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Edição Uganda

Viajei para o Egito Atrás de Uma Cura Milagrosa para Minha ELA

Quando contei meu diagnóstico -esclerose lateral amiotrófica- para minha mãe, ela me aconselhou viajar para o Cairo e estava bastante convencida que isso iria me curar.
A autora reza na Igreja da Virgem sagrada em Maadi, Cairo.

Em 1968, uma luz em forma de mulher foi vista irradiando do domo da Igreja de Santa Maria, em Zeitoun, Cairo. Ela desapareceu depois de dois ou três minutos, mas emergiu de novo na semana seguinte – novamente por apenas alguns minutos. Ela continuou a visitar periodicamente o local, e multidões se reuniram, especulando se a luz era a mãe de Deus. O chefe da Igreja Copta na época, Papa Cirilo VI, investigou a visão e concluiu que aquilo era, de fato, uma aparição de Maria. O presidente (muçulmano) do Egito, Gamal Abdel Nasser, supostamente construiu uma igreja maior do outro lado da rua como um testemunho de sua própria crença de que aquela era Maria. A polícia e o governo egípcios procuraram por uma explicação racional, mas ninguém conseguiu encontrar um projetor capaz de produzir aquela imagem a quilômetros do local. Todas as fotos da visão parecem diferentes umas das outras, como se a aparição fosse etérea demais para ser capturada numa única imagem. Ela continuou a visitar a igreja até 1971, quase três anos após o evento original.

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No começo dos anos 90, eu era uma criança religiosa crescendo como cristã no Egito, e minha mãe me surpreendeu ao revelar que as pessoas ainda acampavam em frente à Nossa Senhora de Zeitoun durante a Festa da Virgem, esperando ver Maria reaparecer. Eu tinha apenas cinco ou seis anos, mas passar a noite toda rezando e recitando hinos espremida entre milhares de pessoas no calor africano pareceu, bom, divertido. Além do mais, e se ela voltasse e a gente perdesse? Minha família pareceu estupidamente despreparada, o que significava que eu nunca conseguiria a baraka, ou benção, dela.

Nós nunca fomos, e Maria nunca mais voltou. Mas outros milagres me cercaram. No Ocidente, a palavra milagroso penetrou nosso vernáculo de um jeito que se tornou um sinônimo de extraordinário, enquanto extraordinário se tornou sinônimo de incrível, e incrível é só o jeito como você chama o barista que lembra de como você gosta do seu café. Todas essas palavras deviam significar algo além da capacidade humana, mas seu lugar no nosso léxico mudou. Nenhuma dessas palavras desencadearia pensamentos sobre uma força sobrenatural. Mas no Egito, sim. Lá, milagres acontecem – e com frequência. No Egito, diga uma preocupação ocupando sua cabeça, e as pessoas vão te dar infindáveis contos sobre os trabalhos de Deus. Quando eu era criança, histórias de estátuas chorando óleo ou de paralíticos andando de repente alimentavam minha crença de que uma mão divina sempre descia dos céus para consertar questões da vida. Só era preciso ter fé.

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Perdi minha fé quando me mudei da casa dos meus pais depois da faculdade. Não a perdi no sentido de que ainda estava procurando por ela – mas do mesmo jeito que perdi meu conjunto de cozinha da infância quando minha família emigrou do Egito. Eu já tinha acreditado que um fogãozinho rosa-bebê podia cozinhar ovos, mas não acreditava mais. Já acreditei que a fé podia mover montanhas, mas não acreditava mais. Ainda assim, numa manhã ensolarada de setembro, me vi aconchegada no calor e no conforto da religião, da fé e de uma esperança maravilhosamente ilusória.

Eu precisava contar aos meus pais que meu cérebro de 29 anos não estava mais se comunicando direito com meu corpo – que ele iria, sem nenhuma ordem em particular, lentamente parar de dizer para minhas mãos se mexerem; depois, meus braços, minhas pernas, minha mandíbula, cordas vocais e língua. Ele ia acabar esquecendo de dizer para os meus pulmões se expandirem, me fazendo sufocar lentamente.

Meus pais foram as últimas pessoas para quem contei, porque eu acreditava que, quando contasse, eles iam imediatamente começar a planejar seus enterros. Eu não achava que minha mãe, que tinha um coração ruim, apenas um rim funcionando e tinha sobrevivido ao câncer, podia fisicamente acrescentar mais notícias ruins à lista. Minha irmã Deedee até sugeriu que eu não mencionasse os detalhes sobre o curso da doença.

