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Música

Nenê Altro - O Rei do Punk

Resolvi entrevistar o Nenê Altro do Dance of Days, ex e atual um monte de bandas além dessa, ex-líder (informal) do straight edges no Brasil, atual doidão de carteirinha e rei do punk. É isso aí.

Se você acompanha nosso site já sabe que eu ando meio de saco cheio do termo "punk" como adjetivo, pelo simples fato de ser mal usado. Então resolvi entrevistar o Nenê Altro do Dance of Days, ex e atual um monte de bandas além dessa, ex-líder (informal) do straight edges no Brasil, atual doidão de carteirinha e rei do punk. É isso aí.

A primeira parte da entrevista – e a primeira vez em que bebi uma cerveja com ele, já que quando a gente se conheceu em meados dos anos 90 ele não chapava - foi num show do Dance no Hangar, um pico de shows aqui de São Paulo, e o que deu pra ver foi exatamente isso (esse lance de rei). Porque ao contrário de um monte de coisa que se diz ser punk ou tenta ser punk, o cara cria de verdade um espaço libertário pra molecada só fazendo a música que faz e sendo ele mesmo. De repente ele virou isso porque tá envolvido com a parada desde moleque, desde o fim dos anos 80.

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Cara, com a articulação que ele tem desde a época de trocar cartas pelo correio até hoje, com internet e tudo mais, ele certamente poderia ensinar um truque ou dois pra esses tais de "especialistas em redes sociais" de hoje em dia. Mas ele prefere fazer o que sempre fez: rock feio e barulhento e imprensa alternativa. Resumindo bem, fizemos entrevista porque ele é punk e você – provavelmente – não é. Ah, a segunda parte da entrevista fizemos num boteco na Vila Guilhermina, também em São Paulo.

Vice: Existe ex-straight edge? Ou é que nem ex-gay, que nego diz que existe, mas é mentira?
*Nenê Altro: [risos]Mas é verdade. O que acontece é o seguinte. Pra mim veio meio que de uma coisa de grupo. Eu sempre fui anarquista, mas anarquista militante, daquele Juventude Libertária total. Só que me decepcionei com a política de grupo, tá ligado? Me converti para o, não gosto de usar essa palavra, mas me converti para o anarquismo individualista. E fui rompendo com as coisas que me ligavam a grupos, e a última coisa que rompi, foi com os straight edges.*

Como começou seu envolvimento com o punk?
Bom, eu morava em Guarulhos e já curtia um pouco de rock por causa do meu pai e tal, mas na minha época – comecei entre 84 e 85 – o que causava mais na família era a palavra punk. Você podia não saber direito o significado, mas punk era o demônio.

Seu pai curtia um rock?
Ah, meu pai curtia um Neil Sedaka, Beatles… Umas coisas mais assim, então eu escutava em casa. Mas o punk foi uma questão mais de contestar a família. Eu via aquelas reportagens do Fantástico com a galera cortando moicano e falava, "É isso aí. É isso que eu quero pra minha vida". Daí chegava nas lojas de disco e perguntava o que tinha de punk. Foi aí que conheci Olho Seco, Cólera

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Que idade você tinha?
14. Estourando, 14 anos.

E você começou a conhecer as coisas de punk nacional, é isso?
É, aí comecei a conhecer as coisas do punk nacional. Não escutava nada gringo. Aquela coisa do SUB, tá ligado? [risos] Mas tem umas coisas, por exemplo o começo do Ratos, Cólera, que são hardcore de nível mundial e até hoje é referência. E pra um moleque de 14 anos era uma coisa muito transgressora. E dali pra você passar a se interessar por outras coisas de punk era só ir crescendo e começar a andar sozinho. Daí já era. Em 87 explodiu aquele negócio de gangues de São Paulo. Não as brigas, mas explodiu aquele negócio de ter as galeras, começou a aparecer a RA em Guarulhos, a Devastação na Bela Vista, a Massacre na Vila Matilde. Eu andava meio que com essa galera. Ou às vezes com a galera da cidade também, na Zona Norte. Era isso que eu fazia.

