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Por Dentro dos Métodos de Controle Mental que o Estado Islâmico Utiliza Para Recrutar Adolescentes

O autor do livro 'Combatendo o Controle Mental dos Cultos' explica como os grupos extremistas conseguem manipular a mente de jovens para recrutá-los e o que podemos fazer para impedir isso.

Foi noticiado que pelo menos 1.600 pessoas do Reino Unido deixaram o país para se unir ao Estado Islâmico. Alguns são adolescentes e, entre os fugitivos mais famosos – como o trio da Bethnal Green Academy —, há também meninas, arrancadas de famílias felizes e equilibradas. Então o que leva esses recrutas a quererem deixar tudo isso para trás para se jogar em um mundo de conflito e violência?

Geralmente, a extrema dedicação ao califado parece repentina e surpreende amigos e familiares. No entanto, muitas vezes é atribuível a uma campanha de persuasão pela internet, mais longa do que se acredita a princípio. A lealdade tem menos a ver com uma adesão à vertente radical e apocalíptica da religião do Estado Islâmico e mais com técnicas avançadas de convencimento, parecidas com aquelas vistas em cultos como Children of God (os "Meninos de Deus"),Heaven's Gate e People's Temple (o Templo dos Povos).

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Para entender isso melhor, conversei com Steven Hassan, ex-membro da Igreja da Unificação dos Estados Unidos e autor de Combating Cult Mind Control (Combatendo o Controle Mental dos Cultos, em tradução livre), sobre os métodos que o Estado Islâmico utiliza para conquistar o controle absoluto sobre alguns jovens muçulmanos da Grã-Bretanha.

VICE: Você pode começar explicando a diferença entre lavagem cerebral e controle mental?
Steven Hassan:O termo "lavagem cerebral" foi cunhado nos anos 50 do século 20 e dizia respeito à doutrinação comunista. Patty Hearst, por exemplo, foi sequestrada em seu apartamento, trancada em um armário, estuprada e torturada. Ela se tornou membro do Exército Simbionês de Libertação. O caso dela é o que chamo de lavagem cerebral, no sentido de que, inicialmente, ela jamais teria ido atrás dessas pessoas – foi levada à força e violentada de forma cruel.

Tá.
O controle mental é muito mais sutil. É mais provável que você seja seduzido pelo recrutador – se não sexualmente, pelo emocional. Você o considera seu amigo ou mentor, ou alguém que admira. Então tem muito mais uma sensação do que chamo de ilusão da escolha, ou ilusão do controle. E, nesse sentido, a doutrinação é mais sutil e profunda, porque há mais uma sensação de posse compartilhada das novas crenças.

O que acontece quando falamos sobre o tipo de influência que o Estado Islâmico lança mão pela internet?
O ISIS inicialmente faz uma campanha sutil e sofisticada, o que chamamos de "período de sedução da persuasão", em que acontece um bombardeio de amor e adulação, do tipo "o que podemos fazer por você?". Mas assim que conseguem cativar [um recruta], ameaçam sua vida, ameaçam matar a família, e se você sair, "te matamos, vamos atrás da sua família e matamos toda ela também".

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As meninas do Reino Unido que são recrutadas muitas vezes são inteligentes e estudiosas. Os métodos de controle mental não são afetados pela inteligência?
Um conceito chave é que não são escolhas esclarecidas. As pessoas não sabem exatamente com o que estão se envolvendo. Elas recebem o suficiente de informação para formular uma fantasia ou expectativa. Assim como o meu grupo [os "Moonies", seguidores do reverendo Moon] –, eu achava que acabaríamos com a pobreza, a guerra e a criminalidade e criaríamos um reino ideal do paraíso na Terra. Essa foi a fantasia que me venderam inicialmente. Não era um grupo religioso, de forma alguma. E em duas semanas, percebi que estávamos todos nos curvando diante de um altar, rezando para Deus ajudar o messias a dominar o mundo e falando em coreano. Só dois anos depois descobri que teríamos que matar todo mundo que não se convertesse – e é exatamente isso que o ISIS está fazendo.

"É fácil dizer que esses terroristas suicidas são doentes, psicopatas, criminosos. Mas se você for ver quem eles eram antes de serem recrutados, muitos eram pessoas boas e éticas, vindas de bons lares e com boa educação."

Existe um estigma feroz com relação às pessoas que se radicalizaram. Isso é justo?
Para quem está olhando de fora, parece que as pessoas estão tomando decisões muito ruins, ou que tem alguma coisa muito errada com elas para se envolverem com uma coisa que é obviamente estranha. Mas se você entra na mente de uma pessoa que está sendo recrutada, é a típica ciência da psicologia social – que botões se deve apertar para ativar a motivação, a curiosidade e o interesse delas. E o que esses grupos querem essencialmente são pessoas que têm vontade de ser melhores, ou de fazer do mundo um lugar melhor, de um jeito ou de outro.