Voei de Nova York para Cleveland, onde eles moram, com uma mochila e uma tradução em árabe da página sobre ELA da Wikipédia. Eu tinha dez anos quando saímos do Egito; então, nunca aprendi que palavras significavam "esclerose lateral amiotrófica". Eu só tinha aprendido o que a sigla significava em inglês no ano anterior, quando contei a uma equipe de médicos que minha mão esquerda não estava mais funcionando como costumava.

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Quando cheguei à casa deles, antes que eu tivesse a chance de pegar a página da Wikipédia ou experimentar a comida que minha mãe tinha preparado para minha chegada, fiquei sem ar e meu corpo começou a convulsionar. Entrei num choro delirante, do tipo que fazia meus olhos parecerem de desenho animado e deixava a pele das minhas bochechas enrugada.

"Os médicos disseram que a paralisia vai se espalhar pelo meu corpo inteiro e eu vou morrer", consegui pronunciar num árabe quebrado. Comecei a tremer, como meu corpo faz agora quando estou perturbada, estressada ou com frio, me jogando ritmicamente para frente e para trás nos braços da minha mãe.

"Não diga isso!", ela repetiu muitas vezes. Seus olhos estavam secos.

Fiquei aquela semana inteira no meu velho quarto do colegial, dormindo ou não, só me mexendo para ir ao banheiro. Quando experimentei uma rajada de energia, mudei meu laptop e minhas maratonas no Netflix para o sofá. De vez em quando, eu respondia mensagens de texto de Deedee, que estava em Washington.

À noite, minha mãe dormia ao meu lado, embaixo das estrelas que brilhavam no escuro coladas por mim no teto. Ela sempre acordava antes de mim e entregava uma bandeja de café da manhã com as sobrancelhas levantadas, os olhos muito abertos e o queixo ligeiramente caído num sorriso bobo – do mesmo jeito que ela fazia quando eu era criança para dizer que eu não estava mais de castigo. Enquanto eu ficava parada lá, ela seguia com seu dia, cozinhando, limpando e ocasionalmente chamando Deus, Ya Rab. Se uma única lágrima rolou no rosto dela naquela semana, eu não vi. Ela era durona, uma rebelde que zombava da ciência. Apesar do que os médicos tinham dito, Deus – ela tinha certeza – teria a palavra final.

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"Deus nunca me fez passar vergonha", palavras ditas com uma confiança que eu queria muito compartilhar. Mas eu não tinha certeza de que o mesmo deus que assiste ao sofrimento e à injustiça no mundo faria da minha dor de cabeça insignificante uma prioridade.

Ela me falou para ir ao Egito: me convenceu de que eu seria curada lá. Essa é minha mãe – Deus nunca a tinha feito passar vergonha, e eu definitivamente não passaria; então, no final daquela semana, prometi a ela que iria até lá pedir um milagre. Oito semanas depois, eu estava num voo para o Cairo, adormecendo meus pensamentos ansiosos com garrafinhas de bebida. Por 12 horas, fiquei remoendo o medo de que um bispo, padre ou monge pudesse expor que eu não tinha a única coisa exigida para ser milagrosamente curada: fé. Fui ensinada a respeitar essas pessoas, pois elas não eram só pessoas, mas servos de Deus. Isso ficou comigo, mesmo quando dei as costas para minha religião. Antes da viagem, eu tinha falado com familiares que pareceram perplexos e céticos sobre como eu, uma pessoa jovem e saudável, tinha ficado terminalmente doente de repente. Todos concluíram, muito rapidamente inclusive, que "Deus nos testa quando nos afastamos Dele". Até meu primo Evette, farmacêutico, me afirmou: "Ele dá as batalhas mais difíceis para seus soldados mais fortes. Então, coloque sua fé Nele, antes da ciência".

O julgamento deles me fez pensar o que me dedurou: o que me expôs como não crente. Eu nunca tinha contado a eles sobre perder minha fé. Eu tinha falado da minha doença com muita naturalidade? Fiz uma piada quando não devia? Era aparente, seja lá o que fosse, e eu duvidava que conseguiria mascarar isso enquanto pedia por um sistema nervoso central novo no Cairo.