E você começou a fazer fanzine por quê?
Por causa da cultura do punk mesmo. Comecei com fanzine punk. Peguei alguns fanzines na época…

Você lembra qual foi o primeiro que você pegou?
O primeiro que peguei foi num festival. Se chamava Apocalipse Não. E peguei o Ação Direta, e anos depois fui participar do grupo que fazia o fanzine. Peguei esse aí, aí comecei a escrever o meu, que era no mesmo formato…

Como chamava?
Revolta (risos). Mas era isso. Daí a gente trocava carta, aquela coisa meio mágica de você escrever para as bandas dos discos nacionais e "Caralho, mano. O cara responde!". Você vê que a coisa não é tão distante. Daí fui mudando… No final dos anos 80 comecei a fazer uns fanzines mais elaborados. Fiz o Autodidata, depois fiz o Rosa Negra, Folha da Fossa… E comecei a escrever o Bigorna, que começou como fanzine e depois virou periódico da Juventude Libertária.

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E como você se envolveu com a Juventude?
Eu já tinha uma formação de esquerda por causa da minha família, por causa do meu avô. Mas era uma formação mais Marxista/Leninista. Meu avô era do PCB. Mas estar envolvido com o punk nessa época era uma questão de estar envolvido com o Anarquismo. Não tinha como você ser punk na época e não ser anarquista. Hoje em dia é normal, mas naquela época o punk de rua era o punk anarquista. Então tinha muito fanzine anarquista, tinha o Falange Anarquista, o Coletivo Libertário… Tinha um monte de gente assim e isso me influenciou. Daí eu acabei me envolvendo com um grupo que era a célula anarquista de Guarulhos, era eu e mais três moleques, e esse grupo acabou se envolvendo com o COB (Confederação Operária Brasileira), que era tipo uns doze pangarés [risos]. Mas era legal. E gente era a Juventude Libertária da COB, que quando se separou da COB virou Juventude Libertária de São Paulo.

E tinha uma galera mais velha do Anarquismo? Vocês tiveram contato com eles?
Tivemos com a galera do Centro de Cultura Social, no Brás. Essa galera a gente chegou a conhecer – o Jaime Cubero e esse pessoal assim.

E eram uns caras que apresentavam literatura?
Apresentavam, mas como tudo, eles tinham uns rachas. O pessoal do CCS, por exemplo, tinha um racha com a COB. Mas quando você ia sozinho, não ia como grupo, eles sempre te recebiam bem. Isso era uma coisa legal. Eu pegava muito livro, trocava sempre idéia, era sempre bem orientado. Então era uma coisa legal.

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Rolava alguma coisa de ação direta, de manifestação, ou era só uma coisa de publicações?
Rolava muito. A gente tinha um calendário de lutas, que geralmente acontecia nos feriados. Tinha manifestação anti-nuclear no dia do aniversário da bomba de Hiroshima, anti-militar no dia 7 de setembro… Era o ano inteiro. Manifestação anti-racista e tal. Manifestações tinham muitas. Tinha a galera que organizava o lance de casas, assim, pro pessoal morar junto – participei disso um tempinho – tinham os grupos que moravam no CRUSP, no alojamento atrás da Fatec… Então tinha uma galera que organizava isso, que era mais o pessoal ligado com o Coletivo Libertário. Mas funcionava. O pior é que funcionava.

E como começou a história de banda?
Banda eu já comecei mais novo, antes de me envolver com o Anarquismo. Eu tinha banda com meus primos, em 1985, uma banda tipo punk ruim, tá ligado? Daí eles desencanaram porque não era pra eles e tal, mas eu continuei tocando. Entrei em outra banda lá em Guarulhos, que era o Penitenciária – que fez todo esse rolê anarcopunk. Daí o Repulsive, Personal Choice, Dance of Days… E tá aí.

E como foi essa transição dessa coisa de anarcopunk pra coisa de hardcore?
O anarcopunk começou a mudar. A gente era da Juventude Libertária, só que eu nunca fui do M.A.P. (Movimento Anarco Punk). Eu sempre andei com eles, mas nunca fui do movimento anarcopunk. E eles começaram a mudar, o anarcopunk começou a passar por uma fase muito radical – na qual acredito que deva estar até hoje. Naquela época a gente queria fazer um grupo junto com estudantes, junto com gente que não era punk. Foi aí que a gente fundou a Juventude Libertária. Nesse meio a gente conheceu um pessoal que gostava de hardcore – Minor Treat, Black Flag e tal – e foi nosso primeiro contato com o straight edge. Foi onde o straight edge nasceu em São Paulo, no seio da Juventude Libertária. Era mais político, mais anarquista, não o que tem hoje.

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Que ano foi isso?
Foi no começo dos 90. O Personal é 93? Então isso aí deve ser de 92.

