher poderia falar sobre feminismo e me guiar para eu tentar desenvolver algo sem equívocos.

Eu tenho a sorte de namorar uma das mulheres mais porretas. Rachel Brandão, redatora, 24 anos. Feminista ferrenha, livre em todos os aspectos. Dessas que se esquenta - com muita razão - em mesa de bar se ouvir merda. Grande estudiosa de humor também. Conhece minha obra. É crítica sobre meu passado. Então, se alguém poderia me colocar contra a parede, sem massagem e com intimidade, seria ela. Concordamos em fazer um pingue-pongue sobre o assunto. O resultado você vê aí:

Rachel: Tá, vamos começar. Eu quero que cê mande assim, já de cara, o porquê de você ter se posicionado sobre isso agora – e não há seis meses, um ano ou dois. Por que agora?
Ronald: Em primeiro lugar, eu mudei de comportamento há muito tempo, qualquer pessoa que me acompanha sabe disso.

Rachel: Sim.
Ronald: Eu achei importante fazer essa declaração, porque eu acho que foi uma forma de oficializar quem eu sou enquanto comediante, comunicador ou qualquer coisa. Foi um jeito de me posicionar contra o tipo de humor em que eu não acredito.

Acho que a coisa vai um pouco além do humor, tem um significado maior, e eu, na minha adolescência, acreditava que tudo era motivo de piada. Eu não me preocupava se estava ofendendo alguém – pra mim, era só questão do choque de valor. O que eu quis mostrar hoje foi que não é bem assim, que as palavras nunca voltam vazias.

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Rachel: Pois é. Sobre isso, eu queria te questionar mais duramente: eu sei que você, já na época, sabia que estava falando algo "errado". Mesmo com 18 anos, você já sabia que estava fazendo humor com uma coisa controversa, não sabia?
Ronald: Sim, sabia que era controverso.

Rachel: Portanto, você sabia que as pessoas poderiam ouvir aquilo ali e assumir várias coisas?
Ronald: Então, isto eu devo dizer: não sabia.

Rachel: Você não tinha essa consciência?
Ronald: Pra mim, era tudo diversão, era tudo realmente piada. Quando eu fazia uma piada machista, não refletia o que eu pensava de verdade – obviamente, eu não faria nenhuma das coisas que eu falei em vídeo, na TV, numa coluna. Eu nunca pensei – e essa talvez seja a minha questão principal – em como, quando eu fazia uma piada machista, isso influenciava alguém, validava esse tipo de pensamento. Porque, se alguém apenas risse e pensasse "Nossa, que pensamento equivocado", e fosse em frente, e não tivesse nenhuma consequência, aí seria jogo limpo. Mas, a partir de um momento, eu fui entendendo que parte do meu público tinha ideias machistas, fui vendo que eles não pareciam ser os tipos de pessoas que gostavam de mulheres – não "gostar de mulheres" no sentido sexual, mas no sentido realmente de ter respeito e ver como um gênero igual. Assim, o que eu achava que era engraçado e livre servia como argumento para homens machistas e maus. A partir daí, pensei: "Não quero seguir esse caminho de humor".

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Não existe uma escola de humor, você aprende as coisas aos poucos, e o que eu fazia tem muito a ver com as minhas influências. Eu gosto muito do Chris Rock e do Dave Chapelle, que são grandes humoristas quando se trata de falar de questões sociais, de pobreza e questões raciais. Mas eles tiveram suas cotas grandes de piadas machistas. Quando o Chris Rock diz, por exemplo, que as mulheres são interesseiras e querem o dinheiro de um homem, eu não acredito nisso – mas o jeito com que ele conta eu achava engraçado. Cê me entende?

Rachel: Sim, sim.
Ronald: O que eu percebo – ainda mais no momento em que a gente tá vivendo – é que eu, como jovem que tem um mínimo de público, tenho de tentar não fazer uma piada que valide o pensamento negativo de um cara sobre uma mulher.

Rachel: Muito justo. Mas e a galera, o seu público, os seus seguidores? Esse pessoal mudou? Eu falo isso inclusive pessoalmente, porque a Rachel de 18, 19 anos via um monte de coisas que hoje eu acho bobagens imensas saindo da sua boca e morria de rir, te achava o máximo. Hoje, eu vejo aquelas coisas e penso "Porra, não!". Amigas do movimento pelos direitos da mulher já vieram me questionar por que sou feminista e namoro um cara que já fez piada de estupro. E eu respondo "Tudo bem, ele já fez, mas hoje não faz mais". Você é um cara em processo de desconstrução, assim como todos nós. Eu mesma sou feminista e já ri de piada de estupro - então vou julgar o cara que fez essa piada? Se você parou e se esforça pra não reforçar mais esse tipo de comportamento, esse tipo de condenação é injusta.

