Música

O Festival da Ilha de Wight Não É Mais um Evento Contracultural, Mas Cumpre Bem seu Papel


Crédito: Isle of Wight; Sara Lincoln

O festival da Ilha de Wight de 1969 foi, de acordo com o jornalista musical John Harris, “alçado à categoria de show da década”. Graças a rumores que um ou todos os Beatles se juntariam a ele no palco, o show de volta do Bob Dylan colocou a ilha no mapa musical. Não mais uma ilhazinha britânica, a Ilha de Wight agora ganhava fama por ser palco de um dos primeiros festivais musicais do mundo – contando com shows das grandes estrelas da época: Jimi Hendrix, The Who, Joni Mitchell, e claro, Dylan, que largou o Woodstock para tocar neste festival pela primeira vez desde que um acidente de moto o fez tomar uma pausa criativa em meados dos anos 60, resultando na trilogia de discos Bringing it All Back Home, Blonde on Blonde e Highway 61 Revisited.

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Pode não parecer agora, mas os primórdios do festival da Ilha de Wight são peça vital da história cultural. Os criadores dos festivais de Glastonbury e Stonehenge foram inspirados a começarem seus próprios eventos após visitarem a Ilha de Wight no ano em que Jimi Hendrix foi headliner – mesmo ano em que o Parlamento aprovou o “ato da Ilha de Wight”, que impedia reuniões de mais de 5.000 pessoas sem uma licença específica após o festival ter lotado de forma inesperada, com cerca de 600.000 a 700.000 frequentadores naquele fim de semana. George Harrison até mesmo compôs uma música dedicada e inspirada pelo show de Bob Dylan, chamada “Behind the Locked Door”. Essencialmente, a Ilha de Wight foi um paraíso hippie. Na época, era assim:

Crédito: Wikipedia Commons

Aí tudo acabou. O festival da Ilha de Wight de hoje, que voltou à ativa em 2002, não tem ligação alguma com o antigo além de se passar na mesma ilha. Sempre vale parar pra pensar no passado, porém. O evento deste ano contou com The Prodigy, Blur e Fletwood Mac como headliners, e foi de acordo com o organizador John Gidding “o line-up do verão, se não for o melhor que já tivemos”. É também uma homenagem a Jimi Hendrix – 45 anos depois dele ter tocado na ilha pela primeira vez – então fica claro que que o organizador atual vê o festival da Ilha de Wight em meio aos grandes, mantendo a chama acesa. Fui lá para ver se ainda restava um pouco de sua antiga glória.

Se você procura a experiência quintessencial em festivais, então a Ilha de Wight tem tudo. Chego lá e está chovendo pra cacete. Um monte de food trucks com pratos com nomes politicamente incorretos, como o “Yardie Jerk” e “Jerk Dat Mon” [algo como Punheta de Quintal e Masturbe Aquele Cara], servidos em uma van com a palavra “Caribe” rabiscada na frente, em Comic Sans. O parque diversões tem diversos brinquedos como o Sapo Saltador, o X-Flight e um brinquedo bizarro tipo pêndulo que não parece ser capaz de passar numa inspeção de segurança. Uma banquinha vende alcaçuz por 50 centavos; 12 por £5. Um monte de gente junta copos que foram jogados foras. O line-up tem um monte de bandas que tocam no rádio (James Bay, You Me at Six, Pharrell), clássicas (Kool and the Gang, Fleetwood Mac) e indie limpinho (The Courteeners, Ash, Blur).

De acordo com a história do festival junto à cultura mod dos anos 70 – pessoas iam de lambreta pra ilha todo final de semana, alguns deles ficando para criarem seus filhos – há uma tenda chamada Hipshaker [Balança-quadril]. Para quem tem mais de 30, lá é o melhor lugar. EPs de 7 polegadas de mentirinha como “Town Called Malice” do The Jam e “Itchycoo Park” do Small Faces estão pendurados no teto. Uns caras de pólo Fred Perry socializam com outros com camisetas Animal e tênis Gazelles da Adidas. As esposas dançam ao lado. É tudo iluminado! Toca Happy Mondays. Daí toca Stone Roses. Fico feliz em ver adultos dançando, testemunhá-los fazendo as mesmas caras e bocas que seus filhos antes de caírem de cara no chão da Fabric. Por um instante acredito que o Hipshaker é o lugar mais feliz do festival. Daí tocam Kasabian.

Nos anos anteriores, o festival da Ilha de Wight contou com line-ups fantásticos. Em 2007, os Rolling Stones foram headliners e tocaram em seu primeiro festival britânico em 30 anos, ajudando o evento a ganhar o prêmio de “Melhor Grande Festival” no UK Festival Awards. Os Sex Pistols e o The Police já foram headliners em 2008. Já Jay Z levou Kanye West para seu show em 2010 – um final de semana que também contou com Paul McCartney e os Strokes. Mas notamos um declínio. Por mais que isso talvez tenha mais a ver com o cenário dos festivais em geral, e não com a Ilha de Wight, é difícil não pensar que fora o Fleetwood Mac, não tem nada demais daqui. O festival se esforçou, é claro – em um ato que provavelmente se deu como forma de competir com o Bestival, outro festival que ocorre na ilha, foram construídas áreas arborizadas isoladas com aulas de yoga às 11h da manhã e bandas e DJs da região tocando para públicos reduzidos. Mas não dá pra deixar de pensar que aquilo é meio forçado ou nada além de uma experiência com marcas, com cada palco com um nome tipo “Strongbow Tree”.

Não deveria importar que o line-up não é dos maiores ou que as experiências extra pareçam meio forçadas, porém. Pharrell Williams tocou um dos melhores shows do verão, de suas produções com Britney Spears e Nelly a remixes com o Future, faixas do N.E.R.D. e músicas suas de GIRL, do ano passado. Kool and the Gang botam a galera pra dançar com a música do anúncio da DFS. O Fleetwood Mac são o destaque óbvio. Durante o show deles vejo um garoto que não pode ter mais que sete anos dizer “amo essa banda” para seu pai, provando que música excelente pode ultrapassar gerações.


Crédito: Ilha de Wight

O festival da Ilha de Wight do passado foi criado com uma pegada contracultural. O de hoje faz o oposto. Uma lata de coca te custa £2. O público de hoje vem aqui para viver uma experiência de festival – um ou dois bons headliners, comida servida em furgões, muita bebida, um final de semana com as crianças ou amigos – e é isso que eles vendem, com maestria. Dentre os festivais comerciais no Reino Unido, é o mais de boa. Ninguém fica por ali chapadaço. As pessoas são relativamente educadas. Temos famílias por toda parte. Não tem fila. Para alguns, isso é ótimo. É um festival apresentado de forma estereotipada, feito para pessoas que não saem tanto no restante do ano. É uma decepção que não pareça em nada com o que rolou no final dos anos 60 e que as atrações não sejam como aquelas de começo dos anos 2000, mas para os frequentadores isso não importa. O que importa é que ele cumpre bem seu papel.

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Tradução: Thiago “Índio” Silva