E naquela do anarcopunk você não chapava?
Eu bebia. Sempre bebia. Parei de beber por causa do straight edge mesmo. Mas eu bebia antes. Mas era uma coisa que eu já tinha vivido antes, não era nem por causa do anarcopunk. Era meio dessa época que eu andava com o pessoal da Devastação, Massacre… E isso foi antes das tretas. Antes todo mundo era amigo. Quando começou as brigas de gangues eu dei uma afastada e comecei a ter mais contato com o M.A.P.

E por que você acha que começaram as brigas?
Ah, por besteira. Com certeza foi alguma besteira. Tipo um bateu no outro, aí envolveu a galera inteira. Coisa de grupo. Não tem como. Acontece até em torcida de futebol. Na minha época eram só uns punkinhos ali que colavam perto da Vai-Vai, sabe? Era mais light. A gente saia pra andar junto e ia no Café Piu Piu, dava uma volta, andava ali pelo Bixiga, voltava. Era uma coisa muito light, o pessoal distribuía fanzine e tal, começava a participar das manifestações no centro, mas essa época de briga de gangue eu não peguei, saí antes. Quando começou a estourar esse negócio falei, "Isso não é pra mim não".

Aí você já estava no hardcore?
Não, eu já estava saindo. Porque vi que isso aí não era pra mim. Eu não curtia esse lance de briga, do (filme) Warriors, tá ligado? Daí saí e comecei a me envolver mais com o movimento anarquista. A gente começou a ter contato com essas bandas tipo Leucopenia e Desakato. Essas bandas que a gente começou a fazer, as bandas da Juventude Libertária. Foi legal. Uma época boa.

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Tinha um circuito legal?
Tinha. O circuito que a gente fez, que a gente correspondia falava pros caras,"Ó, organiza show pra gente aí que a gente organiza pra vocês aqui". Daí a gente ia com ônibus pra lá tocar, e trazia eles pra tocar aqui. Era bem legal. O Leucopenia organizava lá em Santos. A Verdurada começou num quintal da casa da gente. A gente deu esse nome porque os caras faziam churrasco e falavam: "Vamos fazer uma churrascada hardcore" aí a gente falou "Não, vamos fazer a verdurada" [risos]. Foi assim que começou, como uma piada. E hoje virou o que virou, uma instituição [risos].

Meio chato, né? Mas escuta, na época que te conheci, que já era a época do straight edge, lembro que você fez uma porrada de fanzines diferentes. Queria que você falasse um pouco disso.
Cara, eu sempre escrevi. E pra mim a coisa que mais me identificou com blog e essas coisas é que se você pegar todos os meus fanzines dessa época, até dos anos 80, começo dos 90 e meados dos 90 – quando você me conheceu – era uma coisa muito pessoal. Eu falava de mim, das coisas que eu pensava – que nada mais é do que um blog impresso e xerocado. Não era um fanzine panfletário. Eu sempre colocava fotos das bandas que eu gostava… Daí começaram a surgir os outros fanzines: surgiu o Água e todos aqueles outros, tudo da mesma praia, eram fanzines pessoais. E foi essa corrente que a gente fez muito antes de existir blog. Existe essa corrente inclusive internacional. A gente trocava fanzines, mesmo não entendendo o idioma, com a França, EUA… Trocava, xerocava pro pessoal daqui. Era uma coisa bem legal.

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A época do straight edge foi uma época meio complicada, né? Qual a sua análise da coisa? O que você acha que aconteceu?
De boa, acho que subiu pra cabeça umas coisas, assim, muito separatistas, sabe? E eu não posso nem me excluir disso porque entrei meio na onda. Depois acordei e falei, "Alguma coisa está errada". Tanto que fui excluído. Mas no começo foi assim, a gente estava no Movimento da Juventude Libertária. Daí começaram a querer andar só com straight edge e montaram a S.E.L.F. (Straight Edge Life Frame). Só pra separar. Daí a S.E.L.F. começou a ser um negócio mais fechado e quase virou hardline o negócio. Aí deu aquela treta, que foi a treta do bar Alternative, na Penha, violentíssima, que você tava no meio. Daí falei "Mano, que é isso? Não é pra mim. Isso não tem a ver com o que estou pensando". Por mais que estivesse entrando na onda, sabe? Daí envolveu rolo com menina, rolo pessoal, tudo no meio. Existia um moralismo muito hipócrita no meio. Todo mundo olhava pra menina, olhava pra isso e pra aquilo, mas quem pegava era crucificado. Então existia esse moralismo hipócrita. E fui expulso. No final eu era o mais sexista do universo, fui crucificado como straight edge sexista. Não podia nem colar nos lugares. Rasgaram minha carteirinha da Verdurada – nunca mais pude entrar. E hoje eles estão fazendo tudo o que eu fazia. [risos]