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Portanto, você sente isso na sua base de fãs? A galera "evoluiu" junto, ou existe uma cobrança para que você volte a ser quem era?
Ronald: Então, primeiro: eu não sou o melhor cidadão do Brasil. Muita gente melhorou, muita gente evoluiu em termos de pensamento. Muita gente adquiriu um pensamento mais progressista e mais livre. Eu faço parte disso, você faz parte disso, e eu tenho muitos fãs das antigas que estão comigo até hoje e que evoluíram – e eu não quero parecer pretensioso quando falo em "evolução", embora se trate realmente de uma evolução você entender melhor as desigualdades e aprender a respeitar as outras partes. Logo, sim, muita gente evoluiu. Muita gente me critica, não gosta mais de mim e me acha chato – hoje foi um dia no Twitter em que eu li bastante essa opinião –, mas isso faz parte. Se as pessoas não me acham mais engraçado porque eu não faço mais uma piada machista ou homofóbica, por outro lado eu não acho aquele Ronald antigo engraçado também. Esse tipo de pessoa talvez tenha que ficar vendo aqueles vídeos pra sempre, porque hoje eu não vejo a menor graça em fazer isso. Enquanto eu puder usar o humor como uma força contestadora, que abra caminhos, destrua preconceitos e estigmas, eu me dedico a isso.

Muita gente foi mudando junto comigo, justamente acompanhando a minha mudança no tipo de piada. Eu sou livre pra ser quem eu quiser, e eu quero ser uma pessoa que faz humor, que é engraçada e, que acima de tudo, não faz o mal por conta de uma brincadeira – ainda que na minha cabeça ela soe só como uma piada. Eu não posso deixar um cara achar que tá certo ele achar que um comportamento de tal mulher é "coisa de vagabunda" por conta de uma piada. Esse cara pode acreditar nisso, embora eu não acredite. Me preocupo em ser engraçado, mas [quero] contestar qualquer tipo de pensamento retrógrado. Eu não quero ter um público que se mistura com o de outros humoristas por aí.

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Eu, com certeza, não quero dividir fãs com outros humoristas – não preciso citar nomes – que são deliberadamente ofensivos a minorias em geral. Pode soar muito politicamente correto, porém é no que acredito – e não tenho interesse em fazer esse tipo de choque de valor mais, de falar uma coisa maluca só pra causar. Essa pode ser a resposta mais chata que a VICE já publicou, mas é uma resposta honesta.

Rachel: Você já falou que não se considera feminista, já que, afinal de contas, é impossível você ser um feminista tendo nascido homem. Entretanto, mesmo nesse contexto, é justo afirmar que você é mais feminista do que o Dado Dolabella?
Ronald: [risos] Essa é uma daquelas respostas pra começar com um parêntese "Ronald ri", né?

Rachel: [risos]
Ronald: Mas, então, como serviço público, eu devo dizer que, em primeiro lugar, se eu puder usar a audiência da VICE pra dizer que o Dado Dolabella é um imbecil, eu vou usar. Dado, você é um imbecil que bateu em duas mulheres – e tem outros aspectos da sua personalidade que são imbecis também, mas vamos focar só esse por um momento. Você se declarar um feminista é uma coisa muito louca e de mau-caráter.

Rachel: Além de muito nociva pro feminismo.
Ronald: Exatamente. Dado, você não é feminista, cara. Você é um cara muito perdido que precisa muito de ajuda e de ler umas coisas. Tem uns sites muito maneiros por aí que falam de feminismo – e você pode ler tudo, é de graça. Você precisa ler, Dado - embora eu não saiba se você realmente sabe fazer isso.

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Acho que a minha última frase na entrevista pode ser "Dado Dolabella é um canalha" – e, meu Deus do céu, precisa ter um limite de caracteres nisso, senão eu vou xingar o Dado Dolabella até no post sobre a Síria que a VICE vai fazer amanhã.

Ronald Rios, 27, é repórter, comediante e redator. Foi apresentador na Rádio Jovem Pan, MTV e repórter do programa CQC. Estreia na Tv Gazeta no fim de janeiro de 2016 com o programa "Batidas e Rimas - A história do rap nacional", um documentário em 6 partes sobre a história do rap brasileiro, desde Pepeu até o moleque que está nas batalhas de MC's hoje; passando por Emicida, Edi Rock, Criolo, Ogi, Daniel Ganjaman e outros arquitetos do gênero. Após o fim da série de verão, lança um novo programa de humor para a temporada 2016 do canal.

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Rachel Brandão, 24, é feministona, publicitária, redatora, social media e já escreveu pro Judão, Cinema de Buteco e Audiograma. Você a encontra no Twitter quase 24h por dia falando sobre feminismo, política, internet e cultura pop.

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