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Viajei para o Cairo com um propósito – cumprir uma promessa que fiz à minha mãe –, mas também estava com medo de que meu ceticismo flertasse com a zombaria. Eu podia estar indo para ser curada, mas meu instinto ainda era abordar a questão como uma repórter, não uma peregrina. No início, eu nem sequer conseguia contar a ninguém que estava doente. Passei tanto tempo estudando a ocorrência de milagres no Egito quanto procurando pelo meu. No Egito, eu não tinha que procurar muito longe: no primeiro dia, chamei um carro para me levar ao Cairo Copta, um pequeno enclave de igrejas históricas e pontos religiosos, incluindo uma área onde a Sagrada Família teria se escondido enquanto fugia da sentença de morte de Herodes. No carro, meu motorista, também cristão, me contou com zero ironia: "Testemunhei um milagre nesta manhã no caminho para te pegar".

Eu não tinha dito a ele por que estava no Egito, que estava doente ou mesmo que era jornalista. Mas era domingo, e estávamos visitando igrejas antigas; então, ele começou a conversa com milagres. Ele olhava para trás pelo retrovisor e ocasionalmente acenava com o braço direito, mostrando uma unha de cocaína no processo, enquanto, ao mesmo tempo, detalhava com certeza e incredulidade como um padre tinha realizado um exorcismo e livrado um menino de demônios apenas uma hora atrás.

"Não acredito nisso", confessei. "Talvez o garoto estivesse apenas doente." Mas não importava o quanto eu argumentasse que as pessoas, às vezes, substituem uma explicação científica por uma sobrenatural – ele nem sequer considerava isso.

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Ele me deixou no destino, e eu pude lembrar quão antigo, belo e estranho é o Cairo Copta. Um muro de pedras três vezes o meu tamanho cercava o perímetro. Entre as igrejas, que chegam a datar do século três, há pequenos cemitérios quadrados e ruas de pedra calcária, onde pessoas já moravam antes de os árabes conquistarem o Egito. Subindo os degraus da Igreja Suspensa, que ganhou esse nome porque está suspensa sobre a Fortaleza de Babilônia, passei por casais, adolescentes conversando e crianças com dinheiro na mão para comprar velas. Apesar de essa tecnicamente ser a Igreja Suspensa da Santa Virgem Maria, meus olhos imediatamente se focaram na estátua e nos restos mortais de Santa Demiana.

Meus pais contam que, quando minha mãe estava grávida da minha irmã, a Virgem Maria veio para o meu pai num sonho e informou que ele teria uma filha. Ele deveria chamá-la de Demiana, e Demiana devia ser freira. Uma bebê saudável chegou. Eles a batizaram de Demiana. Mas ela nunca chegou a ir a um convento.

Deedee, como a chamo desde que éramos pequenas, é uma versão mais glamourosa, sensual e animada de mim, que adora igualmente strippers e dietas sem glúten. Ela é 18 meses mais nova, mas me trata como a irmã caçula. Para ser justa, ela agora é a mais responsável. Mesmo que seus olhos sejam maiores, suas maçãs do rosto mais altas e seus lábios mais carnudos, é ela que fica brava quando alguém fala que não somos parecidas. Ela me ama tanto que quebrou seu voto pessoal de exílio do Egito pela primeira vez em 14 anos e decidiu me encontrar lá em sua folga do Dia de Ação de Graças.

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Aquela imagem deve ter desencadeado minhas lágrimas: Santa Demiana é lendária por sua coragem. Ela foi torturada sob ordens de um imperador pagão depois de se recusar a renunciar sua fé. DeeDee é corajosa. Ela foi a primeira da família para quem contei sobre o diagnóstico. Eu tinha tentado protegê-la exaurindo todas as possibilidades e esperei seis semanas antes de finalmente desmoronar e ligar para ela da frente da ALS Clinic do Centro Médico Universitário de Columbia. Ela viajou de Washington para o Brooklyn sem nem uma escova de dentes. Naquela noite, caminhamos de mãos dadas e fantasiamos sobre como eu seria a primeira mulher a ser curada de ELA enquanto comíamos tacos e tomávamos margueritas. Ela prometeu que tomaria conta de mim e que meus últimos dias não seriam gastos embaixo daquelas horríveis estrelas que brilham no escuro do meu velho quarto.