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Qual é a sua experiência com táticas de doutrinação?
Quando fazia parte dos Moonies, eu era um grande recrutador e doutrinador. O modelo que me foi ensinado era o das quatro partes: as pessoas se dividem entre aquelas que pensam, sentem, fazem ou creem. Então, quando você fala com alguém que pretende converter, é preciso analisá-la. Porque, se for uma pessoa que pensa, você vai falar com ela de um jeito muito intelectualizado, envolvê-la de uma forma muito abstrata. Se for uma pessoa que sente, deve fazê-la se sentir amada, como parte de uma comunidade; é um discurso muito voltado para o emocional. Se for alguém muito focado na justiça, você fala sobre salvar vidas, proteger as crianças, lutar contra o mal e os inimigos que oprimem o nosso povo. Ou, se é alguém que crê – Deus escolheu você. Em um dado momento da sua vida, dependendo do contexto e quem está ao seu redor, um dos quatro ângulos pode abrir um caminho para você.

Certo. Então você usava o que aprendia sobre elas para personalizar a manipulação?
É uma progressão incremental. Se conseguir controlar esses quatro componentes que acabei de mencionar, poderá remodelar a identidade de uma pessoa. Essa nova identidade será então dependente e obediente. E, no caso dos cultos islâmicos, chegam a literalmente mudar o seu nome – como um batismo na nova identidade. O doutrinado não pensa que está seguindo seres humanos, mas sim que está seguindo o divino.

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Parece que, muitas vezes, essas pessoas são grandes vítimas.
A população em geral opera no que a psicologia social se refere como erro fundamental de atribuição. É o princípio mais importante da psicologia social. Explicando de forma muito simples, refere-se a que, quando as pessoas tentam entender o que as outras estão fazendo, existe este erro, ou viés, de superestimar variáveis de personalidade e subestimar influências sociais e ambientais.

Certo.
É fácil dizer que esses terroristas suicidas são doentes, psicopatas, criminosos. Mas se você for ver quem eles eram antes de serem recrutados, muitos eram pessoas boas e éticas, vindas de bons lares e com boa educação. Então é preciso entender que os recrutadores executam uma transformação deliberada nelas.

Como funciona o controle mental pela internet?
Grande parte disso é cativar uma pessoa para que ela volte a procurar cada vez mais a doutrinação, mas dar a ilusão de que é uma escolha dela. É o que chamamos de duplo vínculo, para usar um termo da hipnose. O duplo vínculo é quando o manipulador ou hipnotizador dá a ilusão da escolha. Mas independente do que a pessoa fizer, ela precisa fazer o que você quer que ela faça.

Tipo o uso da propaganda do Estado Islâmico. Qual a sua avaliação do material criado por eles?
Eles claramente estudaram psicologia social, claramente estudaram os princípios da influência.

Como os doutrinadores fazem para evitar que a família e os amigos rompam com a influência?
Bom, muitas vezes estimulam as pessoas a não contarem para a família e para os amigos, e a não demonstrarem muito que mudaram, porque aprendem que as famílias vão reagir. Infelizmente, ao tentar convencer os jovens a não seguir por esse caminho, a maioria acaba contribuindo para que eles se envolvam ainda mais. Principalmente se os pais tentam usar de autoridade. É um grande erro.

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É comum vermos pessoas convertidas para o Estado Islâmico promovendo com muita alegria seu novo estilo de vida nas redes sociais. Isso é genuíno ou fachada?
Acho que essa é a identidade de culto deles, fazer o que é mandado. É um modelo de dupla identidade, em que há o verdadeiro eu e o eu do culto. E o eu do culto diz: "Você precisa cortar a cabeça de uma pessoa". E estão cercados de pessoas dizendo: "Isso! Corta!". Isso é normal, é esperado. É isso que será recompensado. É a realidade para eles.

ASSISTA: O Estado Islâmico

Então até mesmo o comportamento mais sádico pode se tornar normal.
Bom, sim. Porque você é programado a não olhar a pessoa que vai matar como um ser humano com sentimentos e família. Você é programado a acreditar que é um agente do demônio e que você está simplesmente livrando o mundo de um demônio para torná-lo um lugar mais puro para que o novo estado islâmico regido pela sharia assuma o comando.

É.
As pessoas que morreram no Heaven's Gate em 1997 não achavam que estavam cometendo suicídio. Achavam que estavam saindo de seus receptáculos – termo que eles usavam para se referir ao corpo – para poderem se transportar para a espaçonave que disseram que estaria esperando para levá-los de volta para casa. Eles não eram humanos, eram de outro planeta.

Existe um momento em que não tem mais volta na doutrinação?
Se uma pessoa tinha uma identidade relativamente intacta antes de entrar para o culto, gosto de acreditar, com base em décadas de experiência, que, se pudermos prendê-la em um lugar de onde ela não possa fugir, podemos formular um jeito de ajudar quem quer que seja. Mas o problema é fugir. Da forma como a pessoa é programada, é melhor se matar do que sair do grupo.

Por fim, na sua opinião, qual é a melhor forma de enfrentar o recrutamento do Estado Islâmico?
Parte disso é desenvolver mais a educação e um programa de inoculação, principalmente para ajudar os jovens a entender as técnicas de influência. Também é preciso haver a recuperação de ex-membros, para que, caso eles se desiludam, possam entender o que aconteceu, para que não voltem a ser uma ameaça. Algumas dessas pessoas podem ter potencial de se tornar porta-vozes no processo de inoculação, educação e intervenção.

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Tradução: Aline Scátola