Mas me diz, essa coisa do Personal ter acabado… Você tava com o Personal e tinha feito o Dance of Days ao mesmo tempo?
Não. O Personal existia, e primeiro passou por uma fase emo, mas depois foi indo pra uma fase mais Washington. Já estávamos compondo umas músicas assim. Daí deu a treta, a que me expulsaram lá do meio dos straights edges. Perdi todos os amigos, todo mundo virou a cara pra mim. Aquela palhaçada toda de colégio americano.[risos] Daí os caras do Personal não queriam mais tocar comigo. Então falei "Vamos acabar essa porra". E acabou. Em menos de quatro meses juntei a galera dos excluídos, que foi o Single Tree, Againe e Small Talk, e eles montaram o Dance of Days comigo. Foi um projeto meu com um pessoal excluído, um pessoal eject. O Dance of Days começou assim.

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Mas teve uma pequena época da história toda do hardcore não sei se você teve essa impressão que começou a ter uma grande possibilidade ali. Porque arejava umas coisas. Tinha uma galera que era mais radical e outra que tocava com todo mundo.
A época que o straight edge começou – ainda na JULI, antes de ter S.E.L.F. – ainda que tinha as bandas e tal. Porra, tinha banda que não era straight edge, como o Leucopenia, Desakato… Os caras que bebiam, como os do Abuso Sonoro, faziam o rolê com a gente. Aí a gente abriu pra quem não era anarquista. E foi uma coisa mais legal, a gente começou a tocar com vocês, começou a tocar com o Kangaroos in Tilt, começou a fazer aqueles shows na Casa, começamos a fazer todas essas coisas com a cabeça aberta. Mas aí sei lá que meteoro que caiu aqui que mudou a cabeça dos moleques.

Acho que começou a rolar uns enfrentamentos mesmo, umas coisas de idéia, por causa do convívio.
Podem me chamar de sexista, de hipócrita, mas começou a rolar foi muita treta de mina. De verdade. Foi isso que começou a acontecer: ciumeira porque o outro tava com a mina que o outro queria. Chamam de sexista? Pode chamar, mas foi isso que aconteceu. As brigas começaram por causa disso.

Por causa de xoxota.
É, por causa de xoxota. Porque o cara era bunda mole pra chegar, mas aí vinha e começava, "Vou matar os caras, mano. Eles pegaram as minas. Como um cara drogado pegou uma mina que é vegetariana? Tá louco?". Você sabe exatamente do que estou falando. Rolou tudo isso. Os caras não enxergavam umas coisas naturais, tinham aquela formação bruta. Em vez do cara vir da escola Minor Treat ele apagou tudo pra absorver o Youth of Today e ficou assim. E hoje a gente está colhendo o que a gente plantou naquela época. Uma cena straight edge sem princípios políticos. É o que a gente está colhendo hoje. É hardcore? É, mas é um hardcore livre de drogas. É o hardcore daquele cara da música da bicicleta… "tem que correr, tem que suar, tem que malhar, vamos lá"… o Marcos Vale. É um hardcore Marcos Valle. E esses caras tudo colam na balada, não bebem, mas mexem com as minas. Fazem tudo o que eles me crucificaram no começo. Hoje eles deviam era me tatuar. Eu que abri essa porta pra eles, tipo o filho mais velho que tem que apanhar primeiro para os outros poderem fazer as coisas.

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Mas eu lembro que teve uma época que você fez até um zine que era mais comunista do que anarquista. Por que foi isso? Eu não lembro o nome.
Eu também não lembro agora. Acho que era Shot. Foi uma coisa assim: a gente tinha contato com duas cenas straight edges. Que era a cena straight edge dos EUA, que era essa coisa mais burra e tal, e a gente tinha contato com a cena straight edge da Europa, que era L.A.R.M., ManLiftingBanner, Nations on Fire. E nessa época a gente pensou assim, "Ou a gente vai tentar dar uma injeção de inteligência nesse povo ou a coisa vai descambar". Só que eles eram maioria, né? Então virou isso. E eles foram expulsando um por um. Se você for contar nos dedos os que sobraram que são straight edge desde aquela época não tem quase mais nenhum. Tem uns 10 aí resistentes, mas o resto…

