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O Estado Islâmico está usando drones comerciais em bombardeios

Embora nem todos ataques de drone feitos pelo Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque tenham sido bem sucedidos, documentos recém-descobertos revelam o quão organizados e criativos são os ataques de veículos aéreos não-tripulados efetuados pelo grupo.

Os papéis foram achados em um prédio sob o controle do grupo por Vera Mironova, pesquisadora de Harvard, nos EUA, e entregues ao Centro de Combate ao Terrorismo (CTC, na sigla original).

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De acordo com o CTC, o EI vem utilizando drones comerciais para conduzir missões de vigilância e bombardeios desde 2013, mas esses ataques só se tornaram de conhecimento público em outubro de 2016, quando um drone equipado com uma bomba matou dois soldados iraquianos, o que instigou ampla cobertura da mídia.

Desde então, uma série de notícias e imagens — além das propagandas do próprio Estado Islâmico — provaram que o grupo leva a estratégia de armar drones comerciais à sério. O governo americano também encara o assunto com seriedade, fato comprovado pelo amplo investimento destinado à criação de tecnologias anti-drones e pelas fotos de soldados americanos com equipamentos como o Drone Defender from Battelle, fabricado nos EUA.

Os recém-descobertos documentos trazem informações valiosas para aqueles empenhados em combater os ataques do Estado Islâmico.

“A descoberta e captura de documentos internos elaborados pelo Estado Islâmico e as organizações que os precederam mostram que o grupo é muito detalhista e burocrático no que diz respeito às suas operações”, afirmam Don Rassler, Muhammad al-Ubaydi e Vera Mironova, em uma análise dos documentos encontrados divulgada na página do CTC.

Mironova, uma pesquisadora do Centro de Belfer para a Ciência da Universidade de Harvard, encontrou os documentos durante uma pesquisa de campo em Mosul feita em apoio com uma unidade militar iraquiana. Os formulários incluem listas de controle respondidas pelos operadores de drones antes e depois das missões; listas de compras e inventários de ferramentas e equipamentos, incluindo componentes comerciais comprados pela internet como câmeras GoPro e lâminas de reposição de quadcopters. Um dos documentos registra a compra de drones X8 Skywalker, um tipo de drone fabricado na China que aparece em um vídeo divulgado pelo Estado Islâmico em janeiro.

Um dos documentos encontrados. Crédito: Vera Mironova

“Os 21 documentos podem ser divididos em quatro categorias: relatórios referentes ao uso de drones (2), listas de equipamento/pedidos de compra (11), recibos ou formulários de compra (6) e documentos de permissão (2)”, escrevem os autores. “O formulário padrão preenchido pelos operadores de drones do Estado Islâmico é dividido em quatro partes. Na primeira página, os operadores fornecem os seguintes detalhes sobre suas missões: tipo de missão (das seis opções preexistentes, duas envolviam missões armadas: ‘Bombardeamento’ e ‘Avião Explosivo’), quais membros estavam envolvidos, local da missão e coordenadas do voo (os dois formulários de uso de drones encontrados se referiam a ‘missões de treinamento’)”.

As listas de compras, que incluem itens como GPS’s e cartões de memória, mostram que, embora os drones do Estado Islâmico não sejam sofisticados, o grupo é engenhoso e criativo. Os itens nas listas podem ser comprados em lojas online como o AliExpress e o HobbyKing, e os servos projetados para executar pequenos ataques como as aqueles demonstrados em vídeos do Estado Islâmico são particularmente inteligentes.

“Esses documentos esclarecem alguns dos detalhes mais importantes do programa de drones do Estado Islâmico”

“Além de nos dar uma visão intrigante dos bastidores do Estado Islâmico, os documentos trazem alguns novos detalhes”, disse Rasler ao Motherboard em um email enviado na quarta-feira. “Esses detalhes não são surpreendentes por si só, mas eles esclarecem alguns dos detalhes do programa de drones do Estado Islâmico, entre eles: qual é a posição burocrática do programa de drones dentro do EI; como o programa é supervisionado (o que inclui documentos associados ao programa, os objetivos de cada missão — como podemos ver nos diferentes tipos de missões listados nos formulários, e como ele estava sendo monitorado em diferentes áreas geográficas); e o tipo de equipamento comercial que o grupo utiliza ou pretende utilizar para aperfeiçoar seu sistema de drones”.

Maynard Holliday, especialista em drones e ex-especialista em defesa do Pentágono, disse ao Motherboard em entrevista pelo telefone que o uso de drones do Estado Islâmico é engenhoso. “O EI é um inimigo criativo, que se aproveita da assimetria de recursos. Eles não tem uma força aérea nem uma Marinha, então eles improvisam”, disse ele, em uma ligação feita de sua casa na Califórnia. “Estamos tentando acompanhar esse ritmo de improvisação.”

Outro documento descoberto. Crédito: Vera Mironova

Holliday comparou a ascensão do uso de drones pelo Estado Islâmico à das bombas caseiras. “Isso nos remete à questão das bombas caseiras. Conforme a tecnologia se espalhava pelo EI, eles passaram a transformar celulares e munições abandonadas pelo Exército Iraquiano e a Guarda Nacional em bombas caseiras. Mas hoje existem drones comerciais que não aparecem em radares, e que podem ser controlados remotamente.”

Os documentos não revelam nenhuma informação concreta sobre como o Estado Islâmico planeja utilizar esses drones, mas os pesquisadores acreditam que a ausência de quadcopters nas listas de compras indicaria uma estratégia de maior alcance.

“Isso, e a exibição do drone X8 Skywalker (um dos drones de asa fixa solicitado pelo Estado Islâmico nos documentos) em um vídeo recente, sugerem que o Estado Islâmico pode estar considerando o uso de drones de asa fixa para fins operacionais, incluindo a invasão de bases inimigas e/ou realização de missões de vigilância ou ataque”, concluem os pesquisadores.

Tradução: Ananda Pieratti