Segundos depois de ver a imagem de Demiana, meus lábios se apertaram, minhas sobrancelhas despencaram e eu chorei na entrada da Igreja Suspensa. Eu tinha sido diagnosticada quatro meses antes, e essas explosões incontroláveis de lágrimas já tinham praticamente parado. Quando a notícia ainda era nova, qualquer coisa provocava minhas lágrimas – elas vinham de novo e de novo. Chorei em calçadas de Manhattan e do Brooklyn. Chorei na plataforma do metrô e nos vagões. Chorei na minha mesa e no meu escritório. Uma vez, chorei num bar com um coquetel de tequila rosa na mão.

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Chorei antes de os médicos confirmarem meu diagnóstico. Por quase um ano, meu neurologista parecia confiante de que, desde que minha fraqueza estivesse isolada na mão esquerda, isso seria tratável. Aí, numa noite de abril, eu estava descendo as escadas do metrô e tive de me segurar de repente: minha perna esquerda começou a tremer, e eu perdi o equilíbrio.

Naquela noite, chorei no caminho inteiro até minha casa, passando por estranhos que provavelmente assumiram que um cara tinha partido meu coração. A fraqueza na minha perna esquerda significava que eu estava sem opções, mas menti para mim mesma e disse que estava sendo dramática. Fiz 29 anos duas semanas depois, no dia 1º de maio, e, enquanto eu soprava as velas do meu bolo de aniversário, desejei qualquer coisa – menos ELA.

No dia 9 de julho de 2014, durante minha consulta de rotina com o neurologista, finalmente juntei coragem para contar sobre a perna que tremia. Ainda consigo ver nitidamente a expressão nos olhos dele enquanto conferia meus reflexos, meus pés subindo e descendo no ar. Ele se afastou um passo e afirmou: "Parece que você está mostrando sintomas no neurônio motor superior".

Para muitos, isso pareceria apenas jargão, mas eu tinha lido o suficiente para entender que essas palavras significavam desgraça. "Você está falando de ELA?", perguntei. Ele fez que sim com a cabeça.

Quando não conseguiu que eu parasse de chorar, ele perguntou: "Me diga: o que está acontecendo no Oriente Médio esses dias?".

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Chocada, parei de chorar. "Ele está desmoronando. Assim como meu corpo", respondi.

Saí do consultório sozinha e confusa. Fumei um cigarro atrás do outro, bebi champanhe e passei o resto do dia nervosa com a imprecisão com que os dramas médicos da TV retratavam a conversa que eu tinha acabado de viver. Nas seis semanas seguintes, visitei os melhores neurologistas no campo: quando eles pediram que eu repetisse um exame, sugeri que repetíssemos todos. Eu não queria ligar para a Deedee e dar a ela a pior das notícias.

Na igreja, segui o guia, querendo aprender sobre a história e os poderes do lugar, mas sem querer contar minha própria história a ninguém. Um dos padres que conversava com os fiéis me notou e fez sinal para que eu me juntasse à discussão. Apesar de eu ter parado de chorar, ele manteve contato visual comigo enquanto falava. Ele estava vestido de preto, tinha uma longa barba grisalha e grandes olhos castanhos. Eu queria correr para ele, abraçá-lo e listar as dores nos meus membros e no meu coração, mas não fiz isso. Sentei e ouvi -o descrever quando a igreja foi construída, os detalhes do nártex e como uma pintura da Virgem Maria no pilar de mármore era uma das coisas inexplicáveis da igreja. Num dos 13 pilares da igreja, há um lindo retrato de Maria, com os olhos desproporcionalmente grandes, no estilo comum da arte copta. Mas, continuou o padre, ninguém sabia como ou quando essa imagem em particular foi feita – pois era impossível pintar no mármore.

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"Um anjo pode ter pintado, ou a própria Virgem, ou um humano", ele explicou. "Não há como saber realmente."

"Bom, isso pode ser considerado um milagre", frisou uma mulher de uns 40 anos, como se fosse uma deixa.

