FYI.

This story is over 5 years old.

Drogas

Razões pelas quais deixei de fumar erva

Conversámos com pessoal que deixou de fumar erva, depois de uns quantos episódios estranhos.
Ilustrações por Nicholas Gazin

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

Com a descriminalização e legalização que ocorre pelo país [EUA], seria fácil assumir que toda a gente se tem tornado uma espécie de evangelista da erva. Mas, há por aí muitos que não veneram o altar da ganza.

Para alguns, a erva faz parte de um tumultuoso passado e é, hoje, uma mera recordação de más decisões. Para outros, fumar varre-lhes qualquer réstia de sanidade mental deixando-os paranóicos, com pensamentos ilógicos, a chorar enquanto se enroscam em posição fetal.

Publicidade

Vê também: "A verdadeira Nancy Botwin de 'Weeds'?"


Estamos mais que habituados a conversar com pessoal pedrado que pensa que fumar erva poderá parar o degelo da Antártida, ou solucionar o conflito Israelo-Palestiniano. Por isso, pensa´amos que estava mais que na hora de ouvirmos o outro lado. Gente que já não consegue aguentar uma pequena fatia de space cake, ou uma simples passa.

Aqui estão as suas histórias.

PHISH PSICADÉLICOS

"Depois da faculdade, entrei mais a sério no mundo da erva e outras drogas psicadélicas. Fumava erva todos os dias e era altamente. Mas, as coisas começaram a ficar estranhas. Do nada, comecei a ter reacções demasiado intensas. A primeira vez que isso aconteceu foi num concerto dos Phish, no Merriweather Post Pavillion [em Washington DC]. Estava com uns amigos, na boa, a dar umas passas enquanto ouvia os Phish tocarem a "Reba". Depois, sem mais nem menos, consegui ver o mundo fechar-se sobre mim. Era como se o céu ficasse completamente negro e foi então que desmaiei.

Por mais lixado que estivesse, ainda não estava preparado para deixar a erva. No entanto, algo parecido voltou a acontecer no Jazz Fest, em Nova Orleães, mais tarde nesse ano. Voltei a sentir o mesmo depois de fumar um charro (felizmente tinha um sítio para me sentar e não caí redondo no chão). Mas comecei a ter alucinações bem estranhas. Era suposto a minha namorada apanhar-me depois do concerto, mas estava um pouco atrasada. Comecei pensar que se tinha atrasado porque estava a trair-me com outro gajo. Depois tinha a certeza absoluta que estava morta e então saí do festival à procura do seu corpo. Ela não fazia ideia de onde eu poderia estar e encontrou-me umas horas mais tarde a vaguear pela Bourbon Street, completamente fora de mim.

Publicidade

Pensei realmente que teria algo que ver com as drogas psicadélicas que tomei ao longo dos anos. Mas, praticamente todas as vezes que fumava um charro, ficava de tal forma fora de mim que já nem valia a pensa sequer continuar a fazê-lo. Arruinei demasiados momentos da minha vida e por isso, agora fico-me por umas quantas cervejas quando quero divertir-me um bocado".

PESSOAL ESTRANHO

"Deixei a erva depois de uma noite alucinante quando tinha 19 anos. Basicamente, passei um bom par de horas a fumar erva com um sem-abrigo-tocador-de-harmónica numa casa abandonada sem electricidade. Eu e um amigo, que andava sempre com um djambé, conhecemos este sem-abrigo super estranho quando tocávamos umas músicas na rua.

Pelo facto de sermos hippies pedrados, não era assim tão estranho seguirmos um sem-abrigo desconhecido para um esconderijo qualquer e enrolar uns charros. Mas, por volta das duas ou três da manhã, o meu amigo, o tocador de djambé, abandonou-me. Fquei ali sozinho, naquele edifício a cair de podre, com o meu novo amigo que mais parecia um velho feiticeiro.

Estava completamente mocado no final da noite. Por isso não me lembro muito bem do que aconteceu a seguir. Não sei se o Gandalf tinha uma faca, ou falou em construir uma faca, ou sequer se mencionou algo sobre ter esfaqueado alguém durante a guerra do Vietnam… O que quer que fosse, eu estava bastante convicto que este veterano de guerra estava com ideias de enfiar uma faca nas minhas entranhas e retirar os meus órgãos. Eventualmente, o meu amigo do djambé voltou e levou-me para casa dos seus pais, deixando-me a dormir num dos quartos de hóspedes, enquanto a minha moca passava. Desde essa altura não voltei a fumar um charro, nem sequer voltei a ouvir Phish. Ser hippie é muito tramado".

Publicidade

PASTELARIA TRAIÇOEIRA

"Quando estava na faculdade, embebedar-me durante a semana era a minha cena. O único problema era ficar de ressaca nas aulas. Até que descobri que fumar erva poderia ser tão ou mais fixe e com a vantagem de que não ficava com dores de cabeça na manhã seguinte.