Essa coisa do punk pra você no começo foi uma coisa de família e molecada, mas de repente começou a fazer um certo sentido né?
Cara, o punk, pra mim, entrou na veia. Entrou como uma coisa tipo de cultura. Ele me formou enquanto adolescente. Só que daí passei por tudo isso e tal, passei pelo anarcopunk, por esse meio straight edge e tudo, e descambei nisso do Dance of Days. E foi quando comecei a perceber que eu não conseguia mais me livrar do punk enquanto essência. Porque eu não conseguia mais ser de outra maneira. Eu tava formado disso. Tipo aqueles velhos que não conseguem mais mudar. E incorporei aquele negócio. Era melhor eu aceitar porque gosto de ser assim. É o tipo de música, de cultura que escuto. Se quero ir num show eu vou num show de música punk, sabe? É o que faz eu me sentir bem. Vou colocar um disco de música punk… Vou encontrar com meus amigos punks no boteco, tá ligado? E essa é a minha cultura. Se vou lá fora vou fazer circuito punk, vou fazer circuito squat, sabe? É isso que gosto de fazer.

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Mas cara, você acha que existe um sentido ainda?
Claro, mas acho que o punk, pra mim, hoje, deixou de ter aquele sentido anarquista-socialista. O punk pra mim caiu no sentido Max Stirner, no sentido de você enfrentar a sociedade enquanto indivíduo. Acho que o punk é a atitude individualista mais política que pode existir dentro da cultura. O punk como essência, né? Porque é você contra o mundo. Você contra a própria estética do punk que tão colocando aí, que é a estética que é vendida, comercializada.

Então, por isso que eu digo. Punk virou mais adjetivo, do tipo "tal coisa é punk" ou "fulano é o mais punk"…
Mas isso não influi… É que nem o anarquismo, que também já virou adjetivo. Isso não influi em quem vive o negócio. Tem muita coisa que não é o que eu penso, mas vou lá e escuto. Mas acho que o punk é um individualista urbano. É o cara que tem as posições críticas. Quem não tem posição crítica é punk – não vou falar que não é – mas não é punk que nem eu. Eu não sou um punk desses. Pra mim o meu tipo de punk é esse, sou eu aí e é isso.

E o jornal Antimídia, como começou, como é que funcionou?
Cara, foi assim. Primeiro fiz o Rosa Negra, que na época tinha aquele coletivo de fanzines e tal, e eu xerocava fanzine. Foi aí que descobri a gráfica. Foi a minha primeira tiragem de mil exemplares. Falei "porra, mano. O alcance e o retorno são muito maiores do que você tirar uma xerox e mandar pro cara e tal. Isso era final dos anos 80. Depois eu fazia a Folha da Fossa, que distribuía na frente do Teatro Municipal, e tinha retorno de gente que eu não conheço. A Folha da Fossa era tipo um fanzine normal, só que era uma folha que falava de punk, falava de tudo, só que eu distribuía… Não precisava ser punk, eu dava. E dava, dava, dava, e sempre os caras agradeciam. E essas pessoas começaram a escutar o som, aquilo que eu indicava no jornal e tal. E a distribuição era sempre na primeira semana do mês na frente do Teatro Municipal. E era legal. Era uma coisa que gastei meu salário fazendo.

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Você trabalhava com o que na época?
Acho que era balconista de farmácia, alguma coisa assim. E foi isso. Daí depois o Bigorna a gente também rodava em gráfica – saia mil e tal - e eu parei de fazer fanzine.

Você fez quanto tempo?
Cara, o Bigorna era uma coisa assim: existia a Juventude Libertária, mas quem escrevia o fanzine era eu. Pode perguntar pra qualquer um da Juventude Libertária. Tem um monte de gente que me criticou na época, dizendo que eu centralizava, que isso que aquilo e tal, mas eu queria que a coisa mantivesse a mesma linguagem. Tanto que quando eu não me senti mais a vontade, saí do negócio. Falei "Não tá mais representando o que quero dizer". Foi quando percebi que eu não servia pra trabalhar em equipe, tá ligado? Que eu tinha que ter as minhas coisas.

