Patricia Sayuri transforma o improvável em belo

Dobrar, costurar, amarrar. Misturar cores sem medir, confiando no olho. Mergulhar o tecido e esperar uma linda estampa sair dali. Esta é a rotina da artista têxtil Patricia Sayuri, que se apropriou do shibori, técnica japonesa de tingimento e texturização manual de tecidos. “O shibori tem um plano de estampa, mas é muito imprevisível, porque você não sabe como vai reagir. E isso é muito bonito da técnica, porque nunca é exatamente o que você espera. A maioria das vezes o inesperado é muito bom”, diz a paulista de 28 anos.

Graduada em Artes Visuais na Unicamp, ela conheceu o shibori ao pesquisar sobre o estilista Issey Miyake para o trabalho de conclusão de curso. Mas parece que, meio por acaso, tudo foi levando Patricia para o shibori. Quando se mudou para São Paulo, ela se matriculou em um curso de tingimento oriental, mas não sabia qual era a programação. “No primeiro dia de aula, a primeira coisa que o professor falou é que a gente ia aprender shibori. Tudo começou a fluir”, diz.

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Patricia explica rindo que “o shibori é uma técnica bem… técnica”, mas ela decidiu abordá-la da sua maneira, sem seguir necessariamente as estampas tradicionais japonesas. “Queria que fosse uma coisa mais espontânea, sem um desenho formado”. E não só o trabalho de tingimento se tornou um processo mais intuitivo – ela mistura os corantes sem medir , mas também a escolha dos tecidos.

Comprados numa fábrica de seda no interior de São Paulo, eles são retalhos descartados por terem marcas, serem velhos ou estarem rasgados. “Escolho esses materiais porque eles já têm uma carga de memória, pelo fato de estarem abandonados ali”. Parte do trabalho de Patricia é transformar o material “rejeitado” em algo belo. “Gosto de sempre pensar tudo pelo lado positivo, tentar ver o lado bonito das coisas, mesmo quando elas não são bonitas”.

Se a descoberta do shibori foi quase uma coincidência, a perspectiva que ela escolhe para explorar a técnica tem muito a ver com suas origens japonesas: o avô de Patricia nasceu e viveu até os nove anos de idade em Okinawa; a avó é sobrinha do primeiro imigrante japonês no Brasil. “No Japão eles têm muito disso de não desprezar uma coisa que é feia. A louça que quebra e rejunta com ouro vira um registro do que aconteceu e aquele objeto adquire mais valor pelo fato de ter quebrado e sido montado de novo. É isso, juntar caquinho e montar uma coisa melhor. É isso que a gente faz na vida o tempo todo”, reflete.

A descoberta do shibori aconteceu paralelamente a um momento em que a artista buscava suas origens japonesas. E esses descobrimentos muitas vezes se cruzaram. “Parece que foi um ciclo retornando de uma coisa que eu não tinha ideia que tinha acontecido na minha família”, diz, lembrando de quando sua avó contou, apenas depois de ela começar os trabalhos de tingimentos, que tinha uma prima no Japão que pintava tecidos à mão para vender nas ruas de Okinawa.

A menina que era zoada na escola por ser japonesa resolveu ir atrás de sua história, e foi para o Japão em 2014 para se aprofundar nos estudos do shibori e reconectar sua família. “Aprendi que eu tinha muito da cultura japonesa que não imaginava ter”. Com ajuda de um tradutor e de cartas que sua tia avó, que nunca saiu do Japão, havia mandado para seu avô, ela encontrou parte da família japonesa. Essa conexão com os antepassados, diz Patricia, a ajudou a entender melhor quem ela é.

“As pessoas de Okinawa têm um sentimento de retorno para casa quando vão pra lá. Senti isso quando cheguei no Japão. Saudades do que nunca vivi, sabe? Era como se eu tivesse voltando para casa. Isso para mim foi explosivo”, conta Patricia. Esse resgate da ancestralidade se cruzou mais uma vez com seu trabalho nas artes têxteis. “O shibori tem essa questão da memória também, porque tudo que eu faço no tecido é estampado. Se eu estou nervosa, vai aparecer aquilo, se eu estou desconcentrada, ou feliz, ou extremamente concentrada. É a estampa do que eu sou que está ali”.

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