FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Como o FaceTime salvou o presidente turco da tentativa de golpe no país

As mesmas redes sociais que o Presidente Erdogan frequentemente censura foram uma ferramenta essencial para frustrar a investida dos militares de tomar o poder na Turquia.

Foto por Guillaume Daudin.

Matéria original da VICE Grécia.

Entre tiroteios, explosões e tanques nas ruas, a tentativa de golpe na Turquia sexta passada vai ficar na memória da população. Mas um momento incomum na cobertura jornalística sobre a instabilidade foi o chat ao vivo pelo FaceTime da CNN Türk com o presidente Recep Tayip Erdogan — o mesmo político que aparentemente odeia redes sociais e a internet mais que qualquer pessoa no mundo.

Publicidade

A Turquia é um país-membro do Conselho da Europa, começou a discutir sua ascensão à União Europeia em 2005 e é associada da Comunidade Econômica Europeia desde 1963. Mas uma das razões para o país não ter sido integrado à UE até hoje é a questão do desrespeito aos direitos humanos — entre eles a censura da internet. A Europa define o direito dos cidadãos europeus à internet livre no Artigo 11 da Cartilha de Direitos Fundamentais, para liberdade de expressão e informação.

Em 2007, a Turquia colocou em vigor a Lei 5651, que permite bloquear o acesso a sites que contenham "incitação ao suicídio, abuso infantil, promoção do uso de drogas, obscenidade, prostituição, jogos de azar e fornecimento de drogas", além dos "crimes contra Ataturk" que caem sob a Lei 5816. Em março de 2007, o YouTube inteiro foi bloqueado por causa de um vídeo que insultava Kemal Ataturk. Sempre que um usuário tentava acessar o site, uma mensagem de erro aparecia dizendo "o acesso a esse site foi bloqueado por uma decisão judicial". Bloqueios temporários do Wordpress e Daily Motion também foram relatados.

Três anos depois do bloqueio do YouTube, em 2013, as pessoas começaram a se manifestar na Praça Taksim e os bloqueios ficaram mais intensos. Os planos de Erdogan de construir um muro cercando o parque foram o motivo inicial dos protestos, mas as manifestações logo ganharam conteúdo político, quando os cidadãos começaram a reagir contra a natureza arbitrária do autoritarismo dos líderes do país. Os protestos no Parque Gezi hoje são considerados os maiores do tipo na Turquia moderna, com as pessoas se organizando através das redes sociais e usando a internet para promover protestos e marchas. Claro, o Twitter e o YouTube foram bloqueados de novo.

Publicidade

Quando um escândalo político estourou no final de 2013, com nomes-chave do governo envolvidos e um esquema de "gasolina a peso de ouro", os cidadãos já estavam putos. A reação do presidente Erdogan foi aprovar outra lei dando ainda mais poder à Autoridade de Tecnologias de Comunicação e Informação (BTK em turco). A lei permitia que provedores de internet coletassem dados dos usuários sem necessidade de mandado. Redes sociais e outros sites como o Vimeo foram bloqueados quando usuários postaram vídeos que promoviam encontros contra o governo.

Como os turcos vivem dizendo online, eles moram num país que usa apagões da internet para responder a qualquer evento político. O acesso a sites específicos foi bloqueado pelo menos sete vezes o ano passado, segundo o Turkey Blocks, um grupo ativista que mapeia a censura na Turquia.

Mesmo este ano, depois do ataque ao aeroporto de Istambul, o governo turco implementou uma lei de segurança nacional para bloquear o compartilhamento de material específico, afetando tanto as redes sociais como a mídia. Na verdade, tentar acessar Twitter, Facebook e YouTube depois de qualquer grande desenvolvimento político na Turquia geralmente acaba assim:

Claro, esses bloqueios andam de mãos dadas com a deportação de jornalistas e a prisão de quem critica o atual regime turco online. Erdogan conseguiu apreender a maioria dos grandes poderes disponíveis e tende a utilizá-los contra qualquer suposto inimigo, turco ou não, o que vem sendo destacado por várias organizações, como a Repórteres Sem Fronteiras.

Publicidade

Na noite de sexta, logo depois do começo da tentativa de golpe, todo acesso a Facebook, Twitter e YouTube foi revogado de novo. Mas dessa vez, não ficou claro se a ordem veio mesmo de Erdogan. Uns 20 minutos depois, Erdogan usou o Twitter, a rede social que ele sempre pareceu tão disposto a silenciar, para dizer que todas as ações para impedir o golpe estavam em andamento — mesmo que isso significasse derramar sangue — enquanto pedia que os cidadãos turcos permanecessem calmos.

Logo depois, Erdogan se dirigiria aos cidadãos da nação de novo, pedindo que eles fossem às ruas protestar contra a tentativa de golpe, enquanto conversava (por FaceTime) com a CNN turca. O presidente turco já distribuiu sentenças de prisão para manifestantes no passado, mas parece que mudou de ideia. Os responsáveis pelo golpe, claro, "receberiam sua resposta do povo", como Erdogan diria mais tarde, antes de anunciar que estava voltando para Ancara. Horas depois ele estava de volta ao Twitter, dizendo que outra tentativa de golpe poderia vir a qualquer momento e pedindo que os cidadãos continuassem vigilantes.

Nem preciso dizer que a resposta imediata do povo turco ao chamado de Erdogan demonstrou por que a tentativa de golpe fracassou. Nunca saberemos o que teria acontecido se Erdogan não tivesse conseguido transmitir seu pedido de ação, nem se alguém estaria esperando por ele no aeroporto Ataturk quando ele chegasse.

No final das contas, simpatizantes de Erdogan foram às ruas, o golpe foi impedido e a Turquia, um país profundamente dividido, atualmente não está sob controle militar, mesmo sendo difícil dizer se essa opção era melhor ou não para o país. No entanto, o jornalismo e as redes sociais serviram os objetivos de Erdogan e mais uma vez a mensagem foi clara: quem controla os meios de comunicação e informação tem o poder.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.