E foi o que eu fiz. Daí parei de fazer fanzine um tempo, parei de tocar, passei um tempo só trabalhando… Até que tive um problema de saúde e disse "Ah, não. Vou voltar a escrever e ter banda". Foi quando o Dance of Days deu aquela paradinha. Aí voltei com o Dance. Só que voltei com o Dance e com um jornal. Falei "vou fazer uma coisa tipo Maximum Rock´n Roll, Slug and Lettuce, tá ligado? E fiz. Já comecei com 5 mil exemplares, deu aquele boom na cena… Distribuindo de graça. E fiz mensal.

Onde você distribuía?
Na Galeria, estúdio de tatuagem e Teodoro Sampaio. Eu fazia pacotes de 30, 40, e mandava pra gente que tinha distribuidoras em outros estados. Então funcionava horrores. O jornal parou porque eu precisava de muito de apoio. Na época era mais caro. Então comecei a tomar muito chapéu de anunciante, muita coisa assim, e tive que parar. Agora eu tô pretendendo voltar com o Antimídia, mas vou voltar de uma maneira muito mais independente. Vou bancar essa porra e falar do que eu quiser. Se eu quiser colocar uma foto minha pelado, é o que vai ser. Vai ser tipo o Pasquim gratuito. Sem controle.

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E essa história da coletânea que você tá fazendo agora, de gravadora?
Então… Eu cheguei num ponto duma cena que é assim: o Dance of Days atravessou todas essas modas, todas essas fases. A gente passou pelo emo, fomos, voltamos, agora estamos na moda do power pop – calça amarela – e o Dance é uma banda velha. A gente tá aí desde a época de demo tape. Tem fitinha do Dance of Days. Como eu vou concorrer com um cara que paga pra tocar a música do moleque que você nunca imaginava na rádio da lotação? Nada contra a banda, mas a empregada doméstica canta Fresno, que é uma banda que começou fazendo show pequeno no Garagem Hermética. Então é uma coisa muito fora da realidade. Então o que eu tô fazendo? Vou voltar com uma gravadora, com outro formato, em cooperação com outras bandas, e R$5 de preço de capa. Encarte bonitinho, capa bonitinha, CD prensado… Porque o preço de prensagem custa R$ 2,50 a R$ 3, tá ligado? Não tem porque querer ganhar 100% de lucro. E a loja ganha mais em cima, mas eu nem pretendo vender em loja. Até vou colocar a R$ 10 em loja se o cara tiver interesse de colocar na loja. Mas quero criar uma rede de comunicação que não precise de loja. Dá, cara. R$ 5 é uma cerveja. Mostra sua banda, mostra seu trabalho… Vamos fazer essa cena crescer de uma maneira fora do controle, não porque o empresário achou bonito e vai fazer você engolir pela rádio. Porra, olha o Dance of Days: é um bando de punks velhos, feios e gordos, e a gente tá aí faz 13 anos. Nunca fizemos nada que a gente não quis. Nunca demos nenhum passo que a gente não quis, sempre fizemos shows baratos, tocamos desde festival pra 10 mil pessoas até lugar pra 15 pessoas. Essa é essência do punk. Não só o Dance of Days, mas muita gente. Como o Cólera, tá ligado, que é muito mais dessa essência que o Dance. Tocaram nuns festivais gigantescos e é quem ensina o que a gente aprendeu.

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O que você acha que foi o negócio que mais te ensinou?
De música? O Cólera, com certeza. Conheci as bandas punks, vivi infância com todas elas, mas a questão do Cólera foi a que pegou. Porque o Cólera era aquela coisa que era política e era pessoal. O cara tava dando a visão dele da coisa, não era uma panfletagem. Ele tinha uma visão dele, que era uma coisa que eu sempre quis fazer e é o que eu faço no Dance of Days. É sincero, é minha visão. Se não fossem eles eu não escrevia nada do que escrevo hoje. A minha escola do punk foi essa, não tem nem o que falar.

O Olho Seco foi importante pra você também…
Lógico, o Olho Seco foi a primeira banda que me ensinou o negócio. Só que era uma coisa mais violenta, mais tipo… Olho Seco é o meu lado mais Total Terror, tá ligado? Que eu ainda tenho hoje. Essa foi a minha influência do Olho Seco, uma influência mais comportamental. A minha influência comportamental é o Olho Seco. A minha influência filosófica é o Cólera. Eu tô com uma banda que chama Total Terror, que são os membros originais do Sick Terror. O Sick era mais power violence e o Total Terror é mais Discharge.