Por isso, todas as noites fumava erva com os meus colegas. Tudo era perfeito até começar a trabalhar numa pastelaria super chique. Quando saia do trabalho, levava para casa uns bolos que deveriam valer mais ou menos 50 dólares e que eu prometia a mim mesmo partilhar com os meus colegas de casa. Claro que isso nunca aconteceu. Em vez disso, fumava erva como se não houvesse amanhã e atirava-me aos croissants, pastéis artesanais, pãezinhos caseiros, baguetes tipo francesas - um verdadeiro obeso num banquete. Horrível.

Eventualmente, teria que deixar a erva porque ficava empanturrado e enjoado por comer todas aquelas coisas. E depois nas aulas do dia seguinte, andava a correr para a casa-de-banho. Por isso, sim, confesso, deixei de fumar erva porque os pastéis deliciosos estavam a destruir o meu estômago".

CRIME E CASTIGO

"Durante os tempos da faculdade fumei e vendi demasiada erva. Quer dizer, só faz sentido ser um consumidor assíduo se fores também um dealer. Não era nenhum Nino Brown, nem nada que se pareça, mas era bem capaz de comprar umas 200 gramas de erva todas as semanas e manter o meu vício com o lucro. Não dava muito nas vistas. Tinha a minha cena numa bolsinha de cabedal preto.

Publicidade

Era altamente… até ser apanhado.

Estava a dar umas voltas de carro com os meus amigos, que mais pareciam viciados em heroína, quando fomos mandados parar numa operação stop. O polícia achou que éramos "suspeitos" e resolveu chamar um dos cães que o acompanhava. Tinha quase 30 gramas na minha bolsinha de cabedal e o raio do cão conseguiu detectá-las.

Mas, até tive bastante sorte, porque em Vermont, se tivermos menos de 21 anos e formos apanhados com menos de 56,6 gramas, não somos considerados dealers aos olhos da lei. Por isso não fui parar à prisão. Apenas tive que ir a uma cena chamada Despiste, onde me fizeram testes de droga normais e fui seguido por um terapeuta.

O meu primeiro terapeuta era horrível, mas o segundo até era bastante bom e foi ele o responsável por deixar a erva. Até o conhecer, tinha a certeza que assim que os testes de droga terminassem, voltaria a fumar tal como antes. Mas ele fez-me pensar de uma forma diferente com uma simples verdade: tinha que deixar de fumar erva para perceber se a minha vida melhorava ou não com isso, e comparar as diferenças. Não havia outra alternativa.

Mais tarde, depois do Despiste terminar, percebi que cada vez que fumava erva estava insatisfeito com alguma coisa, ou ansioso ou paranóico. Tomava más decisões e não conseguia pensar com clareza porque fumava todos os dias. Por isso parei e, realmente, a minha vida melhorou. As minhas notas melhoraram e estava mais consciente do que estava a fazer e que rumo tomava a minha vida. Não estou a dizer que toda a gente seja negativamente afectada com a erva, mas tramou realmente a minha vida. Há 10 anos que não fumo erva e nem sequer pensei duas vezes".

Publicidade

VOANDO SOBRE UM NINHO DE CUCOS

"Acho que os ácidos não conseguiam substituir os charros. Tive uma "bad trip". Aconteceu quando estava com um amigo na minha casa de férias que, na verdade, mais parece uma cabana à beira de um lago. É um lugar bastante porreiro, mas, por alguma razão, aquilo trouxe pensamentos depressivos à minha mente.

Seria, talvez, porque havia casinhas de pássaros por todo o lado, que a minha mãe costumava construir? Tive pensamentos tão profundos que nem consigo descrever em palavras. Sentia-me como uma criança, no mau sentido, como se não conseguisse controlar o meu próprio destino, ou tomar as minhas próprias decisões. Foi uma "trip" tão traumática que tive que mudar de cidade para tentar sacudir os últimos efeitos daquela experiência.

Infelizmente, desde essa ocasião, todas as vezes que fumei erva, voltava a esses pensamentos intensos. Quando fumava um charro parecia que tinha um ataque de ansiedade. Como se não conseguisse controlar os meus pensamentos. Todas as ideias que tinha tornavam-se pervertidas, mesmo coisas que me faziam sentir bem. Então comecei a questionar-me: Porque é que os meus amigos são meus amigos? Serão mesmo meus amigos, ou estão apenas a usar-me? Era realmente perturbador e sentia-me de tal forma paranóico que não conseguia sequer interagir com outras pessoas. Imagina teres este tipo de sensação quando estás com os teus amigos que apenas querem fumar um charro contigo e acabas por te enroscar nos cobertores enquanto dizes todo o tipo de merdas que te vêm à cabeça. Mas agora estou bem".


Todas as ilustrações por Nick Gazin. Dá uma vista de olhos no seu trabalho.

Segue a VICE Portugal no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Vê mais vídeos, documentários e reportagens em VICE VÍDEO.