O padre concordou e levou nosso grupo para outra parte da igreja. Fiquei para trás e tirei fotos da pintura milagrosa de Maria, que estava embrulhada em plástico transparente, assim como os móveis novos da casa da minha tia-avó no Cairo quando eu era pequena. Pode parecer bobagem, mas acreditei nele. Eu estava fotografando o retrato com o meu iPhone, como uma fã adolescente, em vez de procurar no Google "É possível pintar em mármore?".

Depois do discurso dele, eu quis largar minha vida no Brooklyn e vir esfregar o chão da igreja. Algo na história tinha feito eu me sentir insignificante e poderosa ao mesmo tempo, feito minha dor parecer relativa. Quem se importa se estou morrendo? Anjos pintam pilares.

Sentei em um banco por alguns minutos, ainda incapaz de pedir a alguém na igreja meu próprio milagre. Depois, fui beber de um poço de dois mil anos dentro de outra igreja da Virgem Maria na área. Dizem que a Sagrada Família se escondeu numa sala subterrânea perto do poço, e o milagre era que ele não secou nos dois milênios seguintes. Assim que pisei na igreja, chorei de novo.

Apontaram-me um voluntário de dentes tortos chamado Maximus Mahros, que manejava o poço na igreja. Ele se gabou de todos os milagres que viu no tempo em que serviu ali. Um mês antes, segundo ele, um doente terminal tinha vindo rezar para a Virgem Maria e beber a água salgada do poço. Quando o homem voltou uma semana depois, ele contou a Mahros que estava curado. Os médicos tinham considerado isso uma recuperação milagrosa.

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"Você quer um pouco de água?", ele ofereceu. Entreguei a ele uma garrafa para encher do balde velho que ele baixava no poço. Bebi a água, e meu rosto deve ter traído minha suspeita, porque Mahros continuou: "Ele me ligou hoje e disse que virá no próximo domingo para me mostrar seus raios-X e seus exames de sangue".

Pedi o telefone do homem misterioso, mas Mahros ficou na defensiva. Ele insistiu que o homem sempre ligava de um número diferente. Parei antes de perguntar se ele não tinha um identificador de chamadas. "Mas ele virá no próximo domingo", ele me garantiu. "Você devia vir e falar com ele diretamente." Concordei e fui embora.

Passei o dia seguinte indo de igreja em igreja, ouvindo sobre os milagres alcançados por outras pessoas, chorando em cada lugar no minuto em que entrava. Fui, como eu sempre quis, a Zeitoun. E chorei. Chorei enquanto coletava óleo para os meus membros que murchavam. Chorei até quando vi outras pessoas rezando. Escrevi meu nome em pedaços de papel e chorei enquanto os colocava perto de imagens e restos de santos. Essa seria a última vez em que eu reconheceria minha letra de mão. O ELA destruiu minha letra algumas semanas depois.

Viajar pelo trânsito do Cairo e chorar aleatoriamente em pontos religiosos tinha espremido toda a energia do meu corpo. Minha mão direita também se deteriorava rapidamente nessa época. Colocar meias foi de uma tarefa de três minutos para outra de cinco minutos e, depois, de dez minutos. A Irmandade Muçulmana tinha planejado protestos naquele domingo, e o julgamento do ex-presidente Mubarak estava agendado para o sábado. O país inteiro estava à beira do caos. Até a poluição grossa que paira preguiçosamente sobre o Cairo parecia ansiosa.

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Quando Deedee chegou, oito dias depois de mim, a presença dela ajudou a aliviar minha dor. Levei-a até o poço, onde Mahros pareceu surpreso em me ver. Ele estava contando a mesma história que me contou para outros visitantes. Ele disse que eu tinha chegado muito cedo, porque o homem devia estar participando da missa. Acreditei na palavra dele. Enquanto Deedee e eu tomávamos café, ela admitiu que acreditava no sobrenatural e na possibilidade de milagres. Fiquei feliz, e até um pouco aliviada, por ela não ter o meu cinismo em seu coração. Dois cafés não filtrados depois, Mahros estava ignorando minhas ligações e ficou claro que o homem não viria ou não existia.

Deedee adorou a ideia de ver as relíquias de sua xará; então, andamos até a Igreja Suspensa para acender velas e continuar minha busca por milagres. Os restos de Santa Demiana estão trancados numa caixa de vidro embaixo da imagem. Eles estão guardados num tubo de veludo bordado com fios de ouro, e o conjunto tem cheiro de rosas secas. Deedee enfiou meu nome por um vão na caixa de vidro.