E por que você resolveu fazer essa banda?
Cara, porque a gente não consegue ficar sem tocar barulho. A gente gosta de tocar. A gente tocou esses dias no Parque da Juventude de graça. Porque a gente gosta. É uma coisa que dá prazer pra gente, tá ligado? Tocar esse tipo de som porque gosta.

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Como você começou a fazer livro?
Então… Meu primeiro livro foi assim: tinha umas coisas que eu escrevia no blog, daí a editora veio, pegou uma crônica, deu um tapa nela, juntou com umas outras coisas que eu tinha escrito e montou meu primeiro livro. E pra mim foi legal a resposta do livro. Depois eu dei uma revisada e saiu a segunda edição, que vendeu pra caramba e já esgotou. E agora estou escrevendo um livro mesmo. Tipo, estou sentando pra escrever um livro.

E vai ser em qual formato?
Acho que vai ser na mesma linha, porque é uma linha editorial que eu gosto de escrever, que é uma coisa mais introspectiva, mais você conversando com você mesmo, mais a sua visão da coisa… Eu acho legal. Acho que vai ser mais por esse caminho mesmo.

E por que você acha que a molecada se identificou? Pelo mesmo motivo que você se identificou com o Cólera?
Eu acho que sim. Espero que sim! Mas com o lado do livro, é porque acho que todo mundo tem um mal humorado ranzinza dentro de si. E nada mais é do que isso, eu tava numa fase muito deprê, muito "não gosto de nada, quero abusar de tudo e foda-se. Vai ter que me engolir assim". Esse é o meu livro.

O que aconteceu que você resolveu desencanar de ser straight edge e voltar a beber e tal…
Com essa questão de cena eu já estava muito desvinculado porque eu já tava com o Dance e o Sub Terror. Fui straight edge um tempo dentro do Sick Terror, mas era totalmente desvinculado de cena. Só que fui pra Europa em turnê do Sick Terror e vi que era a mesma merda, fofoca pra lá, fofoca pra cá, grupinhos… Daí, em 2004, falei, "Quer saber, não quero mais viver vinculado a isso. Não tem nada a ver comigo. Pra que vou estar vinculado a um negócio que me faz mal?". E outra, era um desrespeito contra quem gosta do straight edge eu estar mentindo. Não sou mais eu, não tem nada a ver comigo. Aí parei. Me senti melhor. Tomei um ecstasy e fui no McDonalds. No mesmo dia [risos]. Tava na Europa, né mano? Andei de pedalinho atéumas horas!

Você teve alguma cobrança ou encheção de saco por ter mudado sua postura?
Não porque uma coisa que eu sempre fiz questão de dizer, seja no programa ou nas coisas que escrevo no dia a dia é que eu sou o que sou. Até na época que eu era viciadão eu fazia na frente de todo mundo, tá ligado? Tava nem aí. Sempre fui o que fui. Tem que me aceitar do jeito que sou. Vai ter que me aceitar, mano.

Mas hoje você tá mais tranquilão.
Tô. Bebo minha cervejinha e tal… Faço um rolê, às vezes exagero no álcool porque é foda – tenho esse fundo de alcoólatra ainda. Mas dessas outras coisas assim eu tô bem tranqüilo. Só quando não vem de graça. [risos]

Teve uma fase que você ficou mal?
Tive, tive. A real é que o bagulho não faz bem. E não é que não faz bem pro físico. Acho que o que a cocaína faz pro físico é o menos pior. A cocaína começa a te deixar meio bichão, meio violento… E é uma coisa que eu não gosto. Comecei a ver que eu tava tratando mal as pessoas que me queriam bem.Fui vendo que meu físico tava… Eu bebo, álcool faz mal pro organismo. Eu fico noites sem dormir, e isso faz mal pro organismo. Com a cocaína eu tava ficando era muito bichão. Uma pessoa fora do limite da convivência. Tudo eu não gostava, tudo tava ruim… Tinha crise de bipolaridade o tempo inteiro… Cocaína é uma droga de merda. Você pensa que não, mas a cocaína é uma coisa muito… você sempre fala que pode parar. "Ah, só hoje que eu to bebendo com os meus amigos. Vou dar um tirinho". Daí vem o "só hoje que vou ali no mercado". "Só hoje que eu vou ficar duas horas na lan house". Daí vai. Daí vira essa merda. Não digo que deste pó não mais cheirarei, mas não quero mais ser viciado. Esse é um ponto crítico na minha vida.

