“Fotografar é atribuir importância”, cravou Susan Sontag, escritora e crítica de arte norte-americana que estudou e percebeu a fotografia com precisão e sensibilidade únicas. A imagem em preto e branco que antecede este texto é um exemplo cristalino de como uma foto pode falar absolutamente tudo por si; de como o embate político que polarizou o país nos últimos anos aparece congelado no segundo em que o clique foi feito. Esta foto diz muito, senão tudo.
Era o último domingo de setembro e faltavam exatos 28 dias para o segundo turno das eleições que consagrariam Jair Bolsonaro (PSL) como presidente eleito do Brasil. Seus apoiadores, entretanto, ainda não podiam ter certeza disso, por isso foram às ruas em vários lugares do país – mais especificamente numa resposta pobre e bem menor às manifestações contra o candidato encabeçadas pelas mulheres que ocorreram dias antes e reuniram milhares de pessoas.
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Morador da periferia de Guarulhos, na grande São Paulo, Rodrigo Zaim, 27, cumpria com seu ofício de fotojornalista e integrante do R.U.A. Foto Coletivo. Almoçou, subiu em sua motoca (uma Honda Biz de 2006) e foi em direção à Avenida Paulista, tida como o coração da cidade. Foi ali que, muito provavelmente, fez uma das melhores fotos de 2018.
Zaim relembra que o protesto não estava muito cheio e, que, de repente, começou a ventar forte e chover. Muitos apoiadores de Bolsonaro correram para se abrigar no vão do Masp, mas qual não foi a surpresa do destino quando, naquele mesmo local, acontecia um rolezinho, como reportamos nesta matéria. “Os pró-Bolsonaro começaram a gritar ‘Lula na cadeia’ e ‘Ei, PT, vai tomar no cu’”, conta o fotógrafo. O pessoal do rolezinho rebateu. “Até que a parada começou a ficar mais forte, [eles] cada vez mais próximos e tal, e eu fiquei no meio esperando alguma coisa acontecer.”
E aconteceu. O casal que está em primeiro plano na foto começou a dançar e rebolar, provocando os fãs do nosso futuro presidente, que nunca perdeu a oportunidade de passar vergonha dando declarações homofóbicas. Foi então que os meninos se beijaram, chamando mais ainda a atenção dos pró-Bolsonaro – que, na imagem, exibem reações distintas.
Em termos de perspectiva, pode até ser que os quatro caras com camiseta do Bolsonaro não estivessem olhando para esse casal especificamente, mas ali daquele lado acontecia um beijaço. Difícil não lembrar de quando casais LGBT+ fizeram o mesmo diante de Bolsonaro e Marco Feliciano em 2016.
Esperar que alguma coisa acontecesse naquele dia rendeu a Rodrigo Zaim uma captura fotográfica que remete ao Brasil que temos assistido: a resistência quase orgânica da esquerda diante da pressão conversadora que quer eliminar e deter pautas progressistas que contemplem LGBTs, mulheres, negros, indígenas, pobres e marginalizados. Mas, para essas minorias, existir é natural. E resistir é um instinto de sobrevivência quase que inevitável. Assim como amar.
Mais fotos do Rodrigo Zaim no Instagram.
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