Alguns minutos depois, pedi ao guia para me contar a história por trás da Virgem Maria no mármore, esperando sentir de novo o conforto da pintura dos anjos. Em vez disso, ele descreveu uma técnica de pintura no mármore. Ele não fazia ideia de que suas palavras estavam sugando toda a mágica da igreja para mim.

Mas ele me contou sobre um convento copta próximo. Um optometrista muçulmano teria prescrito visitas ao local para seus pacientes.

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Pedi o nome dele e o telefone, uma não crente ainda fazendo o melhor possível para acreditar. Depois que Mahros e a pintura mágica no mármore se mostraram nem um pouco mágicos, voltei a ser a esquisitona cética de Nova York.

Ele nem sabia o primeiro nome do médico. Ele perguntou a outras pessoas familiarizadas com o caso, mas, como ninguém verifica os milagres e sua fé já basta, ninguém sabia o nome.

"Você devia ir ao convento", um deles destacou. "As freiras, com certeza, vão saber."

O Jejum da Natividade, quando os cristãos coptas não comem carne nem laticínios por 40 dias antes do Natal, tinha acabado de começar, o que significava que o convento estaria fechado e as freiras, provavelmente rezando. Mas algo me dizia para ir atrás disso. Quando chegamos lá, os portões de ferro estavam fechados. Ainda sem conseguir dizer por que tinha vindo, eu contei ao guarda que era uma jornalista americana fazendo uma matéria sobre milagres. Ele insistiu que nenhum visitante podia entrar. Eu respondi que não demoraríamos e perguntei se a madre superiora poderia fazer uma exceção. Depois de alguns minutos de silêncio, os portões de ferro se abriram e entramos no que parecia ser o Éden.

Senti uma estranha sensação de conquista, que rapidamente desapareceu quando vi um jovem casal com um bebê no meio do convento. As bolsas embaixo de seus olhos indicavam que eles estavam sendo privados não só de sono, mas de alegria. O bebê parecia pequeno demais para estar no mundo, e eles claramente estavam visitando o local para abençoar a criança e pedir o próprio milagre. A visão fez a tristeza que eu orgulhosamente tinha superado voltar, mas Deedee estava do meu lado; então, segurei as lágrimas.

"Eu queria sabe se você podia me dar o nome do médico muçulmano que prescreveu visitas a esse convento", eu afirmei, mas, antes que elas falassem, eu já sabia a resposta. Elas nunca tinham ouvido falar do médico ou daquela história.

"Não acredite em tudo que você lê na internet", uma delas disse num tom confortador.

"Bom, eu tenho um segundo pedido então", eu frisei, finalmente conseguindo formar a questão. "Tem alguém que poderia orar por mim?"

A mesma freira começou a escrever meu nome. Quando ela perguntou o que estava errado, as únicas palavras que consegui formar através do choro foram "Os médicos não podem fazer nada por mim". Vi que eu tinha infectado minha irmã com minhas lágrimas. Ela se aproximou de mim e segurou minha mão. A freira perguntou se éramos irmãs, e confirmamos com a cabeça. Deedee continuou apertando minha mão para me confortar.

Talvez milagres, como qualquer outra coisa, sejam relativos. Quando eu tinha 20 e poucos anos, eu agonizava por causa de carboidratos e garotos, mas agora meus pensamentos só imploravam ao meu corpo "Por favor, não esqueça como andar. Por favor, não esqueça como andar". Talvez meu milagre seja que minha mãe está vivendo apesar da tristeza – não por força física, amor ou até um poder maior, mas por esperança. Esperança é o que nos mantêm vivos, um farol em uma época de trevas. É a força mais poderosa que já encontrei – e, para alguns, nada encarna melhor a esperança do que rezar.

Esperei a freira me dar um sermão sobre fé, sobre como eu devia ter me afastado de Deus, sobre como seus "testes" são apenas temporários. Ela não falou nada disso. "Não vivemos para esta vida", ela me disse. "Vivemos para o pós-vida. Eu queria saber que vou poder encontrar Jesus amanhã."

E, mesmo sendo jovem, agnóstica e mais temerosa de uma cadeira de rodas do que da morte, as palavras dela me confortaram mais do que qualquer promessa de milagre.

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Tradução: Marina Schnoor