E pra onde você vê a coisa indo? O que você quer fazer, qual é a parada?
Eu quero escrever. É o que eu tô pensando mais. Eu quero movimentar essa coisa no sentido de produção alternativa. Independente de tudo o que estamos falando. O que eu mais estou recebendo é crítica. Fora das bandas e do pessoal que importa, o que eu mais estou recebendo é crítica. Os caras falam, "Como você quer fazer isso numa época em que as gravadoras estão mandando nas rádios? Os festivais estão cobrando 150 ingressos de uma banda pra tocar. Como você quer fazer isso?". Eu falo, "Mano, é simples. Você acha que a Dischord começou em que época? Você acha que não tinha ninguém pagando pra tocar na rádio? Você acha que não tinha isso? Você acha que a SST na época que começou a fazer as coisas não tinha a banda punk que tocava na rádio? Lógico que tinha, cara. O que me importa são essas bandas que estão acreditando nisso, esse circuito que a gente vai fazer e as 200 pessoas que a gente vai levar pro show. E se isso aumentar, legal. Eu não tô preocupado em tocar na lotação. Eu tô preocupado em tocar as pessoas que tão ali nesse meio. E é isso.

Por que você avalia que essas coisas das gravadoras independentes não deu tão certo aqui?
Cultura, né? Hoje em dia a cultura é outra. Você tem a internet, informação rápida… Naquela época a gente xingava umas bandas de fascista aqui sendo que as bandas eram total anarquistas porque a gente não sabia traduzir letra. A gente imaginava que o Dead Kennedys matava criança, tá ligado? "I Kill Children" [risos]. Era uma coisa muito burra.

Mas eu digo das próprias bandas daqui…
Então, as bandas daqui era o que tinha mais à frente. O próprio Ratos, Cólera, Olho Seco, Inocentes, era o que tinha mais à frente, porque eles tinham acesso direto a essas coisas. Agora a gente, que já era o terceiro acesso – que eram as pessoas que gostavam das bandas que gostavam das bandas - a informação chegava tudo torta. E o pior, o vinil que saia lá nos EUA chegava aqui no Brasil com quatro anos de defasagem e por um preço absurdo. E o cara que pegava o vinil não dividia. "Vai escutar na minha casa, eu não gravo". [risos] Hoje não, cara. Hoje tem internet. Você tinha que presumir o que a banda estava falando. Agora, se por um lado naquela época tivesse o acesso à informação que existe hoje, com a garra que o pessoal tinha de fazer fanzine, organizar show e fazer banda podrera mesmo sem informação, a cena seria outra. Porque hoje a gente tem internet, tem informação, mas tem uma geração preguiçosa, tá ligado? A geração do mouse. Nem quer digitar. É o mouse, porque dá menos trampo.

Mas eu lembro que, por exemplo, o próprio Ratos de Porão, o Inocentes… Os caras foram pra gravadora. Rolou esse momento. Não teve uma coisa independente que a cena conseguiu manter.
Mas isso foi um momento posterior, né? Foi um momento em que a cena punk estourou, no final dos anos 80, e começou a cair aquele boom do punk.

Você acha que a violência teve a ver?
Pro Ratos acho que sim, porque o Ratos sempre teve a cabeça mais aberta com esse negócio de metal. Então a treta de punk com metal acabou com o público do Ratos. Então não tinha alternativa pra eles. Eles tinham que tocar lá fora, tá ligado, tiveram que ir pra outra mesmo. E acho que eles estavam certíssimos. Iam tocar pra tomar pedrada? O Cólera, por sua vez, não parou. Só que meu, teve uma época que era impossível pro Cólera tocar em São Paulo. Tocava no interior, em outros estados, mas era impossível em São Paulo. Mano, teve um Boca Livre (programa da TV Cultura) uma vez… Não lembro quem foi, acho que foi Cólera, Garotos Podres… Só sei que foi umas três bandas assim, mas deu um pau. Deu um PAU ali. Eu vi gente apanhando… Acho que foi ali que acabou o Boca Livre mesmo. Acho que foi nessa treta. Era coisa inimaginável. Eu teria feito muita coisa naquela época – se eu tivesse a mentalidade que tenho hoje. Mas não é por isso que eu não vou fazer hoje, tá ligado? Meu, tô com 37… Dá pra fazer muita coisa, fazer muito estrago ainda. Quero lançar muito disco, deixar muita gente irritada ainda.

Fotos antigas: Arquivo pessoal